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MARCHA-A-RÉ NA EDUCAÇÃO PAULISTA

4.2 “O ESPÍRITO PAULISTA, PREVIDENTE, GENEROSO E NOBRE”

5. PRODUÇÃO ESCOLAR E PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA

5.3. MARCHA-A-RÉ NA EDUCAÇÃO PAULISTA

Azevedo (1963, p. 646) atribui ao Estado e suas reformas educacionais, a oposição sistemática sofrida pelos preceitos advindos da escola nova, ao que denomina: “contra-reformas”. Equivale, em certo sentido, às críticas que Carolina faz às “re-reformas”; mas, sobretudo mostra, claramente, a divergência de leitura do contexto educacional que havia entre ambos.

No contexto conhecido por intensas polarizações teóricas entre renovadores e tradicionais, que marcaram a década de 1930, as idéias de Carolina Ribeiro foram cultivadas e circularam em

setores de variados matizes políticos e educacionais. É preciso ressaltar, aqui, a posição de Carvalho (1998a, p.24) que se distancia dos quadros explicativos e atenua as divergências entre grupos (costumeiramente colocados em oposição, pela historiografia), recusando, principalmente, a polarização tradicionais x renovadores como categoria descritiva. Pois, conforme explica a autora “[...] ambos os grupos moviam-se num mesmo campo de debates, propunham a questão educacional preponderantemente da ótica da ‘formação da nacionalidade’. Por isso, nas propostas, as semelhanças eram mais relevantes que as diferenças”.

Desta forma, Carolina contava com a confiança de educadores como o próprio Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Almeida Junior que gozavam de prestígio político e galgaram postos na hierarquia do ensino paulista, além de participarem ativamente do movimento favorável à renovação da educação, no país, e da elaboração, em 1932, do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.

Alguns educadores, como Almeida Junior, esboçavam publicamente sua admiração por Carolina Ribeiro, e confiança no seu trabalho. Médico e professor, Almeida Junior fora Diretor Geral do Ensino, de 1935 a 1937, e Secretário da Educação e Saúde de São Paulo, nos últimos meses de 1945, na aurora da redemocratização do país. Soma, também, em sua carreira no ensino público paulista, a colaboração com Sampaio Dória, em 1920, Lourenço Filho, em 1931 e, especialmente, com Fernando de Azevedo quando da elaboração do Código de Educação, em 1933. Participou da comissão encarregada de elaborar os estatutos da USP e defendeu, juntamente com Fernando de Azevedo, a autonomia e a democratização dos colegiados universitários, como a representação discente nos Conselho Universitário (GANDINI, 2002).

Conforme destaca Gandini (2002, p. 137), Almeida Junior “[...] teve significativa atuação no movimento de resistência ao Estado Novo, posicionou-se pública e oficialmente contra a extinção do Instituto de Educação da Universidade de São Paulo em 1938, período ditatorial como se sabe”. Dentre essas declarações, no episódio das comemorações do centenário do ensino normal paulista, em 1946, lamentou a extinção do Instituto de Educação, ocorrida em 1938, em artigo publicado pelo jornal O Estado de São Paulo: “A escola normal e a sua evolução”. Referindo-se, a então diretora Carolina Ribeiro, com uma esperança que vai além do lastro profissional ressaltado, caracterizou-a como herdeira e continuadora do legado de Caetano de Campos:

Mas em certo dia de junho de 1938, inesperadamente, trazem os jornais a notícia de que o governo estadual suprimira o Instituto de Educação [...]. Vinha abaixo, portanto, o esforço de vários anos no sentido de fazer-se da Educação em todos os graus... Dava-se um passo para trás.

Creio ainda assim, que a semente pegou. Em torno de Carolina Ribeiro reúne-se agora um grupo de moças inteligentes e cultas, quase todas filhas do Instituto de Educação. À sombra do nome sugestivo de Caetano de Campos e inspirada pelas solicitações da própria vida, elas continuarão a trajetória evolutiva da grande casa de ensino de São Paulo (ALMEIDA JUNIOR, 1946).

