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5. PERMEABILIDADE E ASSIMETRIA DE ACESSO NA IMPLEMENTAÇÃO DA

5.3. Dinâmica de interação entre o Estado e a sociedade civil

5.3.1. Marco legal

As ações objetivando construir um marco legal no âmbito do poder legislativo baiano foram inicialmente capitaneadas pelo deputado Javier Alfaya (PC do B), ao provocar o questionamento sobre o tema e a elaboração de proposta de criação de uma frente parlamentar pela economia solidária no ano de 2008. Outras ações oriundas do poder legislativo foram da deputada Neusa Cadore (PT), que trouxe para a pauta a criação de uma frente parlamentar da agricultura familiar e economia solidária, com a realização de debates e de articulação política em torno do movimento de economia solidária.

Os debates sobre o marco legal também estão presentes no Fórum Brasileiro desde a I Plenária Nacional ocorrida em São Paulo, em dezembro de 2002, como grupo temático. Nesse primeiro encontro, obteve-se como resultado do grupo temático sobre o marco legal uma análise dos acúmulos, dos gargalos e das

propostas que se concentram no debate sobre o lugar social, as características e os significados que uma legislação de economia solidária deve ter, assim como a busca por interseções em algumas legislações que se aproximavam da temática da economia solidária, a exemplo da legislação que regula a qualidade dos produtos in natura e beneficiados. No momento da I Plenária, a entidade aglutinadora do movimento de economia solidária era um Grupo de Trabalho Nacional, que propiciou posteriormente, na III Plenária Nacional, a criação do Fórum Brasileiro de economia solidária (FBES). Já na IV Plenária Nacional, ganharam maior ênfase as bandeiras que visavam à construção de legislações que dariam garantia jurídica aos assuntos referentes à economia solidária. Nesse sentido, as orientações prioritárias dos debates centraram-se sobre formas de tributação diferenciada para os empreendimentos de economia solidária e a regulamentação e ampliação do mercado institucional para produtos e serviços da economia solidária.

O marco legal baiano, resultante do debate no campo legislativo, enquanto resultado do confronto com as reivindicações do movimento, teve a participação do próprio poder executivo, através da Lei nº 12.368, de dezembro de 2011, em que a economia solidária é caracterizada legalmente como estratégia de desenvolvimento sustentável democrático, inclusivo e socialmente justo. Para grande parte dos entrevistados a lei é importante porque confere existência jurídica aos empreendimentos de economia solidária com suas diversas formas de organização, seus princípios. A importância da legislação, auferida pelos sujeitos que trabalharam na Sesol, em suas entrevistas, relatam as dificuldades com os órgãos estatais de controle de dar legitimidade às ações relacionadas à economia solidária antes da promulgação do marco legal. Ou seja, a lei veio para facilitar as ações que permitiram diversos investimentos governamentais para os empreendimentos.

Na esteira do processo de institucionalização emerge a aprovação da Política Estadual de fomento à Economia Solidária no Estado da Bahia e a criação do Conselho Estadual de Economia Solidária, o que reforça, em tese, as ações voltadas para a economia solidária. De outro lado, os sujeitos aqui entrevistados apontam as contradições e tensões ocorridas no processo de elaboração da lei, que envolveu interesses diversos que ora convergiam, ora divergiam, como revelam as seguintes entrevistas:

Existia uma versão inicial [da lei] elaborada pelo do governo do Estado, nós pegamos essa versão, nós da sociedade civil, e fizemos uma contraproposta, por quê? Porque na lei do governo do Estado tinham muitas

questões defasadas, tinham inclusive questões que nem cabiam ao poder executivo estadual deliberar sobre. Enfim, fizemos uma contraproposta. Nesse momento de elaboração de proposta e contraproposta não sei o que foi que deu que a Casa Civil pegou uma lei e deu um entendimento próprio a ela e colocou diferente do que a Sesol e do que a gente estava debatendo, ou seja, uma terceira versão que a gente não sabe de onde surgiu essa terceira versão (...). Tinha coisas que era um meio-termo e tinha coisas que nenhum dos dois estavam nem botando ou discutindo. (...) Foi a Casa Civil e o gabinete da Deputada Neuza que estavam à frente da aprovação, ela foi a relatora da lei na Assembleia [sic] (Entrevistado 6 - Representante da sociedade civil).

A entrevista acima demonstra a reunião de várias forças políticas em torno da construção do marco legal da economia solidária da Bahia. Nestas forças políticas abrigam-se diversos interesses e concepções sobre a política. Dentre essas forças políticas, destaca-se o papel de centralidade da casa civil nesse processo. A mesma situação é relatada em outra das entrevistas:

