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Marcos para o meio ambiente e os recursos hídricos

5 O SISTEMA AQÜÍFERO GUARANI E O DIREITO

5.1 DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL

5.1.1 Marcos para o meio ambiente e os recursos hídricos

Geralmente, na área de recursos hídricos, os acordos são regionais, não havendo nenhuma convenção internacional global que regule as águas doces. Durante muito tempo, a preocupação mundial e de países vizinhos era com a regulamentação de rios internacionais referente aos transportes e delimitação de fronteiras. No início do século XX, é que começou a existir preocupação com as forças hidráulicas para produzir eletricidade e represamento de cursos de água. Só nas últimas décadas do século XX, é que os estados perceberam a importância desses recursos hídricos internacionais como fonte de água para consumo humano e animal. Portanto, a preservação dos recursos hídricos é matéria incipiente no

127 campo internacional e, devido à preocupação mundial, os tratados estão saindo do nível regional para serem englobados em tratados mundiais.58

Segundo Caubet (2005, p. 21),

“A água doce, importante referência das relações internacionais, desponta no limiar do século XXI com uma nova conotação: a de recurso natural limitado para finalidades de consumo. Para os que estão acostumados com a rotina diária da economia, da produção e do comércio, essa afirmação pode parecer banal. Entretanto, ela constata uma verdadeira revolução, pois nem sempre foi assim. A recente expressão ouro azul evoca a possibilidade de negócios com os usos da água para finalidade de consumo”.

A Organização das Nações Unidas (ONU) passa a ser a principal voz internacional na proteção do meio ambiente quando, em 1972, promove o primeiro encontro de cúpula em Estocolmo – Suécia, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano.59 Esse evento culminou com a edição de uma Declaração Sobre o Ambiente Humano com 23 princípios internacionais que foram entronizados nas legislações nacionais no decorrer dos anos seguintes. Essa Conferência é considerada o ponto de partida do movimento ecológico, muito embora os problemas

58 Na América do Su,l dois ambientes relacionados com água doce sempre mereceram preocupação

e destaque: a Bacia do Prata e a Amazônica. Em relação à Bacia do Prata, foi assinado o Tratado a Bacia do Prata, em 1969 entre Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia, referente à navegação, utilização da água, preservação e conhecimento integral da Bacia do Prata. Em relação à Amazônica há o Tratado de Cooperação Amazônica assinado em 1978, entre Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, onde se estabelecem dispositivos referentes à navegação, preservação e utilização dos recursos hídricos.

59 A ONU é uma instituição internacional formada por 191 Estados, fundada após a 2ª Guerra Mundial

para manter a paz e a segurança no mundo, fomentar relações cordiais entre as nações, promover progresso social, melhores padrões de vida e direitos humanos. As nações são unidas em torno da Carta da ONU, um tratado internacional que enuncia os direitos e deveres dos membros da comunidade internacional (MRE, 2006).

128 ambientais tenham sido anteriores. Embora não tivesse caráter obrigatório, serviu como estímulo na proteção ambiental mundial, inspirando diversas legislações nacionais, inclusive a brasileira, realizando uma “globalização” da proteção ambiental.

Em 1977, a Conferência das Nações Unidas sobre a Água, em Mar del Plata, Argentina, acordou que todos os povos têm direito à água potável necessária para satisfazer suas necessidades essenciais. O Plano de Ação de Mar del Plata foi considerado o mais completo documento referencial sobre recursos hídricos, até a elaboração do capítulo específico sobre a água, da Agenda 21.

A segunda grande Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente, organizada pela ONU, realizou-se em Dublin, Irlanda, em janeiro de 1992, poucos meses antes da Conferência do Rio (ECO-92), de junho de 1992, que também foi preparatória para essa conferência. A Declaração de Dublin registra, de forma inovadora, um enfoque radicalmente novo sobre a avaliação, aproveitamento e gestão dos recursos hídricos, principalmente da água doce. Nela, afirma-se que esta otimização somente pode se obter mediante um compromisso político e a participação dos mais altos níveis dos governos em conjunto com a sociedade civil, com as comunidades envolvidas.