Esses comentários, que procuram plasmar o nome de Caetano de Campos às demandas da educação renovada, demonstram que Almeida Junior, de certa forma, confia a continuidade do projeto renovador à Carolina Ribeiro e às normalistas que se formaram no Instituto de Educação. Advindos de uma autoridade pública, conhecido defensor do escolanovismo, sua declaração atualiza os princípios da velha escola paulista e atesta que o legado de Caetano de Campos fortaleceu a identidade dos educadores paulistas em todas as instâncias em que atuaram – seja na escola, na formulação da teoria educacional ou no lugar de legisladores - e legitimou a ação política e educacional da diretora Carolina Ribeiro e da Bibliotecária Iracema Marques da Silveira, nesta direção. Essa caracterização constitui-se em um movimento teórico relevante, que nos permite perceber os rastros da contradição, entre teoria, legalidade e prática (VIÑAO FRAGO, 2003) na relação dos intelectuais e educadores com as normatizações e as diferentes apropriações feitas nestes “tempos de mudança”. Problematizar o movimento educacional paulista a partir das fraturas deixadas em suas inúmeras insatisfações, nos seus projetos e estratégias é importante para perseguir esses rastros, registrados nos documentos.

Dois exemplos da ambivalência que caracteriza essas relações são trazidos, primeiro, na menção de Carvalho (1998a, p.76) sobre a postura de Lourenço Filho quando ocupava a função de Diretor Geral da Instrução Pública (1930-1931). Ao escrever o texto de abertura do primeiro número da Revista Escola Nova (novo título da Revista Educação), o educador age “de modo a falar, não explicitamente da revista, mas da nova escola que deveria ser implantada no país, como obra política da Revolução de 1930: ‘Para um Brasil novo, uma escola nova’”.

O segundo exemplo está na forma como Fernando de Azevedo associa o processo de racionalização do Estado e de renovação escolar a um período revolucionário, iniciado na década de 1920, culminando na Revolução de 1930. Ele identifica um cenário onde se instalam as condições necessárias às mudanças que se anunciam:

A Revolução de 1930 foi, nesse processo revolucionário, uma das fases culminantes e decisivas. Preparada e desencadeada, porém, por uma aliança de grupos políticos de tendências as mais diversas, que se disputavam a primazia e foram sendo, uns após outros, anulados pela própria revolução, e não trazendo, por isso mesmo, para impô-lo e executá-lo, um programa político definido de ação escolar e cultural, ela não teve uma orientação uniforme, mas teve, de início, dois efeitos de grande alcance, no domínio da cultura e da educação. Intensificando a mobilidade social ou, por outras palavras, a migração de pessoas, como de idéias e de traços culturais, de um grupo ou de uma classe social para outra, e elevando ao poder ‘homens novos’, nem sempre com idéias firmes, mas com menos compromissos, trouxe, entre outras conseqüências, uma rápida mudança social, a desintegração dos costumes tradicionais do velho padrão cultural e maior complexidade nas relações sociais; e, rompendo as linhas da clivagem social entre os vários grupos e classes, contribuiu poderosamente não só para uma ‘democratização’ mais profunda como também para uma intensidade maior de trocas econômicas e culturais (AZEVEDO, 1963, p. 659).

Essa ênfase na precária administração da renovação educacional, via Estado, que perpassa os discursos de Azevedo, acentua que a Revolução de 1930 era encarada como um marco neste processo. Representou o rompimento com forças políticas e costumes tradicionais, favorecendo a mobilidade social e a circulação das novas idéias. Essa leitura otimista do processo de mudanças no pós-30, contrasta com a avaliação que Carolina Ribeiro faz deste período, ao traçar o histórico do ensino normal paulista. Para esta educadora a Revolução de 1930 representou uma “marcha- a-ré, que resulta agitação”. Critica o ímpeto reformista da década de 1930 e, na seqüência, a onda de reformas e inovações que acometeram o ensino. Em entrevista concedida em 1966, aos 74 anos, para o Jornal “Gazeta”, Carolina Ribeiro (1966) teceu o seguinte comentário:

A revolução de 30 tivera profundos reflexos no ensino público; acrescendo-se a isso a reforma total do prédio da velha escola da Praça da República; com a construção do 3º andar, houve completa destruição de laboratórios, oficinas e até de grande parte do arquivo, e da galeria de retratos de antigos diretores. [...] Buscavam os reformadores de então (alguns muito bem intencionados) uma renovação escolar em métodos e processos inteiramente diferentes; porém não houve continuidade administrativa, pois as autoridades de ensino mudavam antes que se firmasse qualquer diretriz. E a Escola Normal mudava até de nome[...] Era curso de ‘Formação de professores’; ‘Instituto de Educação’ – quase universitário; voltava a ser Escola Normal Modelo, ao sabor das preferências das autoridades do momento, sempre em prejuízo da organização de ensino. Tudo isso por conta da revolução (RIBEIRO, 1966).

