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Outro autor que realizou pesquisa no projeto UNESCO é Charles Wagley que para MAIO (1997a) mostrava interesse em contrastar o caso brasileiro em

matéria étnica com os Estados Unidos e acreditava que a análise dos intercursos étnicos no Brasil oferecia a oportunidade de observar mais nitidamente os problemas econômicos e sociais por quais passava o país. Na verdade o antropólogo estava convencido de que os elementos histórico-sociais que contribuíram para a formação de uma cultura singular, acrescida das mazelas nacionais levavam a questão racial a assumir papel extremamente secundário.

Segundo o autor, no prefácio de Race and Class in Rural Brazil, Wagley apresenta de modo sintético sua visão sobre o Brasil e a diversidade regional, cultural e étnica nele existente. Estabelece comparações com a experiência norte americana, destaca a importância das relações entre raça e classe em detrimento de classificações que privilegiam caracteres genotípicos ou fenotípicos. Por fim, indica a importância dos estudos dos intercursos étnicos no Brasil rural.

Para MAIO (1997, p.249), Wagley reitera a máxima de que a sociedade brasileira viveria sob a égide de uma democracia racial. Os efeitos do preconceito e de discriminação no Brasil seriam reduzidos em comparação com a experiência de outros países. O autor se baseia no argumento freyreano sobre as relações que envolviam violência e confraternização no âmbito da interação entre as três raças no período colonial.

Aliás, para GUIMARÃES (2002, p.36), a expressão democracia racial foi introduzida por Wagley na literatura sobre relações raciais e esta expressão se tornaria não apenas célebre, mas a síntese do pensamento de toda uma época e de toda uma geração de cientistas sociais.

De acordo com MAIO (1997a), Wagley foi influenciado pelo enfoque de Donald Pierson porque a sociedade brasileira não havia desenvolvido um sistema de castas propiciando, desse modo, a garantia da mobilidade social de pardos e negros com reduzida taxa de tensões sociais.

Para o autor, Wagley consegue registrar a diferença existente entre a imprecisa classificação racial elaborada pelos recenseadores do IBGE e a ampla variedade de categorias nativas, contudo, argumenta que as diferenças raciais nem a existência de estereótipos resultam em comportamentos, ou melhor, em medidas discriminatórias.

Para MAIO (1997, p. 258-259), ele trabalha com categoria “raça social” que partia da pressuposição de que as desvantagens vividas pelos negros eram motivadas entre outras causas, pelos preconceitos e estereótipos que as pesquisas realizadas na Bahia registravam de modo recorrente, não impediam a mobilidade vertical, embora seletiva. Para GUIMARÃES (1999b, p.151), esta idéia se traduzia na noção de que “haveria uma tendência dos negros e mulatos em ascensão social a se transformarem em

socialmente brancos, já que a “cor” significa mais que simples pigmentação”. Em síntese,

“O antropólogo não considerava válida a visão de que a industrialização associada à elevação do nível educacional, geram necessariamente competição e tensão na esfera das relações raciais como aconteceria nos países desenvolvidos. Isso não impede que Wagley aposte no processo de mudança social. Contudo, caberia o desafio da manutenção, e novos tempos, de determinados padrões culturais ditados pela tradição, que resultou num quadro de relações sociais e pessoais julgado como extremamente positivo”.MAIO (1997 p.259).

É importante reter que Wagley faz parte daquele grupo que contesta a suposta inferioridade dos negros brasileiros e que era atestada a partir de justificativas de viés biologizante.

“Ainda outros extremistas apegam-se aos argumentos raciais. Êsses ‘racistas tropicais’ alegam que os climas tropicais só podem ser habitados pelas raças de pigmentação escura, isto é, os negros, os mongóis ou misturas destas raças com os caucásios. Essa raça, ou misturas destas raças mais escuras, dizem eles, são inferiores aos brancos europeus, razão porque as regiões tropicais estão condenadas a um nível mais baixo de desenvolvimento cultural. (1957, p.24).

Por outro lado, o autor reconhece que a população negra está concentrada nas classes mais baixas da sociedade, fato que ele também reconhece na comunidade amazônica que investigou.

