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Daniel – Boa tarde! Você pedir pra você contar a sua história de vida, a sua infância, família, estudo, trabalho, casamento, filhos, o descobrimento da cardiopatia, a vinda para São Paulo e que a ACTC e Projeto Maria Maria, representam para você?

Maria No. – Para começar o meu nome é Maria No., sou mãe da J. e nasci no nordeste de Minas, em Jacinto no vale do Jequitinhonha. A minha infância foi boa, comecei a trabalhar com onze anos, de babá. Aí, com quinze anos comecei a namorar...

Daniel – Tudo muito cedo!

Maria No. – Tudo rápido, muito rápido. Com dezesseis anos, conheci o pai da J., a gente namorou um ano, mais ou menos, engravidei, tive o meu primeiro filho e aí, a gente foi morar junto. Depois de dois anos, engravidei da J., a gente morava numa fazenda, aí ele veio trabalhar no leste de Minas, Ipatinga, de vaqueiro e veio tirar férias de uma rapaz. E eu fiquei em casa, sozinha, com os meus dois meninos. Aí, a J. dava crise, dava convulsão e não sabia o que fazer. Aí, assim, toda região tem sempre um pediatra bom, só que assim, mais caro, para a população pobre, é um custo muito alto. Então, o que a gente fez... Para passar ela na pediatra, a gente teve que vender um casal de porco, que a gente tinha em casa, para pagar a primeira consulta dela, que eram trezentos reais. Aí, assim que eu cheguei no consultório, ela falou assim... De cara, eu já sei o que sua filha tem e tratamento, aqui para ela, em Minas não tem, então, tem que mandar para fora, eu vou mandar para São Paulo. Tá, aí, eu vim assim, aquela coisa, deixar menino pequeno em casa sozinho, mesmo assim, deixar ele com mãe, não é aquela coisa, não cuida igual a gente e tal. Aí, eu vim, pra cá, eu cheguei aqui foi tão estranho...

Daniel – Por quê?

Maria No. – Por que, assim, você chega no hospital o médico não dá muita chance, igual, ela já chegou bem debilitada. De cara ele já falou assim... Ela precisa de três cirurgias, uma... Eles são bem frios pra falar... Eu não garanto se ela vai sair viva e se sair não vai sobreviver. Não vai sobreviver por muito tempo, o máximo que a gente dá para ela, que ela tá muito debilitada, é uns seis meses. Nossa... Aquilo para mim foi um choque. E nisso a minha sogra estava comigo, que ela mora aqui em São Paulo. Aí, ela falou assim para mim... Já que é para morrer, deixa morrer em casa, não precisa mexer. E ela é de uma igreja, que assim, ela é contra tudo, está doente é Deus que cura e se tá com alguma doença é culpa da mãe é culpa do

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pai. Então, ela foi fazendo a minha cabeça, fazendo a minha cabeça... Até eu chegar ao ponto de querer tirar a J. do hospital. Aí, passei em psicólogo e tal... Superei, deixei fazer a cirurgia, que foi bom para ela e foi bom pra mim também. Aí, na segunda cirurgia dela, tinha o bordado aqui... Já, entrando no Maria Maria, que tinha os bordados, mas que era na outra casa e eu não me interessava muito. Aí, em 2006 eles me chamaram de novo, pra J. fazer a cirurgia, eu vim. Aí, quando eu voltei para o Cotoxó... Assim, lá você não podia fazer nada, só dentro do quarto e aí, eu vinha aqui pra a ACTC e pegava o bordado. Era assim, que ocupava mais o tempo livre que a gente tinha.

Daniel – E como você vê a ACTC, neste momento da sua vida? Maria No. – Agora, é tudo maravilha, né! Só alegria.

Daniel – Que significado você dá para a ACTC, fala um pouco dela pra mim?

Maria No. – É uma casa, que apóia a gente. Se você tiver problema em casa, vamo supor, tem a psicóloga, que você pode chegar aqui e conversar, até a Assitente Social mesmo, cê começa a conversar com ela, cê se abre, né! Para mim é muito bom e a J. gosta muito daqui, quando chega a época dela vim pra cá, ela fica todo eufórica, querendo encontrar os coleguinhas dela e tal... Para mim, a ACTC representa a minha segunda casa.

