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2. ECONOMIA SOLIDÁRIA

2.3. Um panorama dos estudos sobre economia solidária no Brasil

A partir das abordagens mais centrais, os estudos sobre o tema da economia solidária tornaram-se mais numerosos e se expandiram nas mais diversas áreas do conhecimento. Na produção acadêmica relacionada à temática no Brasil predomina o interesse por estudar os temas da gestão nos empreendimentos e das potencialidades e limites do fenômeno, sendo os mesmos analisadas geralmente a partir de estudos de caso de empreendimentos (CALBINO e PAES, 2013). Essa produção teórica concentra-se geralmente em compreender o fenômeno no âmbito do local como uma forma de resistência a situações de pobreza e exclusão por meio da criação de empregos não formais e estreitamento dos laços sociais comunitários, entretanto, não utilizam a categoria classe social para suas análises. Alguns autores, como Leite (2009), Bertucci (2003), Ribeiro e Muylder (2014), Calbino e Paes de Paula (2013) e Henriques (2014) constroem um ―estado da arte‖ e categorizam as experiências de economia solidária.

No panorama sobre os estudos de economia solidária delimitado por Henriques (2014), as pesquisas possuem diversas matrizes teóricas, com algumas características próprias, tais como: uma primeira matriz busca caracterizar o movimento de economia solidária, utilizando-se, principalmente, de estudos de caso como unidade de análise, ainda que haja alguns poucos esforços de entender o movimento por uma unidade de análise mais amplas, como os mapeamentos nacionais realizados pela Secretaria Nacional de Economia Solidária. Os estudos categorizados em uma segunda matriz buscam identificar um projeto político da economia solidária, sendo marcados pela projeção de características que nem sempre existem efetivamente. A terceira matriz, proposta pelo autor, compõe-se por pesquisas que rejeitam a proposta política da economia solidária, já que não identificam na proposta radicalidade e força suficientes para ser uma alternativa ao capital. Grande parte dos estudos da última matriz ancora-se em dados dos mapeamentos nacionais para negar a proposta de economia solidária, sugerindo que as práticas de economia solidária são funcionais ao sistema do capital, pois se constituem como práticas apaziguadoras da luta social.

Mesmo não havendo total consenso sobre a origem da economia solidária, a maioria dos autores reitera a importância da crise do emprego formal de meados da década de 1990 como motivador do incremento desse tipo de atividade. Neste sentido, a presente dissertação se aproxima das matrizes teóricas que compreendem que a economia solidária está envolvida nas transformações do mundo do trabalho em meados da década de 1990. É neste contexto histórico de meados da década de 1990 que a noção de economia solidária começa a ser traçada por meio de projetos de geração de trabalho e renda para os marginalizados do mercado de trabalho formal em organizações como a Cáritas brasileira (Organização ligada à igreja católica), a Agência de Desenvolvimento Solidário (Organização ligada ao movimento sindical), das Incubadoras de Cooperativas populares (Organização ligada às universidades) e do Estado, através de políticas públicas.

A atuação da igreja católica através da Cáritas brasileira teve um papel central no fomento de práticas de economia solidária, principalmente nos chamados Projetos Alternativos Comunitários (PACs), na década de 1980. As práticas estimuladas de grupos de produção circulavam entre pastorais sociais e grupos de mães, principalmente na zona rural que, para Souza (2013), muitas vezes não eram atendidos por nenhum programa governamental. Esses PACs serão os antecessores da economia popular solidária. No ano de 2003, a Cáritas é uma das organizações que está presente e foi uma das fundadoras do Fórum Brasileiro de Economia Solidária, entidade de representação e articulação política dessas experiências (SOUZA, 2013).

O movimento sindical também esteve presente nesse processo e começou a estimular alternativas de emprego para os trabalhadores para além do mercado de trabalho formal. Nesse sentido, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) começa a debater quais ações podem ser adotadas no cenário de crise do emprego formal de meados da década de 1990 no Brasil. Para tanto, a CUT cria em 1999 ações voltadas a organizações de cunho solidário através da Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS). Segundo Silva (2016), estas ações da CUT estão inseridas em um contexto de crise do sindicalismo. Essa crise pode ser notada por meio da diminuição do número de greves, pelo grande número de ações institucionais em detrimento de ações com as bases dos sindicatos e a despolitização dos sindicatos. Nesse contexto, a hegemonia da CUT, para Silva (2016), passa a adotar um novo

modelo sindicalista de conciliação de classes: o sindicalismo propositivo. O modelo propositivo que a CUT passa a defender tem como uma das suas políticas de geração de emprego e renda a economia solidária como resposta ao desemprego e/ou a informalidade.

A proposição de um modelo fundado na noção de uma economia solidária não aconteceu, entretanto, sem uma série de debates dentro do movimento sindicalista, a partir de 1997. O centro desses debates circulava em torno de duas questões centrais: a) a questão da convivência de dois estatutos de trabalhadores: assalariados e cooperativados, o que geraria uma situação paradoxal em termos do direito do trabalho e b) o risco das cooperativas se tornarem um mero instrumento de redução de custos do capital por meio da transformação dessas cooperativas em gestoras do trabalho terceirizado (SILVA, 2016).

Dentre os projetos que assumiram grande importância para a construção de alternativas ao desemprego formal e exclusão, destaca-se também, segundo Guimarães (2003), o início do Programa da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) dentro da coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COOPE/UFRJ). Este projeto de extensão universitária tinha como objetivo formar, qualificar e assessorar trabalhadores na direção de construir atividades autogestionárias.

Segundo Guimarães (2003), o trabalho das Incubadoras dentro das universidades, com os projetos de geração de trabalho e renda e intervenção econômica, possibilitaram também o desenvolvimento contínuo de uma metodologia de incubação própria para os empreendimentos autogestionários que surgem em meados da década de 1990. Nesse sentido, o espaço da Universidade garante um corpo técnico e político capaz de desenvolver uma expertise importante para estes empreendimentos em formação de gestão, contabilidade, administração e comercialização.