Neste rico retorno ao passado, Carolina sinaliza uma representação das reformas repleta de conflitos que, supostamente, os educadores paulistas haviam enfrentado durante a instalação

do Governo Vargas, especialmente, no Estado Novo. A “destruição” da memória educacional pública paulista é uma das ameaças denunciadas por Carolina Ribeiro, nestas declarações; mas deve ser encarada mais como uma crítica à falta de continuidade administrativa, que tornavam nulas as reformas empreendidas, do que rejeição ao Instituto de Educação.

Segundo Schwartzman (1975, p. 130)

Disputas ideológicas à parte, o fato é que o regime político inaugurado em 1930 constitui na verdade, uma mudança radical em relação aos anteriores, em termos de uma maior centralização e concentração do poder político. Seus líderes, um grupo extremamente jovem em relação ao regime deposto, não eram representantes da ‘burguesia’ nem das ‘classes médias em ascensão’. Eles se identificavam claramente com a tradição política e militar do Rio Grande, e respondiam de forma difusa, incerta e indecisa às demandas oriundas dos setores mais urbanizados do país por medidas de bem-estar social e um aumento da eficiência e força administrativa, militar e econômica do Estado nacional. Ao mesmo tempo, tratavam de manter uma situação de equilíbrio e composição com as elites políticas remanescentes do período anterior e que tinham aderido a Vargas.

Para o autor, São Paulo encontrava-se em situação fragilizada, por dois motivos: 1) estar do lado perdedor da Revolução de 1930, e, 2) pela ausência de afinidades entre os interesses econômicos do Estado e os novos líderes nacionais. A centralização crescente do regime trouxe profunda frustração, mesmo entre os setores paulistas que apoiaram a revolução liberal. As reivindicações de 1932 representam este descontentamento com a crescente perda de hegemonia do Estado.

Considerando que Carolina Ribeiro compôs o grupo que liderou o movimento de resistência de 1932, podemos inferir que sua avaliação sobre a condução da política educacional, nesta época, está comprometida com a situação política desfavorável em que se encontrava São Paulo, descrita por Schwartzman (1975). Mas, contraditoriamente ao que sugere suas críticas, a face totalitária do regime de Vargas, que perdurou de 1937 a 1945, foi propícia às políticas de renovação do ensino público, implementadas pelo Ministro Gustavo Capanema. Bomeny (1999, p.137) caracteriza o Ministro Capanema, que se manteve por 11 anos (de 1934 a 1945) à frente do Ministério da Educação e da Saúde Pública, como um político habilidoso, que:

agregou em torno de si uma linhagem de homens ilustres nos campos da educação, da cultura e das artes... [...] Foi o ministério dos modernistas, dos Pioneiros da Escola Nova, de músicos e poetas. Mas foi também o ministério que perseguiu os comunistas, que fechou a Universidade do Distrito Federal.

A ambigüidade que acompanhou as ações políticas, durante o Estado Novo, implica, ainda segundo Bomeny (1999, p. 151), em grande desafio para análises e avaliações dos projetos implantados neste período. No ideário reformista, que pautou as políticas públicas do Governo Vargas, encontramos algumas orientações de mudanças na estrutura do ensino, mediadas pelo “Manifesto dos Pioneiros” e atreladas à aposta de desenvolvimento do país. Dentre os temas discutidos estão a defasagem entre educação e desenvolvimento e o comprometimento desse grupo numa luta pela redução dessa defasagem. O núcleo central do grande projeto político que se realizaria no Estado Novo, era “a construção da nacionalidade e a valorização da brasilidade, o que equivale dizer, a afirmação da identidade nacional brasileira”.

