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6 EFEITOS DAS POLÍTICAS DE ACCOUNTABILITY NAS ESCOLAS DE

6.2 MARKETING ACCOUNTABILITY

A implementação de dispositivos de accountability tem trazido à tona tensões a respeito da escola democrática versus a escola meritocrática. Fenômeno este percebido, notadamente, nas últimas décadas, tanto nas esferas internacionais, como nas nacionais e locais.

Nesse lume, as avaliações em larga escala ganham destaque, assim como o apareci- mento de rankings, que passam a ser concebidos e entendidos como tradutores de qualidade educacional.

Sob os alvores de uma nova gestão pública, emergiram igualmente dispositivos de regulação da qualidade das escolas públicas, designadamente o programa de avaliação externa das escolas, adquirindo (também aqui) centralidade a dimensão dos resultados académicos. Assim, entre a sociedade civil e o mercado, que pressionaram o apareci- mento dos rankings sustentados pela comunicação social (BAROUTSIS, 2016), e o Estado (que pôs em marcha dispositivos centralizados de suposta avaliação da eficácia e da eficiência do sistema), foram-se tecendo mecanismos de prestação de contas não alheios à comparação inevitável com o nascente mercado educacional liderado pelas escolas de ensino particular e cooperativo (TORRES; PALHAES; AFONSO, 2018, p. 3)

Um dos efeitos da implementação de dispositivos de accountability, especialmente as- sentados no pilar da prestação de contas, está voltado para a necessidade de prestar contas e esclarecimentos a sociedade civil, dados os resultados educacionais alcançados.

Podemos agora falar da ressignificação de outra forma de accountability (que embora usual em organizações de outra natureza, começa a difundir-se em escolas públicas), que propomos designar de marketing accountability, isto é, um modelo de accounta- bility que, na sequência de práticas seletivas de avaliação, amplia a divulgação social dos melhores resultados académicos, com o objetivo de promover a imagem pública da escola e, assim, aumentar a procura de novas matrículas de alunos e a manutenção dos lugares nos rankings institucionais (TORRES; PALHAES; AFONSO, 2018, p. 3).

O marketing accountability compõe uma importante estratégia, sob a ótica dos reforma- dores empresariais, para atrair os melhores alunos para as escolas, ou seja, uma ação com vistas a garantir a permanência de bons indicadores educacionais. Para as escolas com baixos escores, opera com vistas a despertar o sentimento de incompletude, de culpa e da necessidade de me- lhoria da imagem social da instituição.

Os resultados dos indicadores educacionais têm composto o que Torres, Palhares e Afonso (2018), denominam de imagem social da escola, pois nessa lógica neoliberal e merito- crática esses são os insumos mais importantes na escolha de uma instituição educacional.

O marketing accountability:

Trata-se, portanto, de algo mais do que uma simples estratégia de propaganda ou pu- blicidade educativa (educational marketing), porque serve objetivamente para prestar contas (answerability) do trabalho da escola, com consequências concretas em termos organizacionais, bem como repercussões na definição de percursos pessoais e acadé- micos (TORRES; PALHAES; AFONSO, 2018, p. 3).

Significa dizer que, na visão desses autores, além de utilizar os indicadores educacionais como forma de propaganda e/ou publicidade, o marketing accountability serve como forma de prestação de contas à sociedade civil e para atrair bons docentes e alunos.

No âmbito da Ciência Política, autores têm denominado esse fenômeno de prestação de contas e publicitação de indicadores atrelados à escolha de escolas, de Teoria da Confiança. “Teorias da confiança, segundo Laurent se dividem em três grandes categorias: a primeira te- matiza a confiança ‘particular entre dois atores em relação’, a segunda a ‘confiança generali- zada’, enquanto que uma abordagem teórica intermediária procura apreender a «confiança po- lítica» das instituições” (MAROY, 2013, p. 327).