Em 1992, houve a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), da qual participaram 178 governos e foram subscritos três documentos, em que foram fixados os grandes princípios normativos do direito internacional do meio ambiente para o futuro: a Declaração do Rio de

129 Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração de Princípios sobre as Florestas e a Agenda 21, além de duas convenções-quadro (sobre Diversidade Biológica e Mudanças Climáticas).

A ECO-92 pode ser considerada um marco para a proteção dos recursos hídricos, devido aos seus grandes entendimentos, e estava-se no ápice da proteção ao meio ambiente. Em relação à ECO-92, importante lembrar que o capítulo 18 da Agenda 21, que trata dos recursos hídricos, destaca a preocupação com a preservação da água doce, a imperiosa necessidade de uma gestão conjunta dos recursos hídricos nas áreas de fronteira e faz uma recomendação fundamental: "a cooperação entre esses Estados pode ser aconselhável em conformidade com os acordos e compromissos existentes, considerando os interesses de todos os Estados envolvidos”.

A Agenda 21 é o principal documento produzido na ECO-92. Ela tem esse nome porque se refere às preocupações com o futuro das relações ser humano e meio ambiente, através do desenvolvimento sustentável a partir do século XXI. Esse documento foi assinado por 170 países, inclusive o Brasil, anfitrião da conferência. Trata-se de um roteiro de ações concretas, com metas, recursos e responsabilidades definidas. A Agenda 21 serve de guia para as ações do governo e de todas as comunidades que procuram desenvolvimento sem com isso destruir o meio ambiente. Entre os objetivos da Agenda 21, são propostos os seguintes programas em relação à água potável: integração do desenvolvimento e da administração dos recursos, taxação da água, qualidade da água, fornecimento de

130 água potável e sua proteção sanitária, a urbanização e a água, água e produção de alimentos, desenvolvimento rural, entre outros (SMA, 1997).

Sobre a Agenda 21, destaca Soares (2003, p. 67):

“Trata-se de uma lista de prioridades, às quais os Estados se comprometeram a dar execução, que será acompanhada pela Comissão para Desenvolvimento Sustentável da Ecosoc, com eventuais financiamentos provenientes do GEF. Por outro lado, não se trata de meras intenções políticas, sem nenhum efeito prático, uma vez que existe o mencionado acompanhamento por um órgão das Nações Unidas, e com possibilidades efetivas de financiamentos a ações isoladas dos Estados, ou do conjunto das relações internacionais”.

Do ponto de vista operacional, foi criado um órgão de alto nível nas Nações Unidas, a Comissão para o Desenvolvimento Sustentável (CSD), para dar continuidade ao que foi acordado na ECO-92.

Em 1994, durante o 8º Congresso da Associação Internacional de Recursos Hídricos (IWRA), no Cairo, onde a Assembléia Geral da IWRA, por resolução, criou o Conselho Mundial da Água. O Conselho Mundial da Água tem participação de diversos segmentos de mercado, é apoiado por agências das Nações Unidas e pelos governos dos países desenvolvidos. Sua criação foi efetivada em 1996, em Marselha, com apoio do governo da região e de outras instituições francesas. Em 1997, houve o I Fórum Mundial da Água, em Marrakech, no Marrocos, promovido pelo Conselho Mundial de Água e que contou com a presença de cerca de 500 participantes de 60 países, quando o Conselho foi

131 incumbido de preparar um trabalho sobre a água no mundo, vida e meio ambiente no século XXI.

Na Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1997, a água foi considerada de alta prioridade para a Comissão para o Desenvolvimento Sustentável, no biênio 97-98. Desde então, o dia 22 de março, por decisão da ONU, é considerado o “Dia Mundial da Água”.

