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3. A AÇÃO NO COLÉGIO DE APLICAÇÃO

3.1 Diário de campo

3.1.12 Marco inicial da criação cênica coletiva

O dia doze de junho foi decisivo à continuidade da proposta. Eu passara algumas semanas pensando nesse encontro, pois, em função do pouco tempo

que restava para concluirmos a disciplina, seria a minha última oportunidade de inserir o grupo na ideia de composição em dança a partir dos disparadores pedagógicos trabalhados. Eu entrara numa espécie de crise reflexiva, por entender que poderia estar impondo o trabalho com dança-teatro aos alunos, e por pensar que eles pudessem não se sentir convidados a dançar suas histórias.

Ou seja, a um mês do encerramento da disciplina, com oito alunos presentes, busquei direcionar as atividades do dia para que fizéssemos um acordo coletivo para nossa criação. Iniciei a aula por uma conversa em tom mais sério do que de costume, buscando chamar atenção à responsabilidade de comparecer às aulas e dispor-se a experimentar as atividades de improvisação e criação, e não somente a sequência criada pelo professor, superando as dificuldades que o trabalho viesse a significar.

Em sala de aula, considerando os pedidos para que dançássemos mais, ao invés de iniciar o trabalho pelas orientações referentes ao aquecimento, hoje aqueceríamos de um modo totalmente “dançado”, para o qual selecionara outras músicas com as quais a turma se identificava. A ideia era incentivar a espontaneidade e a concentração, sem deixar muito tempo entre um movimento e outro.

A atividade de improvisação realizada nesse encontro refletiu esse envolvimento crescente dos alunos com a proposta, bem como o aprimoramento da sua condução, sendo considerada o marco inicial do processo de criação cênica que estava por vir.

Dei início à proposta de improvisação dessa aula com os participantes dispostos em círculo. Nessa formação, solicitei a eles que, individualmente, improvisassem movimentos, estipulando dez minutos para essa investigação e orientando os alunos a escolherem um espaço na sala para isso. Após a etapa de criação dos movimentos, os chamei de volta para o círculo e pedi a eles que, um a um, compartilhassem seus movimentos com o grupo, formando uma apresentação sequencial e acumulativa de movimentos. A sequência criada, fixada como uma composição coreográfica coletiva, originou a primeira cena do nosso processo cênico-formativo.

O resultado atingido nessa atividade surpreendeu a turma. Como os simples movimentos se transformaram numa cena? Essa indagação motivou

conversas acerca da atenção e do estado cênico, necessários ao processo de criação em dança e discuti com eles a ideia de que alunos também podem construir obras artísticas ao darem um significado ao que fazem.

Para melhor explicitar a eles essa ideia, mencionei os estudos de Autard (2010), do campo das artes, que compreendem o uso da pedagogia da dança a partir da composição coreográfica, como um despertar dançante nas pessoas, pois, na minha leitura, eles estimulam uma emancipação em compreender o que cada pessoa faz como arte.

Ao transpor tais ideias para o contexto escolar, a emancipação para criar evidencia que um jovem estudante também produz arte. Geralmente, não somos educados para criação, para nos vermos como responsáveis de nossa própria formação. De tal modo, quando um aluno reconhece o que faz como arte está construindo pilares educativos para além da sala de aula. Para os discentes do CAp, causou surpresa a responsabilidade sobre suas próprias escolhas na criação, assim como a perspectiva de caminharem nesse território constituiu uma novidade.

Como havia mencionado no relato da aula anterior, decidi focar na composição (auto)biográfica a partir das narrativas de quatro alunos (dos quais, nesse dia, estavam apenas três), ao passo que os demais se envolveram nas criações coletivas. Como docente, procurei desdobrar-me, orientando as composições dos alunos com os disparadores em dança-teatro denominados “como eu me vejo” e “o que eu amo sem medo”, e acompanhando os demais, enquanto passavam as partes coletivas e ajudavam a compor os solos, com ideias e opiniões. Houve comunhão e escuta, mesmo com pequenos momentos de dispersão.

O encontro rendeu-nos o esqueleto da proposta final. Penso que eles ansiavam pela criação, mesmo que engajados em outras formas de compor danças, que não os disparadores em dança-teatro, o que expandiu a minha própria visão acerca da proposta da poética formativa. Ou seja, passei a compreender a poética formativa atrelada à improvisação e à aquisição de vocabulário também. Esses outros dois modos de composição em dança estavam no plano de ensino da poética, mas tiveram mais aderência ao cotidiano escolar do que os disparadores focados nas narrativas (auto)biográficas em dança-teatro. Esse é um dado importante que a prática no

Ensino Médio me trouxe, pois ambas pedagogias para criar estão inseridas em nossa experimentação cênica.

Ao despedir-me da aula, resolvi relembrar aos jovens a possibilidade de fazermos um registro em vídeo da criação em dança-teatro, e saber das suas disposições em relação a ela. Eu havia mencionado a ideia no primeiro dia de aula, mas se tornou necessário uma nova consulta, tendo em vista o passar dos meses e as mudanças em relação ao trabalho, manifestadas no decorrer das aulas. E, para a minha grata surpresa, eles ficaram eufóricos com a proposição.

A proposta de gravar as criações de sala de aula foi idealizada por mim desde a fase de planejamento das ações pedagógicas da pesquisa, para que eu pudesse ter acesso a uma “memória do processo” desenvolvido junto aos jovens, a ser incluída na Tese em complemento às minhas narrativas e descrições. E a perspectiva de realizá-la potencializou as ações e articulações dali para frente, tanto para mim, como para os alunos, conferindo às aulas um clima de preparação, de ensaio.