Nesse estudo, foca-se na confiança mediada por instituições sociais, visto que se acre- dita que os dispositivos de accountability buscam fazer com que as instituições funcionem bem e prestem contas ao cidadão. Nessa via, “é preciso que ‘assegurem aos cidadãos garantias, in- citando-os a recorrer às instituições para a realização do bem público. Essas garantias não são somente as leis, mas também aquelas fornecidas pela ‘publicidade’ das instituições’” (QUÉRÉ, 2005, p. 204)

No âmbito dos reformadores empresariais da educação, dispositivos de confiança são necessários para fortalecer a relação entre os consumidores, assim como para fazer com que estes escolham um serviço em detrimento de outro. Maroy (2013), em seus estudos, aponta a existência de dispositivos de confiança atrelados ao julgamento pessoal, ou seja, quando os pais se informam por meio de sua rede de relações acerca da qualidade de uma escola, e impessoais quando a escolha está atrelada à publicização de indicadores, logo, aos resultados de rankings advindos, principalmente, da mídia.

De forma geral, seria como dizer que quanto melhores forem os números de uma insti- tuição, mais digna de confiança esta é. Assim, as estratégias de marketing accountability ser- viriam ao aumento da confiança pelos consumidores acerca da qualidade dos serviços presta- dos.

Dados advindos da pesquisa empírica também evidenciam a presença de marketing ac- countability no estado de Pernambuco, ou alguma forma de prestação de contas e maior confi- abilidade em relação às escolas com melhores resultados. Dos 19 professores entrevistados, 14 sinalizaram a presença de elementos de prestação de contas, o que corresponde a uma porcen- tagem de 73,7%.

Para o professor E1P2G “a escola que cumpriu todas as metas estabelecidas e ganhou o bônus, ela vira uma escola de referência, aí se fizer a propaganda atrai os alunos. Ela feita, assim existe uma divulgação interna pela Secretaria de Educação e acaba caindo no ouvido dos pais, acontece essa divulgação”.

É de consenso entre os entrevistados que, apesar de os pais ainda não terem muito co- nhecimento sobre as políticas de avaliação e o IDEPE, quando os resultados das escolas apare- cem na mídia, as que ficam mais em evidência são as mais procuradas.

Quando a escola sai na mídia, ela fica em evidência. Então essa mesma, a nossa escola ela é bem procurada, reflete, um ponto positivo. Vê-bem reflete mesmo e a comuni- dade, a gente escuta isso dos pais, escuta e comprova, entendeu. A gente recebe dos pais, é até a gente fica meio sem jeito assim, até elogios, mas assim é uma coisa que a gente faz por onde, mas falta muita coisa pra gente poder realmente dizer que tudo é perfeito (E1P3LP).

Sim, esses elementos são importantes quando a comunidade vai avaliar e saber qual escola vi colocar os seus filhos. São elementos que estão ali na mídia e que refletem de certa forma, quando você não tem o conhecimento mais apurado sobre a prática da escola, eles vão se tornar referência pra essas famílias sim (E4P2FIL).

A respeito desse assunto, outro professor menciona que “a localidade aqui é muito boa. A escola é muito visada pelos bons indicadores” (E1P5M). Cabe destacar, ainda, que ficou evidente na fala dos entrevistados que quando os pais se deparam com crises financeiras e ne- cessitam retirar seus filhos das escolas particulares, esses escolhem as escolas estaduais pelos bons resultados educacionais.

As políticas de prestação de contas são destinadas principalmente para reduzir a in- certeza e opacidade clientes/gestores para promover o bom funcionamento do mercado, ou seja, a escola sob a perspectiva da organização produtiva, sem a cons- trução de uma nova e sólida confiança política na instituição de ensino. Em vez disso, consideram os pais como os usuários da escola, sem serem cidadãos, porque eles veem os administradores da escola como meros "gerentes" que

dificilmente partilham valores com os profissionais que têm de gerir os novos dis- positivos de confiança, de prestação de contas, pois no fundo, há um pressuposto de cada um desses atores ocupam lugares estratégicos e oportunistas (MAROY, 2013, p. 336).

Faz-se relevante mencionar que uma das estratégias de marketing accountability pre- sentes no estado de Pernambuco é a realização de uma cerimônia de premiação às escolas esta- duais com bom desempenho no IDEPE, ou seja, de agraciar as escolas destaque.

Outra estratégia encontrada é a promoção, desde 2015, do Seminário de Boas Práticas do Pacto pela Educação de Pernambuco, “que tem como objetivo integrar os gestores de escola e a equipe técnica das Gerências Regionais de Educação (GRE) e proporcionar a troca de ex- periências exitosas sobre gestão educacional” (PERNAMBUCO, 2018, p. 22).

