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9. Mas é o que é interatividade, afinal?

Falamos repetidamente em interatividade e bidirecionalidade, sem, no entanto, especificar se existe diferença ou não entre esses termos, e, em caso afirmativo, para quais sutilezas de interpretação devemos atentar para que nossa reflexão se complete.

No capítulo anterior mencionamos exemplos registrados por Primo (2003) – e, de uma certa maneira vivenciados por nós seja como autores ou navegadores na internet. Sabemos, pois, que a World Wide Web (WWW)62 e o surgimento do primeiro browser68 foi uma revolução para a rede. É a partir dela que podemos, de fato, começar a contar a internet como uma mídia, já que um trouxe a possibilidade de navegação hipertextual e o outro estabeleceu um padrão de interface gráfica.

A página de internet é utilizada como exemplo por Silva (1998) numa tentativa de “depurar” o conceito de interatividade. Ele faz uma comparação com uma suposta interatividade na televisão tradicional, falando do zapping de canais novamente. Segundo o autor:

“O que há é retroatividade [entre a TV e o telespectador] (escolha entra as opções que lhe são dadas) e não intervenção na programação da TV. Aqui o receptor continua separado da emissão e, como tal, ele não é ‘teleintra-atuante’. E, pode-se dizer, entre uma homepage

67

Tim Berners-Lee, 1990.

68O Mosaic, criado também na década de 90, por Marc Andresseen, cuja empresa virou,

e um ‘navegador’, o que há é interatividade. A homepage não se define como emissão, pelo menos na acepção clássica desse termo. Ela é ambiente de interpenetração, de atuação, intervenção nos acontecimentos, fusão anexionismo na base do ‘e…e…e…’ hipertextual. A mensagem no contexto da interatividade não se reduz à emissão. Ela é espaço tridimensional de atuação daquele que não pode mais ser visto como receptor.” (SILVA, 1998)

O hipertexto das páginas de web traz à baila a “indústria da interatividade”, quando a palavra foi usada para adjetivar tantos produtos, especialmente os ligados à tecnologia que teria virado “marketing de si mesm[a]” (op. cit.). Esse alerta também é feito por Primo, que chega a citar autores da área de marketing, expondo sua compreensão limitada a respeito do tema.

Voltando a Silva, o autor parte do conceito de interação, que teria vindo da física, relativo a alterações no movimento de partículas após colidirem com outras em sua rota, sendo depois incorporado pela sociologia e psicologia social, para apenas depois ser trazido para a informática. “Um dado que permite essa estratificação é a ausência do termo nos dicionários de informática até meados dos anos 80” (op. cit.).

O pesquisador cita Kerckhove para destacar uma das características que acha necessárias para qualificar uma situação de interativa ou não, a fusão sujeito-objeto, ou, no que acreditamos mais correto para estabelecer uma comparação nessa dissertação, obra. Ele compara situações como uma sessão de cinema, a leitura de um livro e um videogame:

• na primeira, a fronteira entre um e outro é muito grande, pois a recepção é separada da emissão;

• no segundo e no terceiro casos, ele diz que a fusão se aproxima muito mais, já que mesmo sem recursos de não-linearidade, a

indefinição de fronteiras entre a mente e o texto num livro seria quase impossível. Para ele, num videogame, “a indefinição de fronteiras entre o usuário e a obra é evidente”, pois “Os estímulos sensoriais (tato, visão e audição) vindos de nossa interioridade fundem-se com as disposições interativas, hipertextuais do equipamento que nos é exterior” (op. cit.).

Cremos, entretanto, que essa classificação não vence uma análise mais cuidadosa de uma sessão cinematográfica. Discordamos da falta de interatividade da sessão de cinema. Apoiamos nossa ressalta em Morin (In: XAVIER, I. :1983, p. 153), para quem a imagem cinematográfica detém um poder afetivo, o que, aliado a uma situação de “ausência ou atrofiamento da participação motriz”, faz com que o espectador se projete para dentro do filme, existindo, assim, algum nível de troca, de ação, o que poderia ser entendido como um determinado grau de interatividade. São sutilezas como essa alguns dos elementos que complicam a definição desse conceito.

Além da fusão sujeito-objeto, Silva ainda destaca o que chama de ação dialógica – aqui o termo não está ligado à noção de complexidade de Morin – ou bidirecionalidade, referindo-se já a tecnologias de rede, principalmente, mas lembrando que a arte moderna foi uma das primeiras a procurar atingir essas qualidades.

Tabela 5 Interatividade

a) fusão sujeito-objeto b) ação dialógica Adaptado do trabalho de Silva (1998)

Se a explicação de Silva não pareceu complexa o suficiente para abarcar os meandros de uma conceituação de interatividade, André Lemos procura fazer uma gradação de níveis de interação e, curiosamente, também usa a televisão como exemplo, dessa vez partindo de sua evolução tecnológica. Ele sugere cinco níveis de interação:

Tabela 6: níveis de interação conforme Lemos Nível 0

A televisão tem pouquíssimos canais e apenas transmite imagens em preto e branco.

O telespectador pode ligá-la, desligá-la e mexer em regulagens de contraste e volume.

Nível 1 Cores, controle remoto e maior número de emissoras de televisão. O telespectador passa a zappear.

Nível 2 Ao aparelho receptor são acoplados devices como videocassete (possibilidade de sair da grade de horário) e videogame (possibilidade de jogar).

Nível 3 Programas pedem a participação do telespectador (geralmente por telefone)

Nível 4 Televisão interativa, com conteúdo on demand Adaptado de LEMOS (1997)

Curiosamente, Lemos destaca apenas a possibilidade de acessar conteúdos conforme demanda em seu maior nível de interatividade na televisão. O pesquisador, nome de peso nos estudos sobre cibercultura, conclui nesse artigo que a interação se situa em três níveis:

• o técnico analógico-mecânico; • o técnico eletrônico-digital; e

Nota-se, até pela relevância dada aos critérios técnicos nessa classificação, o viés um tanto tecnicista de sua análise. Para ele, a “interatividade digital” é uma “relação tecno-social”, que envolveria uma conversa entre homens e máquinas em tempo real.

Nossa observação está de acordo com alertas feitos por Primo. Em um artigo de 1999, o professor cita a definição de Steuer (1993) sobre o tema: “ a extensão em que os usuários podem participar modificando a forma e o conteúdo do ambiente mediado em tempo real”, lembrando que essa, como várias definições, dá bastante peso para a estrutura tecnológico da suporte da interação, em especial a relação homem-computador. Steuer apresenta três fatores que contribuiriam para que algo seja interativo.

Tabela 7: fatores que contribuiriam para que algo seja interativo 1. velocidade A taxa com que um input pode ser assimilado

pelo ambiente mediado

O grau mais alto a se atingir seria o de instantaneidade (interação em tempo real).

2. amplitude (range) Refere-se ao número de possibilidades de ação