“A regra empírica, geral para o Brasil –. ‘Quanto mais clara a pele, mais alta a classe; quanto mais escura, mais baixa a classe’ – pode- se dizer que foi feita para Ita. Ali a maioria de primeira classe, quanto ao aspecto físico, ou é européia ou mestiça, com grande predominância de ascendência européia. A maioria dos grupos das classes mais baixas (a segunda classe das cidades, os lavradores e seringueiros) são quanto à aparência física, mestiços com ancestrais predominantemente índios ou negros, ou são do tipo físico aparentemente de índio ou negro”. WAGLEY (1957 p.188).

A despeito de perceber as desigualdades raciais ele atribui essa questão à falta de industrialização e à educação.

“Em Ita onde os efeitos de educação e da industrialização em massa ainda se fazem sentir, as características físicas de índios e negros ainda são um subsolo de baixa posição social e de descendência escrava. A aparência física européia é um símbolo de descendência dos senhores de escravos e aristocratas”. WAGLEY (1957 p.189).

No entanto, quando caracteriza o Brasil o autor acaba por não reconhecer as desigualdades raciais evidentes nas colocações dos negros na estrutura social e reitera a idéia de democracia racial:

“O Brasil é conhecido através do mundo pela sua democracia racial. O preconceito e a discriminação raciais são relativamente moderados em todo país, em relação ao que existe nos Estados Unidos, no Sul da África e na maior parte da Europa. Isto não quer dizer que não exista nenhum preconceito de raça ou que as características físicas não sejam símbolos de posição social e, portanto, barreiras ou estímulos à mobilidade social. Quer dizer, porém, que as relações de raça são essencialmente pacíficas e harmoniosas. Entretanto, as atitudes para com os diversos grupos raciais e as relações entre esses grupos raciais na sociedade amazônica refletem os diferentes aspectos da história da Amazônia e da sociedade regional”. WAGLEY (1957 p.185).

Outro elemento que o autor busca para validar a idéia de democracia racial é analisar os casamentos inter-raciais, o que para ele é um sinal inequívoco em de que pouco a segregação existente em Itá baseia-se mais na classe social do que na raça, seja ela definida física ou socialmente”. Segundo ele.

“Esses casamentos entre pessoas do mesmo tipo físico ou entre pessoas de côr de pele mais ou menos aproximada, não são determinadas por qualquer restrição aos casamentos inter-raciais. Decorrem do fato de que, em Ita, as pessoas geralmente preferem casar dentro da mesma camada social, têm geralmente o mesmo tipo físico, o casamento dentro da própria camada social determina uniões entre pessoas de tipo físico mais ou menos semelhante”. WAGLEY (1957 p.194).

Em se tratando dos estereótipos a que os negros estão sujeitos o autor consegue identificar alguns contra os negros, entre os quais o de que ele seria conservador, espirituoso, astuto e dotado de extraordinária potência sexual, porém o autor tem uma posição otimista em relação a isto.

“Em Ita os conceitos firmados sobre o negro, apresentam-no sob um aspecto favorável. Sem dúvida revelam a inferioridade do negro diante do branco, mas atribuem-lhe muitas qualidades que são altamente apreciadas pela sociedade de Ita”. WAGLEY (1957 p.199).

Em Race in class in rural Brazil” (1951) o autor já sinaliza com a idéia de que o Brasil tem um padrão distinto de relações raciais.

“Brazil is renswned in the for its racial democracy. Throughout its enormous are a half continent race prejudice and discrimination are subdued as compared to the situation in the countries. In Brazil three racial stocks – the Americam Indiam, the Negro and the Europeam Caucasoide- have mengled and mixed to form a society in which social tensions and conflicts are specially mild, despite

the great racial variability of the population”. WAGLEY (1952, p.7).

O autor expressava sua crença de que no Brasil tenha se desenvolvido uma sociedade racialmente democrática e com reduzidas tensões sociais. Para ele “ today, it

may be said the Brazil has no ‘ race problem’ in the same sense that exists many others parts of the Word; people of three racid stocks, aid mixtires of all varities of these stocks, live in what are essentially peaceful relations. All of them are Brazilians proud of their immense nation an sharing in its numerous problems and potentialities. WAGLEY

(1952,p.7)