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Maria Consoladora e Orientadora dos Discípulos

3.4 O EVANGELHO DE MARIA

3.4.1 Maria Consoladora e Orientadora dos Discípulos

Os discípulos estavam desconsolados sem saber como anunciar o Reino de Deus para os gentios; Maria Madalena os consola e os anima a confiarem nEle, que os ajudará. Aqui ela exerce o papel de orientadora e conselheira, aquela que confia plenamente no Senhor. As suas palavras e gestos acalmaram os discípulos.

Eles estavam tristes [e] choraram juntos (em comunhão) dizendo-o: em que maneira iremos até as nações [e] anunciaremos o evangelho do Reino do Filho da Humanidade? Se eles não protegeram o que está lá, em que maneira nós, eles nos protegerão?

Então Maria se levantou e saudou a eles todos [e] disse a seus irmãos: não choreis e não estais tristes nem façais dois corações. Pois a graça dele será convosco todos e vos abrigará. Antes disso abençoaremos a grandeza dele pois Ele nos preparou, Ele nos fez humanos [mesmo]. Maria falou estas coisas [e] voltou os corações deles para dentro, para o bem.158 Cap 9, 5-20.

157 KUNTZMANN, Raymond; DUBOIS, Jean-Daniel. Nag hammadi – o evangelho de Tomé. São Paulo: Ed.

Paulinas, 1990. p. 142. ROBINSON, James M. A biblioteca de nag hammadí. São Paulo: Madras, 2006. p. 442.

158 WOODRUFF. Archibald Mulford. O evangelho de Maria. Circulação Interna. Universidade Metodista de

Pedro fica perdido sem a orientação de Maria e pede para ouvi-la. E se ele e os outros a ouviam é porque ela fazia parte do grupo dos apóstolos, e exercia um papel de liderança e era respeitada entre eles.

Disse Pedro a Maria: “Irmã estamos sabendo que o Salvador te amava mais que a outras mulheres. Fala para nós as palavras do Salvador que tu fazes entender e que tu as conhecestes, [e] além disto, a nós não [são dados a entender] nem os ouvimos”.159 Cap 10, 1-4.

Maria atende a seu pedido e fala para eles o que o Senhor lhe revelou em uma visão. Ela não responde por palavras que teria ouvido, mas pela visão que teve. No mundo semita é privilegiado aquele que ouve, já no mundo grego é aquele que vê.160

Respondeu Maria e disse: “o que está escondido de vós eu informarei a vós dele. E ela começou a falar a eles estas palavras: eu amei. Disse: eu vi o Senhor numa visão. E eu disse a Ele: Cristo, eu te vi hoje numa visão. Ele respondeu e me disse: Bem-aventurada, tu, pois não move, me vê. Pois no lugar onde o Nous lá [está] , lá [está] a face”.161 Cap 10, 7- 15.

André não acredita em Maria, e afirma não acreditar nas palavras que ela disse serem do Salvador. Maria era a reveladora dos segredos contados pelo Mestre; para a mentalidade da época, não era fácil para um homem entender que uma mulher era portadora dos ensinamentos do Senhor.

159 WOODRUFF. Archibald Mulford. O evangelho de Maria. Circulação Interna. Universidade Metodista de

São Paulo, UMESP. p. 7-9.

160 LELOUP, Jean-Yves. O evangelho de Maria. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 117. FARIA, Jacir de Freitas. As

origens apócrifas do cristianismo – comentário aos evangelhos de Maria Madalena e Tomé. São Paulo:

Paulinas, 2004. p. 58.

161WOODRUFF. Archibald Mulford. O evangelho de Maria. Circulação Interna. Universidade Metodista de

Respondeu André e disse aos irmãos: “Dizei o que vós dizeis sobre a condição daquilo que ela vos falou. Eu, por minha parte, não creio que o Salvador falou estas coisas, de verdade. Pois esses ensinamentos são outros pensamentos”.162 Cap 17, 10-14

Pedro questiona a posição de Jesus por ter falado secretamente com Maria e se Jesus preferiu ela a eles. Por esse motivo Pedro é repreendido por Levi. Pedro tem uma mudança repentina, já que antes ele pede para ouvir Maria. Pedro põe em evidência o ciúme que existia entre eles pela predileção que Jesus tinha por Maria. Por outro lado, eles não aceitavam que uma mulher tivesse a primazia na comunidade.163

Respondeu Pedro e disse: [É] na maneira destas obras que ela entende??? ... Ele fez uma pergunta a respeito do Salvador: Porventura Ele falou com uma mulher à nossa revelia, não abertamente? Tornaremos, nós mesmos, e saberemos, todos nós? É atrás dela que ele a elegeu, mais que a nós?164 Cap 17, 15-22

Maria se defende de Pedro. Ela o considerava um irmão de caminhada, não um opositor.

Então Maria chorou. Disse ela a Pedro: meu irmão Pedro, então, estás pensando em que? Estais pensando que eu pensava nestas coisas, eu própria, no meu coração? Ou que eu menti sobre o Salvador?165

Cap 18, 1-5

162 WOODRUFF. Archibald Mulford. O evangelho de Maria. Circulação Interna. Universidade Metodista de

São Paulo, UMESP. p. 13.

163 CHILTON, Bruce. Maria Madalena – biografia. Lisboa: Editorial Estampa, 2006. p. 67. FARIA, Jacir de

Freitas. As origens apócrifas do cristianismo – comentário aos evangelhos de Maria Madalena e Tomé. São Paulo: Paulinas, 2004. p. 68-69.

164 WOODRUFF. Archibald Mulford. O evangelho de Maria. Circulação Interna. Universidade Metodista de

São Paulo, UMESP. p. 13.14.

