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CAPÍTULO 1 – Memórias e História Oral: Caminhos da pesquisa

1.4 As Histórias dessas Mulheres no movimento estudantil

1.4.2 Mariana

Eu cresci em associação de bairro, meus pais faziam parte da associação de bairro [e] o bairro tinha uma praça principal chamada Primeiro de Maio, com uma história muito forte de movimentos sociais. A primeira rua que eu morei ela não tinha

asfalto, não tinha luz, não tinha escola perto... Atravessava a linha do trem pra ir pra escola, não tinha passarela, passava pela linha do trem mesmo, o trem estava parado [e] você tinha que passar por debaixo do trem pra ir pra escola porque no bairro mesmo não tinha, tinha uns riozinhos, era bem perigoso! Com esses movimentos articulados de associação de moradores do qual meus pais faziam parte eu era criança e ia junto com eles, de ir à prefeitura, na câmara municipal, na época falava principalmente com o Mário Covas, depois a Erundina, de a Erundina ir lá, lembro muito a presença do Mário Covas e da Luiza Erundina. De vir o asfalto, eu lembro quando chegou o asfalto, as tubulações pra arrumar os esgotos que eram todos a céu aberto, e quando veio a principal conquista, quando veio o hospital, um hospital que ficou com sua construção parada, acho que as obras daquele hospital ficaram paradas uns oito anos.

As associações daquele período, década de 1980 [e] um pouquinho da década de 1990, mas principalmente 1980, são de muita mulher. O movimento de associação de bairro das chamadas Comunidades Eclesiásticas de Base e das pastorais de rua, principalmente uma mulherada, mulheres assim de bater de frente com qualquer cara, não tem dessa “porque sou mulher”, não, elas eram muito pró-ativas, acho que por tudo isso foi construindo minha percepção.

Eu acho que a memória mais forte do período da década de1990, olha, seria a segunda metade da década de 90 o relato que tenho para fazer, entrei na Universidade de São Paulo no ano de 1996. Quando eu entrei na Universidade de São Paulo o primeiro contato que eu tive com o movimento estudantil foi no DCE (Diretório Central dos Estudantes), eu cheguei como pleiteante de bolsa moradia. Eu e outros amigos, naquele primeiro ano, morávamos no município de São Paulo, nossa faixa de renda se enquadrava no perfil para residência estudantil, isso era o que me fazia querer a moradia estudantil.

Eu morava no extremo na zona leste de São Paulo e levava três horas pra chegar em São Paulo, o caminho era de um ponto a outro, do extremo da zona leste, e a USP no extremo da zona oeste, totalizando três horas em conduções, num ônibus do Itaim Paulista até o Brás, que levava coisa de uma hora e, pouco depois, do Brás e mais um trecho de trem, na época não tinham as conexões melhoradas, razoavelmente melhoradas que tem hoje na cidade e, para chegar, mais um outro ônibus até a universidade, no campus, ao final com tudo isso eu contava três horas quando não tinha nenhum imprevisto. Mas por conta de morarmos dentro do município de São

Paulo eu não consegui [a moradia estudantil] e outros colegas também não, moravam na periferia e tinham um perfil socioeconômico de baixa renda também não conseguiram pelo mesmo critério. Eu integrei um grupo daqueles que não conseguiram vaga, principalmente por um critério de renda. Nós sabíamos de outros colegas nossos que moravam em outros municípios ou cidades do interior, outros lugares e haviam conseguido a moradia da universidade e nós sabíamos também, inclusive, que eles recebiam mesada e isso causou uma revolta, uma grande indignação! Fizemos uma ocupação do térreo, foi uma ocupação de um bloco recém-reformado e com isso o térreo ele estava com uns beliches, mas ainda não tinha sido disponibilizado, participei desse movimento de ocupação em meu primeiro ano na universidade.

Com esse primeiro ano vindo desse movimento de ocupação entramos numa lista de espera e fomos morar como hóspede, e no ano seguinte com a mesma documentação, no segundo ano na universidade e com o relato que nós participamos, nos submetemos a morar no alojamento coletivo, não é por outro motivo e sim o principal motivo é por uma questão de necessidade, e isso fez com que a gente se aproximasse das pessoas que organizavam esses movimentos relacionados ao acesso estudantil, não só o acesso ao curso, pois já havíamos passado no vestibular, mas a permanência, uma vez lá dentro como se manter na universidade?

No segundo ano eu prestei um concurso, não era exatamente um concurso, era um processo seletivo para trabalhar como funcionária da universidade, como uma técnica de laboratório, como temos aqui os TAs, eu prestei e passei, fiz a graduação à noite e trabalhando CLT como funcionária da USP. Eu combinei essas duas atividades, como aluna participando sempre das atividades do Centro Acadêmico, um período em que o curso de geografia do qual eu fazia parte era muito articulado com o curso de geografia de outras universidades em São Paulo e tinha uma articulação forte regional. Os eventos regionais, os eventos nacionais, os conselhos eles eram muito ativos, e com o presente período os eventos realizados em universidades federais encontravam-se em situação lastimável, muito difícil.

A minha outra participação foi no sindicato, no caso o SINTUSP, que era o sindicato dos trabalhadores. Nesse período da década de 1990 tanto as universidades estaduais e, principalmente, as federais passavam por uma situação muito difícil juntamente com o sindicato, o SINTUSP. E, terminando a década de 1990, foi um crescente de greves, tanto dos TAs [como] dos professores e dos estudantes por conta de um sucateamento generalizado das universidades públicas.