Além dessas, pode-se destacar o marketing que faz com que as práticas educacionais implementadas nesse estado sejam reconhecidas em nível nacional e internacional. O secretário executivo de Planejamento e Coordenação, Severino Andrade, destaca que: “A educação do Estado conseguiu melhorar indicadores não somente relacionados à atividade educacional, como também projetou Pernambuco como um ente federativo eficiente, que faz bom aprovei- tamento dos seus recursos” (PERNAMBUCO, 2018, p. 17).

Alguns entrevistados apontam a necessidade de se repensar: a quem os resultados desses indicadores estão de fato servindo? Salientam que, em muitos casos, as estratégias de publici- zação servem aos próprios professores, em função da complexidade dos cálculos adotados no estado e do consequente não entendimento por parte dos pais. Apesar de comporem apenas 14,3% das respostas, essas evidências são importantíssimas, pois nos permitem refletir que o marketing accountability, muitas vezes, serve ao público interno das escolas.

Pra sociedade não, é mais pra prestar contas pra gente que está dentro da escola. Eu ainda acho que eles não são muito divulgados assim , por exemplo entre as famílias, em redes sociais, só quando o colégio vai bem é divulgado, quando acontece o con- trário não, muitas vezes eles são omitidos, nós gestão, professores, quem trabalha na escola têm acesso a esses dados, agora eu acho que ainda falta divulgar para os alunos e para os familiares também (E3P1LP.

Acerca desse assunto, Torres, Palhares e Afonso (2018) destacam que é comum encon- trar estratégias de marketing institucional adicional, ou seja, além das iniciativas externas, no caso de Pernambuco, estaduais, as escolas também têm encontrado meios de divulgação de seus indicadores educacionais.

Uma estratégia que pode ser observada nas escolas estaduais de Pernambuco é o painel de gestão afixado em local público, conforme a imagem que segue.

FIGURA 6 - PAINEL DE GESTÃO DAS ESCOLAS ESTADUAIS DE PERNAMBUCO

FONTE: a autora.

No painel de gestão, estão disponíveis as informações a respeito da dinâmica de organi- zação e do funcionamento da escola, além dos resultados dos indicadores educacionais. Um dos aspectos que merece destaque é a posição que a escola ocupa no ranking do IDEPE.

Algumas críticas são direcionadas a essas práticas, especialmente, quando traduzem a perda da cooperação e afetam negativamente a motivação dos professores. Para Furtado:

Quando a escola apresenta baixo desempenho, nenhum membro da mesma tem orgu- lho ou gostaria de estar em uma escola considerada como uma das mais fracas do município ou do estado, fato que decorre principalmente da divulgação pública dos resultados, como por exemplo, a polêmica divulgação do IDEB nas portas das escolas (FURTADO, 2015, p. 90).

É importante questionar a lógica posta por via da publicização de indicadores, visto que esta opera no sentido fazer com que os profissionais que atuam nas escolas com piores desem- penhos, sintam-se envergonhados com a divulgação dos seus resultados e se esforcem para que,

no ano seguinte se obtenha e logre melhores locais nos rankings estaduais. Aqui opera o prin- cípio da culpabilização docente.

Em contrapartida, alguns professores no estado salientam a satisfação e a motivação por trabalhar em uma escola com bons resultados. Segundo uma das professoras de Língua Portuguesa entrevistada, “Eu acredito que nós nos sentimos um pouco mais estimulados a tra- balhar, por exemplo, quando atingimos melhores resultados, nós vamos ter maior força de von- tade para prosseguir com o trabalho que está sendo realizado. Então, eu acho que é um estímulo pra gente continuar progredindo e fazer a escola crescer cada vez mais” (E3P1LP).

A prestação de contas é um pilar extremamente importante, principalmente em uma so- ciedade democrática. No entanto, sempre é importante ter em mente, no caso da educação, os interesses dessa prática, especialmente, no que tange aos indicadores educacionais e sua publi- cização.

De modo geral, o marketing advindo da divulgação dos escores educacionais pode oca- sionar o aumento de práticas competitivas e meritocráticas na educação.