• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I O Contexto da Educação do Campo no Brasil.

1.2. Marcos políticos da Educação do Campo.

É salutar destacar aqui, que a mudança ocorrida na educação rural no Brasil nos anos 90, em que recebeu a nomenclatura de Educação do Campo, compreende não só uma nova concepção do rural, mas trouxe “uma série de prioridades e hipóteses que foram herdadas e deveriam estar no centro do nosso esforço para entender a escolarização na teoria e operacionalizá-la na prática” (GOODSON, 2001, p. 28), com o advento da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo. Também se teve ganho, no sentido da valorização socioeconômica das populações camponesas, pois compreendeu-se o campo, não mais como lugar de atraso, como era visto outrora, mas de produção nos diversos aspectos: cognitivos, econômicos, culturais e políticos. Considerando, sobretudo, as etnias dos povos camponeses, como os indígenas e quilombolas. Caldart (2008) ressalta que:

O campo não é qualquer particularidade, [...]. Diz respeito a uma boa parte da população do país […]. Não é possível pensar um projeto de país, de nação, sem pensar um projeto de campo, um lugar social para seus sujeitos concretos, para seus processos produtivos, de trabalho, de cultura, de educação. […] a antinomia estabelecida, a visão hierárquica entre campo e cidade foi produzida historicamente e sua superação faz parte de uma nova ordem social. (CALDART 2008, p. 74 -75).

A partir da década de 1990, marcos legais foram aprovados para fundamentar a educação, conforme já mencionados anteriormente, dos quais, destacam-se a (LDBEN), Lei 9394/96, o PNE, com a Lei nº 10.172, sancionada no ano de 2001. Com isso, a Educação do Campo no âmbito legal, passou a ser respaldada pelos documentos oficiais que tratam a educação para a população do meio rural. Contudo, ainda não contempla a contento as carências do campo, conforme Munarim (2008), o PNE “constitui-se numa anti-política pública de educação do Campo na medida que é unilateral e excludente [...] o pouco que o PNE propõe referente ao rural é, pois, rejeitado pelos sujeitos que compõem o Movimento de Educação do Campo, [...] porque são metas insuficientes”. (MUNARIM, 2008, p. 8-9).

Também, a promulgação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo, aprovadas pela Resolução CNE/CEB no 1, de 3 de abril de 2002, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, foi outro processo político importante que merece destaque. Uma conquista que assegurou o direito à educação diferenciada aos camponeses, essas Diretrizes representam um marco importante para a Educação do Campo, pois se trata da primeira legislação específica que contempla e reflete um conjunto de

15

preocupações conceituais e estruturais, o que por muito tempo foi reivindicado pelos movimentos sociais.

Quanto à concepção de educação, essa se expressa de forma clara no artigo 1º da LDBEN nº 9394/96, que contempla a Educação do Campo, por considerar que o processo educativo acontece em diversos espaços, com discussão a respeito da formação cidadã, para além da educação formal e define que, “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais, nas organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. (LDB - Art.1º).

Nessa perspectiva, a Educação do Campo se respalda, sobretudo, nos artigos 23º e 24º, da Lei 9394/96, que estabelece a adequação do calendário escolar em função das peculiaridades do campo, seja de natureza climática e/ou econômica, possibilitando a independência do ano letivo como garantia de “organização comunitária, entidade de classe ou outra legalmente constituída”, a todos os cidadãos com a organização do ensino em seus diversos níveis, desde que respeitem a base nacional comum e abram possibilidades de complementação com conteúdos diversificados, os quais atendam às exigências regionais e locais da sociedade.

Ainda convém destacar que de acordo com a LDBEN, art. 26, “os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”, para a preconização de uma educação básica que contemple o campo nas suas especificidades regionais e locais. Essas flexibilidades respaldam também, a proposta de Educação do Campo, na perspectiva de alternância, temática que daremos maior ênfase no capítulo seguinte.

Conforme pesquisas, existem experiências diferenciadas na organização do calendário escolar praticadas pelas Escolas Famílias Agrícolas (EFA’s) e pelas Casas Familiares Rurais que adotam outra organização curricular por meio da Pedagogia da Alternância. É oportuno destacar a importância do reconhecimento acerca da diversidade sociocultural e o direito à igualdade e à diferença, como recomenda a LDBEN no Artigo 28, em que trata da oferta da educação básica para a população rural, dos sistemas de ensino com a promoção das adaptações necessárias à adequação, à peculiaridade da vida rural de cada região, com ênfase, sobretudo, na apropriação dos conteúdos curriculares e metodologia para atender “às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; - organização escolar própria, incluindo a adequação do

16

calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; - adequação à natureza do trabalho na zona rural”.

Contudo, é possível estabelecer alguns pontos negativos nos artigos da LDBEN mencionados acima, a exemplo da falta de política pública consistente, quando se propõe uma adaptação dos conteúdos curriculares e metodologia de ensino “apropriada” para os “alunos da zona rural”, sem pontuar suas especificidades e saberes culturais. Aí ficam os questionamentos; o quê? Como? Com quê? Ou continuará se baseando no modelo de desenvolvimento urbano adaptado ao meio rural? Esses questionamentos são relevantes para a compreensão da valorização da Educação no Campo, com implementação das propostas pedagógicas coerentes que atendam de fato as carências locais.

Nessa perspectiva, DiPierro (2005), embora reconheça os avanços conquistados na implementação da nova concepção de Educação do Campo, na qual a LDBEN 9394/96, permite adaptação ao contexto do meio rural, faz uma alerta acerca da fragilidade e contradição existente nos documentos oficiais que incorporam concepções educacionais progressistas, marcadas pela descentralização por parte da Federação e pela emergência dos organismos sociais para suprir a demanda educacional das populações camponesas marginalizadas.

Portanto, diante da fragilidade da classe trabalhadora camponesa, a Educação do Campo enfrenta um desafio permanente que diz respeito à hierarquização epistemológica, produzida pela própria sociedade que a marginaliza e deslegitima seus protagonistas, para o acesso da população camponesa ao conhecimento produzido, a partir das práticas pedagógicas. Dessa forma, a Educação do Campo é de fato, um processo complexo, pois ao mesmo tempo em que se torna “terreno fértil” diante de suas potencialidades, fica submissa à busca de políticas públicas para garantir os direitos da comunidade camponesa.

17

Capítulo II - A Pedagogia da Alternância e a Inovação Pedagógica