Daniel – E o Projeto Maria Maria, você falou que no começo não se interessava muito, não se interessava muito por quê?

Maria No. – Pela situação que a J. tava, as vezes, eu nem ligava pra mim mesmo, entendeu? Eu cheguei, no ponto de... Dessa segunda vez, nem foi tanto a minha sogra, foi mais o meu marido, ele não queria deixar fazer a cirurgia, não queria deixar abrir de novo. Então, assim, para mim o foco era a J. Era tanto, que quase eu fui expulsa do hospital, que eu só ficava do lado dela e tava esquecendo de fazer coisas para mim mesmo. Aí, foi quando eu comecei a vim aqui na ACTC, por que, quase eu não vinha aqui também. Aí, eu vinha, comecei a pegar bordado, via as outras mães lá também. Eu sempre, sentada do lado da J., vendo as mães bordar, e aí eu falei, porque eu também não. Peguei, comecei a bordar, foi bom, entra um dinheirinho extra.

Daniel – Bom, você falou em dinheiro extra. Então, uma pergunta bem particular, responda se sentir vontade, quanto você recebe em média pelo bordado, ao mês?

Maria No. – Oh! No mês, eu não sei te dizer, assim, tem uma semana que eu tô aqui e já ganhei, sessenta reais. Sessenta reais, em pouco tempo que eu tô aqui. Se eu for fica mês aqui e me derem muito bordado, eu pego um quantia boa, quase meio salário.

Daniel – E esses bordados, você pega, só quando está aqui ou você leva para casa, ou ainda você borda por lá?

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Maria No. – Para casa eu não levo, porque, eu não tenho tempo. Por que, assim, eu moro em fazenda, o ano passado, até que dava, mas esse ano colocaram o meu menino de manhã e a J. a tarde para estudar. Então, eu tô entre a fazenda e a rua. Rua, quer dizer, cidade... (risos). Então, tive que alugar uma casa, para deixar eles lá, estudando. Então, não dá tempo é muito corrido. Eu só bordo mesmo, quando eu tô aqui.

Daniel – E ela você tem um trabalho ou só administra a vida do lar, família? Maria No. – Lá eu trabalho, eu cozinho e limpo a casa do meu patrão. Daniel – Você enxerga o bordado como uma profissão?

Maria No. – Não, aqui para mim, é só um passa tempo, que preenche, sabe? Não, tô fazendo nada, então... Vamo bordar! Mas, também tem gente lá onde eu moro, que só véve... vive de bordado.

Daniel – E você não tem essa pretensão, de viver com o dinheiro do bordado? Maria No. –Não, porque, para mim não dá tempo. Mas, se desse, eu acho que faria. Daniel – Então, quando você está bordando, o que você sente?

Maria No. – O bom de bordar, é que é assim, cê pode escolher as cor e eu costumo falar pra J. assim... Se cê tá alegre, cê faz um bordado bem colorido. Então, é o que isso significa, aqui para mim, eu gosto de por muita cor e muita alegria. Significa alegria!

Daniel – Tem alguma coisa que você queira falar, você foi bem breve ao contar a sua história de vida, tem algo que não foi dito? Tenho certeza, que você viveu um monte de coisas! Maria No. – Ah, vivi! Mas, da minha infância e dos meus pais, eu não quero nem falar, nem comentar, porque, não foi muito feliz. Tem muitas partes da J., que eu preferi pular, que foi muito infeliz.

Daniel – Mas, infeliz porque foi muito difícil?

Maria No. – Aí, eu prefiro não ficar relembrando, eu relembrei outro dia, sozinha e aí eu chorei tanto. Aí, eu prefiro, não tá remexendo. As vezes, até em casa, eu paro para pensar assim, e nossa... Não me faz muito bem!

Daniel – Então, tudo bem!

Maria No. – Tá até me dando um nó na garganta, seu danado! (risos)

Daniel – Eu queria agradecer e me desculpar, por causar este mal estar. Mas, muito obrigado! Maria No. – Magina, obrigado Daniel!

Relato 07 – Educadora Sc.

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