Para a realização deste grande projeto político era necessário enfrentar dois inimigos: a persistência de práticas regionalistas e os núcleos estrangeiros. A solução estaria em padronizar o ensino e as atividades escolares; essa idéia era defendida também pelos renovadores do ensino, que entendiam ser necessária à implantação de uma política nacionalizada, sob orientação do Estado, mas que preservasse as vocações regionais. Outras medidas mais abrangentes:

[...] ‘homogeneizar’ a população, afastando assim, o risco de impedimento do grande projeto de identidade nacional. A esta última intervenção convencionou- se chamar a questão da nacionalização do ensino, ou, na terminologia da época, ‘abrasileiramento’ do ensino. A terminologia nacionalização do ensino está informada pela ideologia mais geral da formação da nacionalidade, tendo embutida nela mesma a questão da centralização, do anti-regionalismo, e se quisermos adiantar, da intolerância com as diferenças (BOMENY, 1999, p. 151- 152).

Schwartzman, Bomeny e Costa (2000, p. 189), referindo-se ao início de gestão do Ministro Capanema, afirmam que “os tempos de reforma ocorriam simultaneamente aos da ação, mas consistiam, basicamente, na elaboração de um grande painel de normas, regulamentos e projetos para a reformulação total do sistema educacional do país”.

Os efeitos deste processo de mudanças, presentes nas reformas educacionais do período, foram sentidos na escola paulista. Antes mesmo das declarações de 1966, concedidas ao jornal Gazeta, os descontentamentos de Carolina Ribeiro em relação às ondas reformistas já haviam sido comentados em palestra que proferiu em dezembro de 1953, momento em que sua carreira encontrava-se em ascensão. Esta palestra que teve como título: “O ensino através da história”, compôs material publicado por ocasião das comemorações do IV Centenário da Fundação da Cidade de São Paulo, no ano seguinte, em 1954.

Em ambos os documentos - em que pese o período de 13 anos que os separa - a educadora pauta-se pela mesma crítica ao ímpeto reformista, de forma enérgica e com forte viés conservador. Especialmente na última entrevista (aos 74 anos), em que restabeleceu relações que haviam se passado há mais de 30 anos evidenciou, pelo recurso à memória, a permanência de uma representação das reformas educativas que definem um novo marco na educação paulista, a revolução de 1930, descrito como um tempo de agitação, confusão e de prejuízo para o ensino, sobretudo, para o magistério paulista. As reformas da fase anterior são representadas, ao contrário, como um momento auspicioso e glorioso do passado dos bandeirantes que teria sido bruscamente interrompido pelos acontecimentos políticos do pós-30.

Essa ambigüidade indica que várias são as “apropriações” possíveis nestes processos de mudança. Carvalho (1998b, p.69) chama a atenção para as estratégias editoriais, criadas, diferentemente por católicos e renovadores, na divulgação das apropriações particulares dos preceitos escolanovistas. A autora enfatiza que, para os católicos:

Tratou-se de uma apropriação de seus preceitos em que a crítica neles formulada aos objetivos estritamente instrucionais da escola não foi entendida como valorização dos processos da aprendizagem, como ênfase nos procedimentos por oposição aos resultados ou aos conteúdos do ensino, mas como postulação de uma formação integral, com ênfase moral e higiênica.

Considerando a relevância em delimitar os parâmetros político-filosóficos das várias apropriações conceituais da escola nova, pode-se dizer que este debate é importante; porém, tangencia o recorte temático estabelecido por este trabalho.

Historiadores da educação têm enfatizado o caráter conservador de um determinado modo de olhar as reformas educacionais. Neste sentido, Catani (1995a, p. 74) afirma:

Algumas das versões que hoje se poderia ter como ‘clássicas’ da história da educação republicana, no Brasil, têm feito sobressair os anos imediatamente posteriores à instauração do regime, ou seja, a última década do século passado e os anos vinte. Esses dois momentos tendem a ser apontados pelos estudiosos como período de grandes realizações, interesse pela educação e debates intensos. Justamente porque a ótica é essa dos debates amplos e do empenho em reformas, os primeiros anos do século XX têm sido considerados como destituídos de relevância.

Para além das grandes reformas que caracterizam as ações estatais e popularizam nomes de grandes educadores, legisladores e políticos, tornando visíveis seus projetos, pulsam memórias

que merecem ser analisadas à luz das continuidades e, também, das rupturas, presentes nas inúmeras manifestações que fundamentaram e consolidaram o modelo escolar paulista nas décadas posteriores a 1930. Carolina Ribeiro é uma destas educadoras que expõem sua versão da historia da educação paulista e as múltiplas memórias, por outro viés.