Ainda em 1997, após mais de vinte anos de debates, a Assembléia Geral da ONU adotou a Convenção sobre o Direito relativo aos outros usos dos Cursos de Água Internacionais, que não a navegação. As regras referentes à proteção, preservação e gestão de águas internacionais estão nos artigos 20 a 28 do texto. Em seu artigo 2º, esclarece que cursos de água significam águas de superfície e águas subterrâneas, em virtude das relações físicas.

O II Fórum Mundial da Água foi realizado em 2000, em Haia, contando com mais de seis mil participantes, sendo muito importante para a tomada de consciência da sociedade mundial sobre os problemas da água. Houve, durante o Fórum, a Conferência de Ministros que produziu um documento, chamado “Declaração Ministerial de Haia”, que não tem força obrigatória.

132 “[...] prover a segurança da água no século XXI. Isso quer dizer, assegurar que sejam protegidas e melhoradas a água doce, costeira e os ecossistemas conexos, fomentados o desenvolvimento sustentável e a estabilidade política, que cada pessoa tenha acesso seguro, água suficiente a um custo aceitável para levar uma vida saudável e produtiva e que o vulnerável seja protegido dos riscos [...]”.

A Conferência das Nações Unidas sobre Água Doce foi realizada em Bonn, em 2001, em Bonn, também conhecida como Dublin+10 que, do mesmo modo que a anterior, fez recomendações que foram levadas à Rio+10. Um dos problemas que foram vistos na Rio+10 e já previsto em Bonn e que constou no Relatório da Comissão Preparatória, foi o de que o principal obstáculo para adoção das soluções propostas é a insuficiência de recursos financeiros.

Em 2002, houve a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+10), em Johanesburgo, na África do Sul, para verificar o avanço da implementação da Agenda 21 e decidir o futuro das preocupações ambientais mundiais.

Essa Conferência foi muito mais simbólica do que prática e, em sua Declaração, os Estados reafirmaram o compromisso com o desenvolvimento sustentável e construção de uma sociedade global humanitária, eqüitativa e solidária. Esperava-se a criação de metas, com prazos para cumprimentos de objetivos ambientais globais, o que foi boicotado por diversos países considerados desenvolvidos. Houve o destaque dos recursos hídricos como o recurso natural essencial para o século XXI. Os países se comprometeram com metas para 2015,

133 no que se refere ao acesso à água de qualidade para as populações e também à coleta e tratamento de esgoto.

O III Fórum Mundial da Água ocorreu no Japão, em 2003, tendo como centros Quioto, Osaka e Shiga. O entendimento para muitos foi o de que o evento foi simbólico e com forte contexto econômico. A dispersão do evento em três cidades, cujas distâncias efetivamente exigiam cerca de duas horas para os deslocamentos, foi uma das razões para que não se pudesse ter uma visão de conjunto do evento. O motivo alegado para tal dispersão seria a massa de participantes, estimada pelos organizadores do evento em cerca de 15 mil pessoas. Enfatizou-se que o fórum foi do setor de negócios, liderado pelo Conselho Mundial da Água e pela Parceria Global pela Água e que indicava a privatização como única saída para investimentos. Também se reconheceu que a água é a força que impulsiona o desenvolvimento; que é indispensável para a erradicação da pobreza e da fome; e que é indispensável para melhorar a saúde e o bem-estar da humanidade e promoção das metas de água e saneamento para todos, o que já havia sido declarado em Johanesburgo.

No ano de 2006, houve o IV Fórum Mundial da Água, no México e teve como lema "Ações locais para um Desafio Global". Cinco foram os principais temas desse Fórum: água para crescimento e desenvolvimento; instrumentação e a gestão integrada de recursos hídricos; água e saneamento para todos; água para alimentação e meio ambiente e gestão de riscos. Nesse último Fórum, apenas um detalhe foi esquecido. Se, realmente, o objetivo é de proteger os recursos hídricos e de que os participantes do Fórum não estão relacionados com o mercado, não se

134 pode entender por que o valor da taxa de inscrição para participar era de U$ 600,00 (seiscentos dólares) por pessoa. Um valor bem acessível, como se pode ver, por uma semana de discussões, para qualquer pessoa.