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Marvin Harris é outro autor que fez parte do Projeto Colúmbia University/Estado da Bahia, se estabeleceu em Rio das Contas, tradicional região de exploração mineral e escolheu para operar o contraste com a cidade de Livramento de Brumado. Em Harris, também se consegue perceber, segundo GUIMARÃES (1999c, p.80),

uma leitura que nega a existência do preconceito racial em favor do preconceito de classe. Isso pode ser visualizado quando ele aceita apenas as categorias nativas de pertença identitária, negando, portanto, a existência de raça no Brasil e quando ele refaz a explicação por que as classes e não as raças eram no Brasil as categorias mais importantes da dominação política e social. Sua teoria é de que tanto fatores demográficos, quanto econômicos – a pequena migração européia e a necessidade de prover postos intermediários na produção e na administração do país através da promoção social de mulatos e negros – obrigaram as elites a definir seus privilégios a partir de uma linha de classe, abandonando a linha de cor. Ademais, argumentou que as ausências de regras claras de pertença grupal impediram, daí em diante, o desenvolvimento de grupos raciais. Veja como Harris reitera seus argumentos em “Padrões raciais na América” (1967).

“A identidade racial no Brasil não é governada por uma regra rígida de descendência. Uma criança brasileira nunca é automaticamente identificada com o tipo racial de uma ou de ambos os progenitores, nem o seu tipo racial precisa ser escolhido entre apenas duas alternativas. Mas de uma dúzia de categorias raciais podem ser reconhecidas de conformidade com a côr do cabelo, sua contextura, côr dos olhos e côr da pele que na realidade ocorra. Esses tipos se entrosam gradualmente, como as côres do espectro da luz, e nenhuma categoria está isolada de modo significativo das demais. HARRIS (1967,p.89-90).

GUMARÃES (1999c, p.83), afirma que mesmo recusando os argumentos de Freyre, partilha os seus valores e as suas conclusões práticas, pois não faz sentido falar em discriminação num país onde (a): há uma regra clara de pertença a grupos raciais ou de cor e (b) as diferenças de status e de classes são suficientes para manter a dominação. Posição que fica bem clara no trecho abaixo.

“No que se refere ao comportamento real, as ‘raças’ não existem para os brasileiros. Mas as classes existem tanto para o observador quanto para os brasileiros. Este é o primeiro fato a ser assimilado se a curiosidade nos aguça quanto à razão pela qual a identidade racial em si mesma é coisa sutil e de pouca monta no Brasil,

enquanto que, no Estados Unidos, é para milhões de pessoas um passaporte para o inferno”. HARRIS (1967,p.100-101).

Para Harris (1967, 95-97) o preconceito racial no Brasil não é acompanhado pela segregação e discriminações raciais sistemáticas. Argumenta que a discriminação racial por si só é sutil e equívoca, que a discriminação de classes, porém, produz impedimentos e desigualdades de qualidades persistentes, contundentes e penetrantes.

“Nessas condições o problema da discriminação racial está longe de ser vital. Os brancos da classe inferior e os negros da mesma classe são igualmente segregados e ‘discriminados’, talvez uns poucos mais que outros; mas onde as privações são comuns são tão generalizados, onde a mobilidade para cima da escala social é tão restrita, todos os sintomas familiares de discriminação racial tendem a serem abafados pelas diferenças entre as classes”. HARRIS (1967 p.100).

Para o autor ainda é possível neste país mudar de categoria a despeito da cor da pele sem ter que se afastar da família, dos amigos e sem ter que mudar de residência. Segundo ele isso se faz conseguindo êxito financeiro ou educação de nível superior”. HARRRIS (1967,p.93).

Para GUIMARÃES (1996b, p.150-151)), ele segue rigorosamente a formulação de que as únicas raças existentes seriam sociais, haja vista que ele sustenta a tese de que a discriminação existente no Brasil é a de classe e não a de raça . O autor esclarece que para se entender essa leitura de Harris é preciso lembrar preliminarmente que Harris se coloca contra duas teses clássicas que procuraram anteriormente explicar o teor não conflitivo das relações raciais no Brasil e o teor gradualista de sua classificação racial. A primeira é de que tal especificidade seria devido à colonização portuguesa e a segunda a de que fosse devido ao tipo de regime escravista que se desenvolveu no Brasil.

Ademais, GUIMARÃES esclarece que.

“Para Harris, portanto, as diferenças de situações raciais deviam-se a diferentes padrões culturais desenvolvidos nas Américas a partir de processos históricos complexos, envolvendo uma multiplicidade de determinantes e de condicionamentos de ordem econômica, demográfica, política, social e propriamente cultural. No que respeita às diferentes formas de classificação racial resultante do contato entre europeus e africanos na América, haveria três grandes tipos de classificação; (1) aquele prevalecente no Caribe dos anos cinqüenta, onde se formou uma camada intermediária de mestiços entre brancos e negros; (2) o sistema bipolar norte-americano que segundo Harris deve-se a uma regra de traçar a descendência que ele chamou de hipodescendência; e, finalmente, (3) o sistema brasileiro, que se caracteriza pela ausência de regras de descendência”. GUIMARÃES (1996b, p.151).

Em síntese, a discriminação de classe mostrou-se historicamente suficiente para manter os privilégios sociais e raciais dos dominantes sem que esses precisassem apelar diretamente para uma estratégia étnico–racial. Isso é o que nos mostra GUIMARÃES (1996b, p.151) concluindo que em Harris a construção social da raça teria se limitado, portanto, a um gradiente valorativo branco-preto onde o branco polariza os valores positivos, restando ao negro os valores negativos. Tal construção racial seria, portanto, capaz de gerar e alimentar preconceitos raciais, mas incapaz de sustentar discriminações raciais sistemáticas pela simples ausência de regras objetivas de pertinência grupal e de descendência racial.