A própria construção da lei foi um embate feroz, porque a gente construiu todo um processo, lá, desde 2003, pensando que a gente sonhava, mesmo provocando a partir do legislativo, com Neusa e Javier, a gente continuou fazendo, escrevendo texto, escrevendo proposta, dialogando nas nossas plenárias estaduais, dialogando nas nossas plenárias nacionais e pensando nesse formato de lei, né? (...) Nós fizemos audiências públicas, fizemos discussões, fizemos debates, mas a gente tinha uma ideia de que poderíamos fazer uma proposta de lei a partir de uma iniciativa popular. Mas aqui no estado nós começamos a discutir essa questão com o então governo Wagner e chegamos a um momento que a gente disse: ―não, tudo bem, o executivo pode mandar a proposta de lei, mas nós construímos esse primeiro esboço, só que ele vai pra Casa Civil, mas quando ela chega na Assembleia legislativa ela não tem o formato que a gente colocou, certo?‖ E aí a gente traz pra uma discussão a partir de atividades do Fórum, o Fórum promoveu alguns encontros pra discutir a legislação e fizemos com a Neusa Cadore, que era a relatora e começamos o debate com o pessoal dela e a gente conseguiu fazer um processo (...). O pessoal de Neusa trabalhava legal com a gente, já tínhamos uma relação. Ficou bem tranquilo esse processo, mas Neusa dizia o tempo todo pra gente que o projeto era do governo. E o governo deu a tarefa para ela fazer a representação, então ela ia escutar muito o governo, e o governo nesse momento, ela dizia, era a Casa Civil (…) [A Casa Civil] não queria deixar as coisas muito abertas pro movimento, né? [sic] (Entrevistado 5 - Representante da sociedade civil).

De forma mais específica, as divergências sobre a lei da economia solidária na Bahia aparecem em alguns artigos do marco legal, no entanto, novamente a Casa Civil aparece como uma força central nos debates, como posto pela seguinte entrevista:

(...) teve alguns pontos que a gente conseguiu avançar e outros a gente não conseguiu. Por isso a lei, ela tem alguns nós complicados. Eu lembro que um dos pontos que a gente não concordou e não negociou de jeito nenhum e o governo não arredou o pé foi o artigo que diz que quem delibera (...) se o empreendimento é de economia solidária é o secretário do trabalho, o titular. Agora, imagina, o secretário não vai fazer mais nada, ficar só assim olhando ―esse público é beneficiário da política, esse não é‖, não tem nada

a ver. Eu lembro que teve um momento em que teve gente que dizia assim: ―não, essa tarefa pode ser do Fórum‖, mas o Fórum não é uma instituição e a lei não podia dar a tarefa pra um movimento da sociedade civil, deliberar sobre uma questão que era da execução da política. Esse foi um dos pontos, mas passou do jeito que estava18 [sic] (Entrevistado 5 - Representante da sociedade civil).

O processo de constituição da lei corrobora com os pressupostos da existência de assimetrias de acesso na disputa estatal, o que materializa na noção de ―seletividades estatais‖ de Offe (1985) ou em Poulantzas (1984), aqui já apresentados, uma vez que a sociedade civil participa de acordo com limites impostos, conforme narrado por estes entrevistados da sociedade civil. Adicionadas a esta assimetria estão as prerrogativas de ordem técnica e legal, a respeito das quais um entrevistado representante do Estado defende:

Quando a gente chega com um segundo projeto de lei, que aí é Neuza que vai apresentar, a gente ainda sente falta de uma discussão um pouco mais organizada, um pouco mais sistêmica, O que é que a gente faz? Pegamos o Fórum, pegamos outros atores sociais envolvidos e vamos fazer uma discussão mais aprofundada sobre o projeto de lei e vamos colocar como iniciativa do executivo. Porque com uma iniciativa do executivo você tem mais possibilidade, você tem a máquina. Você tem a possibilidade de fazer a discussão um pouco mais estruturada. Passa pela Casa Civil, por exemplo. Então, tem uma série de revisões de ordem legal, de ordem técnica que são feitas, que são conversadas. Se você passa pelo executivo você tem a chance de incorporar dentro das ações do executivo o conteúdo daquela lei. Então, fica mais fácil. Então, você organiza as audiências públicas, as discussões. Então, aí, de fato, se conseguiu uma discussão bastante aprofundada. Se fez um grupo de trabalho um pouco menor. Então nós íamos até o gabinete de Neuza, nós da Sesol e a representação do Fórum [sic] (Entrevistado 4 - Representante do Estado).

Curioso notar que os argumentos de ordem técnica e jurídica são tidos como fruto da racionalização que, supostamente, ―fica mais fácil‖. Tal alocação aproxima- se da noção de ―Estado-Sujeito‖ descrita por Poulantzas (1985), segundo a qual o Estado paira independente dos grupos sociais. A aproximação com a Casa Civil é percebida como uma forma para melhorar a operacionalidade, e não uma escolha política. Estes debates, então, acabaram viabilizando a aprovação do marco legal da economia solidária, ou seja, da Lei Estadual da Economia Solidária nº 12.368/201.

Assim, ao contrário dessa visão do Estado-Sujeito, argumentamos aqui que a escolha por determinado caminho dentro da política de economia solidária é produto de uma relação, conflito de várias forças sociais identificadas aqui nas falas como o

18 Atualmente, o reconhecimento público aos empreendimentos de economia solidária é feito por meio

do Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos e Solidários (Cadsol), criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Fórum Baiano de Economia Solidária, a Superintendência de Economia Solidária, o gabinete da deputada Neuza e a Casa Civil do estado da Bahia. Dentre essas forças, destaca-se a assimetria muito significativa do poder da Casa Civil em relação às demais forças políticas.

5.3.2. Assistência técnica e formação: as ações dos Centros Públicos de