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Proteção transfronteiriça de recursos hídricos

5 O SISTEMA AQÜÍFERO GUARANI E O DIREITO

5.1 DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL

5.1.6 Proteção transfronteiriça de recursos hídricos

A necessidade de preservação da água doce internacional nunca foi muito destacada no direito ambiental internacional. A preocupação era com os rios, que dividiam fronteiras (contíguos a dois territórios), que se estendiam pelo território de dois ou mais Estados (sucessivos), ou seja, seus tradicionais usos de delimitar uma fronteira e de navegação. No início do século XX, é que houve a preocupação

145 com as forças hidráulicas (para produção elétrica) e o represamento de cursos d’água.

Devido a esse fato, não há um tratado global sobre a proteção de águas doces, mas sim tratados e acordos bilaterais ou multilaterais, regionais, limitados a poucos Estados que possuem interesse em determinado recurso hídrico. As normas desses acordos, geralmente, são muito específicas para aquela determinada reserva de água.

Em pleno século XX, começou a despertar a preocupação da ausência de água potável, devido ao uso tradicional de rios como receptores de resíduos urbanos e industriais e aumento do consumo pelo crescimento populacional e novas formas industriais e agrícolas. Percebeu-se que as reservas de água doce eram a única forma de abastecimento humano e animal e, em muitos casos, estava poluída.

Atualmente, essa é a grande preocupação com os recursos hídricos internacionais, ficando para trás as grandes preocupações anteriores de navegabilidade e produção de energia elétrica. Com água poluída, se navega e se produz energia, mas o ser humano acaba não tendo como saciar sua sede.

146 Há um Projeto de Convenção sobre o Direito das Utilizações dos Rios Internacionais para Fins Distintos da Navegação, na ONU, que foi apresentado pela Comissão de Direito Internacional em 1999, foi aprovado pela Assembléia Geral, e aguarda contribuições para o aperfeiçoamento de seu texto (SOARES, 2001).

Na América do Sul, dois espaços totalmente situados no subcontinente meridional americano, relacionados com água doce, mereceram preocupação e destaque por serem transfronteiriços: a Bacia do Prata e a Amazônica.

Em relação à Bacia do Prata, foi assinado o Tratado da Bacia do Prata, em 1969 (Decreto nº 81.351/78), entre Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia, referente à navegação, utilização da água, preservação e conhecimento integral da Bacia do Prata. Nesse espaço, está um complexo ambiental com os mais significativos pólos industriais e grande concentração humana, além dos aproveitamentos hidrelétricos mais importantes da América do Sul (incluindo Itaipu).

Esse Tratado instituiu normas regionais e mecanismos de gestão em comum dos recursos hídricos, criando um sistema de cooperação internacional para utilização dessa reserva de água.

Importante destacar o Tratado de Itaipu,64 assinado em 1970 entre Brasil e Paraguai (Decreto nº 72.707/73), quando se resolveram questões relativas à

64 O Tratado de Itaipu é considerado uma das maiores obras da engenharia jurídica criada pelo jurista

147 soberania e estabeleceu normas empresariais referentes à hidrelétrica de Itaipu. Apesar de ter sido realizado na época do regime militar, e pelo fato de os dois países não estarem sendo conduzidos por presidentes democratas, o tratado criou um sistema desvinculado de questões políticas relativas à soberania dos dois países, uma vez que se dedica aos aspectos empresariais de produção e distribuição de energia elétrica, cujos proveitos empresariais se revertem aos acionistas e subscritores de seu capital inicial (a Eletrobrás e a Ande), duas entidades de administração indireta, pertencendo cada uma a um país (SOARES, 2001). Interessante esse fato, pois evitou dar à Itaipu Binacional o caráter de organização internacional constituída por dois Estados.

Em relação à Bacia Amazônica, há o Tratado de Cooperação Amazônica assinado em 1978 (Decreto nº 85.050/90), entre Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, em que se estabelecem dispositivos referentes à navegação, preservação e utilização dos recursos hídricos. Esse tratado, ao contrário do da Bacia do Prata, já traz uma preocupação maior, provavelmente por ser posterior à Convenção de Estocolmo de 1972. Destaca-se a preocupação com o uso racional dos recursos hídricos, melhoria das condições sanitárias e colaboração em pesquisas. Já realça a preocupação com a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico.

Atualmente, esses espaços ambientais são considerados vitais em nível global, extrapolando o regional, por serem considerados importantíssimos como reservas de diversidade biológica e para a manutenção e estabilização da temperatura global.

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Não há normas específicas para o Sistema Aqüífero Guarani ainda. Provavelmente, após a concretização de diversos estudos em desenvolvimento sobre suas potencialidades, desenvolver-se-á algum tipo de acordo para sua exploração de forma sustentável. Os tratados assinados em nível regional podem servir de base para o desenvolvimento de um acordo sobre sua exploração.

Com a conclusão dos estudos referentes ao Guarani, podem-se desenvolver acordos internacionais bilaterais ou multilaterais, dependendo da transnacionalidade em pontos específicos. Mesmo que ele não seja totalmente interligado e transfronteiriço, sabe-se que, em certos pontos, ele possui essas características, devendo as normas internacionais e os acordos protegerem-no, devido ao fato de que somente a norma nacional não será suficiente, pois o país vizinho, se não possuir as mesmas normas, poderá poluí-lo ou superutilizá-lo causando prejuízos à população do país fronteiriço.

Apesar da pouca aplicabilidade dos tratados internacionais, pois são carecedores de eficácia, os mesmos podem ser utilizados (como foram os textos de muitas conferências) como base para a legislação hídrica nacional, além de poderem se tornar lei interna com seu acolhimento pelo Direito pátrio. As formas de arbitragem internacional, apesar de serem difíceis de ser cumpridas pelos países que se sentirem prejudicados com o laudo, são importante instrumento de

149 confirmação internacional de dano ambiental, o que pode ajudar a conseguir apoio mundial na solução do problema.