165 WOODRUFF. Archibald Mulford. O evangelho de Maria. Circulação Interna. Universidade Metodista de

Levi defende Maria Madalena da agressividade de Pedro, e convida os discípulos a arrependerem-se e colocarem-se em marcha, para anunciar o Evangelho.

Respondeu Levi e disse a Pedro: Pedro, desde sempre és um filho da ira. Eu te vejo agora exercitando-te contra a mulher na maneira de esses adversários. Como! O Salvador a fez digna. Quem és tu, tu mesmo, a ficar furioso? Totalmente o Salvador a conhece com segurança. Por causa disso Ele a amou mais do que fez conosco. Envergonhar-nos-emos. Colocar-nos-emos como em o ser humano perfeito. Vamos gerá-lo para nós na maneira [em] que Ele mandou anunciaremos o Evangelho.166 Cap 18, 5-18

Percebe-se nesse conflito, apresentado no evangelho de Maria Madalena, envolvendo André e Pedro um processo de desligitimação da liderança de Maria Madalena. O fato do conflito ganhar características genéricas (Jesus falando com mulher e não com Maria Madalena) pode apontar para um conflito de dimensões mais amplas, ou seja, essa fala de André e Pedro seria um indício de um questionamento da presença de mulheres junto a Jesus. Embora o diálogo no evangelho aponte a valorização de Maria Madalena, não podemos deixar de reconhecer esse outro discurso que deveria circular no cristianismo primitivo e, em outros discursos, terminariam com a vitória de Pedro.

Segundo Faria,167 a fala de Pedro representa o cristianismo emergente que começa o processo de institucionalização. O interlocutor está sendo irônico com Maria. Ele parece reconhecer o poder de Maria pela afinidade que ela tinha com o Mestre. Pois isso possibilitava um aprofundamento dos ensinamentos de Jesus. André reage mal porque os ensinamentos do Mestre estavam sendo transmitidos por uma mulher. Essa discussão revela a mentalidade de grupos que estavam por trás. A figura de Pedro evidencia o ciúme e a disputa de poder entre o grupo dos apóstolos, por causa da predileção de Jesus por Maria

166 WOODRUFF. Archibald Mulford. O evangelho de Maria. Circulação Interna. Universidade Metodista de

São Paulo, UMESP. p. 14-15.

167 FARIA, Jacir de Freitas. As origens apócrifas do cristianismo – comentário aos evangelhos de Maria

Madalena. Não era aceitável a primazia de uma mulher na comunidade, era inadmissível que uma mulher soubesse mais do que eles. Como já afirmamos antes, existia uma disputa de liderança entre Pedro e Maria Madalena. Com a instituição da Igreja Oficial a mulher não poderá fazer parte do ministério ordenado. A primazia será do homem, como desejava Pedro.

Fazendo um paralelo do evangelho de Maria comJo 20,1-18, Jesus também aparece a Maria Madalena. Ela recebe dele a mensagem a ser transmitida aos discípulos. Nessa passagem, ao contrário do evangelho de Maria, ela não reconhece Jesus ao vê-lo mas, ao ouvi-lo. O “ouvir” da tradição judaica.

E ela começou a falar a eles estas palavras: Eu amei. Disse: Eu vi o Senhor numa visão. E eu disse a Ele: Cristo, eu te vi hoje numa visão. Ele respondeu e me disse: Bem-aventurada tu, pois não move, me vês.168 Ev de Maria Madalena 10, 9-14.

Os verbos “ver” e “escutar” aparecem na fala de Maria. Escutar faz parte da tradição judaica, “o Shemá é um programa de vida para o judeu”. Escutar é tornar viva a Presença de Deus. Maria Madalena viu. Ver para crer faz parte da tradição grega – Tomé viu para crer – em que os cristãos vão tornar-se adepto dessa tradição. Enquanto para os judeus só basta ouvir para crer. Esses dois verbos vão servir de disputas teológicas entre judeus e cristãos. Maria Madalena representa o modo de pensar grego, enquanto Pedro e alguns discípulos representam o pensamento judaico. Nesses versículos vemos uma disputa para saber quem entendeu melhor os ensinamentos de Jesus.169

168 WOODRUFF. Archibald Mulford. O evangelho de Maria. Circulação Interna. Universidade Metodista de

São Paulo, UMESP. p. 8-9.

169FARIA, Jacir de Freitas. As origens apócrifas do cristianismo – comentário aos evangelhos de Maria

Retornando à questão petrina, segundo Pasquier170, Pedro representa o pensamento tradicional do século II, no qual a aparição do Cristo ressuscitado às mulheres não concedia a elas o direito de anunciar a ressurreição, muito menos o poder de autoridade na comunidade Cristã. Pedro é um oponente, e a visão que ele tem das mulheres é contrária à de Jesus. O evangelho demonstra a luta contra a legitimidade, e Maria Madalena é o modelo de que na comunidade Cristã, a mulher pode ser autoridade.

Para Gange171, esses conflitos entre Pedro e Madalena significam o nascimento da dicotomia entre Igreja exterior, a de Pedro, que se tornará oficial e cuja mensagem será associada ao Judaísmo, e a Igreja interior, a de Maria Madalena, tendo como base a gnose que, em meados do século II, será combatida pela hierarquia da Igreja oficial. Nesses escritos, é enfatizada a importância de Maria Madalena em relação aos Evangelhos Canônicos. Essa importância atribuída a Madalena está relacionada com o reconhecimento da igualdade das mulheres nas comunidades gnósticas. O Deus dos gnósticos não era um Deus masculino como o judaico-cristão. Mas, um Deus que era invocado como Mãe e Pai divinos.172

4 MARIA MADALENA NA TRADIÇÃO POSTERIOR