Fazíamos eventos principalmente nas universidades federais para dar visibilidade aos problemas estruturais. A principal experiência que ficou foi essa, quando tínhamos os eventos nacionais, estaduais [e] a estratégia era de realizar os eventos nas instituições onde o curso de geografia era atendido pelas universidades federais, de forma a fortalecer e tentar alguma discussão e dar visibilidade àquelas situações de muita precariedade com o risco de fechamento do curso. Isso é uma memória bem forte que eu tenho desse período, mesmo a universidade sendo estadual as dificuldades existiam também em termos de direitos estudantis como moradia, alimentação, as bolsas...

Meu relato vem também da experiência como funcionária. A pauta dos técnico- administrativos era importante, por exemplo, quando eu prestei o concurso eu prestei como um cargo não de nível superior porque eu não era formada, eu era estudante, mas eu tinha bastante aptidão para o trabalho com os mapas, [porque] antes da minha entrada para a universidade tinha uma irmã que era arquiteta e algumas coisas aprendi com ela antes de ir pra universidade, tinha umas noções gerais, gostava muito de desenhar e tal, mas não havia um plano de carreira, tanto que quando eu me formei eu saí do laboratório, então tinham alguns colegas com salário de segundo grau e tendo se formado não havia atualização salarial para um graduado, e já estavam lá há bastante tempo naquela situação. Essa situação foi regularizada pelo movimento dos trabalhadores uns dois, três anos, já saindo da década de 1990, no começo dos anos 2000. A situação ela foi regularizada por reivindicação contínua do próprio sindicato, que era bem atuante.

Existiram algumas greves muito grandes nesse período da década de 1990, articuladas, inclusive, com a escola, a rede pública de educação do Estado era bastante forte. A gente fazia como se fazia as concentrações na própria universidade e nos sindicatos, tanto do SINTUSP, dos trabalhadores, como da ADUSP, que era a associação dos docentes, e mais os estudantes, esses se organizavam e iam até a Avenida Paulista, isso era sempre muito presente, o trajeto pegava um pouquinho também da estação Clínicas, porque é USP, um prédio da saúde pública. Essas manifestações aconteciam um pouco ali, era a Avenida Dr. Arnaldo emendando com a Paulista. Essas manifestações eram muito intensas, muito frequentes... Não terminei o curso no tempo de quatro anos, aliás, ninguém da minha turma terminou porque foram muitas greves, foram sucessivas greves e tudo aquilo instaurava dentro do departamento uma atmosfera de muita movimentação política porque as principais

plenárias aconteciam justamente nos anfiteatros de história e geografia, que são dentro da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas).

A FFLCH, historicamente, tem uma importância política muito grande no contexto da Universidade de São Paulo e isso tudo gerava uma consciência de participação, consciência mesmo da articulação entre questões gerais, questões extramuros e dentro dos muros da universidade, então esse contato e essa experiência foram marcantes.

Pelo movimento estudantil, resumidamente para o movimento estudantil, essa questão principalmente da articulação entre os estudantes da geografia e encontros nacionais e regionais, com pautas vinculadas a política educacional, outro fato importante na década de 1990, lembrando das mudanças dos parâmetros curriculares que aconteceram nesse período também, reduziram a carga horária que ajustaram a entrada das universidades privadas aos montes nesse processo, esse período é neoliberal, bem, o período de Fernando Henrique Cardoso; e com tudo isso vieram as receitas para a redução da carga horária dos cursos, aqueles formatos dos cursos de três anos. Depois disso começam a aparecer as graduações de três anos, tudo menos, se fazia mestrado era em três anos, hoje se faz em dois anos, hoje se fala em um ano, então sempre menos, sempre mais números e menos tempo de trabalho.

Agora, em relação à militância, a militância junto com o partido, historicamente também os professores, os estudantes, sempre muito vinculados aos partidos políticos de esquerda. Estar na FFLCH, estar na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na geografia e na história, quem tinha essa consciência política encontrava novos pares, muitos pares, nossos interlocutores em termos de enfrentamento.

O movimento estudantil ele tinha alguns fóruns que estavam bem ligados ao movimento estudantil e relacionados ao próprio curso de geografia, claro que nas demandas maiores apresentava-se enquanto um movimento dos estudantes de geografia.

Eu gostava muito de participar, participava da área de comunicação, gostava por questões de identificar e entender que era importante a parte da comunicação, tanto que depois, no último ano da faculdade e no primeiro do mestrado, no ano seguinte eu entrei no mestrado e eu integrei a diretoria da AGB, a Associação dos Geógrafos Brasileiros, foi a primeira gestão que incorporou os estudantes de geografia, que até então eram somente os formados que integravam as chapas, eu estava no último ano.

Integraram comigo a Paula Maria e a Ilana, a Paula Maria uma professora muito atuante e [que] continua em São Paulo, ela é professora do Ensino Médio e fez mestrado, não me lembro se ela seguiu fazendo doutorado, ela fez o mestrado também na área de educação e a Tamara, tinha a Tamara! E a Renata terminou o doutorado e faz dez anos que ela está na Federal do Mato Grosso, ela sempre muito envolvida com as questões, ela trabalha com a parte de mapear movimentos sociais no agrário, a tese dela foi com cartografia social, interessante, e é bem militante na Universidade Federal do Mato Grosso; e a Tamara, hoje também professora lá em Santos, só para citar alguns nomes que eu lembro de mulheres que, terminando o curso e continuando o mestrado, integraram essa chapa que foi de 2000 a 2002, de dois anos, e também ali eu participei da parte da comunicação que chamava Informe AGB, um jornal trimestral que todos os associados recebiam em casa e era uma forma de atuação, pequenos artigos, pautas reivindicatórias da categoria, os geógrafos, o bacharel ele tem CREA, só que o acento dele no CREA, a força dele no CREA é nada, na sigla não tem o G. É essa recordação que tenho de atuação no movimento estudantil e em outros movimentos.