Portanto, na palestra exemplar que proferiu em 1953, muito embora estivesse prestes a assumir o cargo de Diretora Superintendente da Educação (que ocorreria em 1955), recuperou a história do ensino paulista, em uma versão que divergia do pensamento hegemônico à época. Ao contrário do otimismo, que alguns dos educadores que estavam à frente do movimento de renovação do ensino, manifestavam, em relação ao processo revolucionário do pós-30, como é o caso de Lourenço Filho, relatado anteriormente, Carolina Ribeiro (1954, p. 99-117), por sua vez, não economizava críticas a fatos e nomes deste período, que se colocaram “sempre em prejuízo da organização do ensino”. Em uma das raras passagens nas quais se mostra mais cuidadosa com os efeitos de sua crítica, demonstrando estar inteirada das qualidades necessárias à prática política, pondera:

Um dia, porém... , isso foi outra revolução, em 1948, só no Instituto. Não é oportuno, nem de boa ética, analisar mais detidamente este período post- revolucionário. Os fatos estão muito recentes, e vivas as figuras que neles atuaram. Os que acompanham com atenção os fatos conhecem suas causas e conseqüências (RIBEIRO, 1954, p. 99-117).

As reformas são mencionadas como contra-modelos de uma situação idealizada e cristalizada no passado. Em uma apologia, quase litúrgica, ao patrimônio máximo do ensino paulista, representado pelas instalações do “prédio da velha escola da Praça da República”, afirma que o edifício havia sido profanado pelas ações políticas reformadoras referindo-se à construção do terceiro pavimento em 1934. Neste ponto, delineiam-se, em sua trajetória, dois temas fundamentais para evidenciarmos sua atuação crítica em relação ao governo Vargas: o primeiro diz respeito à representação do mito que se expressa na forma de um passado glorioso e, na permanência/continuidade de um modelo determinado de escola – o modelo escolar paulista – e, o segundo, é a defesa da autonomia desta escola, ameaçada pelas normatizações que visavam uniformizar o ensino.

Carolina lista o que considerou como “pior para São Paulo”, nestes anos de transição: O pior, porém, nesses anos de após 1930, foi para São Paulo a

instabilidade da direção, a variedade de normas, a rápida sucessão de Interventores e a mais rápida, ainda, substituição de Diretores de Ensino (16, além dos que ficavam só alguns dias). Isso não lhes permite realizar os planos que porventura traçam; ou então, agem sem plano; todos, com o mais sincero propósito de acertar e de fazer bem (RIBEIRO, 1954, p. 99-117).

Em sua opinião, os fatores elencados feriam diretamente a autonomia do ensino paulista e significavam, indiretamente, afronta ao Estado de São Paulo; pois era “nos bons tempos, São Paulo, o mentor da educação do país: era essa, principalmente, a prova de sua hegemonia”, salienta.

A título de exemplo, o artigo “A prosperidade actual do Estado de São Paulo”, atribuído ao aluno Luiz Gonzaga Pinto Saraiva, de nove anos e publicado no nº 3, de 1936, primeiro ano do Jornal Nosso Esforço, é simbólico desta visão:

São Paulo é um dos estados mais importantes do Brasil.

Seu progresso é extraordinário, sua agricultura muito adiantada. O que mais elle produz é o café, o algodão, cereaes, fructas, e é muito importante na creação do gado.

São Paulo tem um dos mais importantes portos da América do Sul; possue numerosos navios que estão a toda hora entrando e sahindo de seus portos. A indústria está adiantadíssima; tem machinismos de todo jeito e as fabricas produzem tecidos de toda espécie.

Também tem estradas de rodagens e de ferro, que servem de vias de communicação com outras cidades (SARAIVA, 1936).

Neste sentido, o analfabetismo era outro problema que estava a desafiar a vocação paulista para o progresso e a ameaçar sua hegemonia. Tal questão se apresenta no discurso de Carolina como quase insolúvel, exibindo números vergonhosos para o regime democrático, instaurado a partir da Proclamação da República. Carolina Ribeiro (1954, p. 99-117) dedica longo trecho a esta discussão, e deixa pairar dúvidas em relação a uma solução fora do contexto paulista. É importante reconstituir seu discurso acerca do que identifica como um histórico do enfrentamento do analfabetismo, especialmente pelas autoridades públicas paulistas: “Porém, o