• Nenhum resultado encontrado

Por estar imerso no contexto de pandemia mundial e isolamento social, com grande parte dos estudantes e monitores sem sair de casa por vários meses, os temas do curso visaram discussões de práticas e atividades desenvolvidas durante a quarentena e que objetivassem entretenimento. Desta forma, optou-se por construir uma sequência didática ampla que tratasse, em sequências didáticas menores (cada unidade e aula do curso), de ações de lazer para serem feitas dentro de casa, mas que envolvessem materiais sobre práticas, programas e situações comuns ao ambiente brasileiro. Antes de nos determos nas unidades desenvolvidas e, especificamente, na quarta unidade, que foi o conjunto de materiais mais profundamente modificado ao longo do curso, faz-se preciso recuperar o que entendemos como sequência didática e em qual abordagem, ou seja, “conjunto de crenças, pressupostos teóricos, ideias, valores, conhecimentos de mundo, de língua e de sala de aula” (ROZENFELD; VIANA, 2019, p. 4), inserimos nossa prática docente e qual delas nos permite delinear as ações didático-pedagógicas necessárias ao desenvolvimento e à escolha de materiais.

13 No ambiente virtual, também foram incluídos os coordenadores responsáveis pelo PLE no IL, uma estagiária da disciplina de graduação

“Ensino de Português para Estrangeiros – Contextos e Práticas” ofertada no Departamento de Letras da UFSCar, e os dois monitores de PLE dos cursos Básico para falantes de espanhol, Básico para falantes de outras línguas e Intermediário para falantes de outras línguas (a monitora do PLE Avançado também foi monitora da turma de Intermediário para falantes de espanhol). Além disso, a monitora do curso foi incluída na sala como aluna utilizando outro e-mail para testar o envio e a aparência de atividades.

77

Doltz, Noverraz e Schnewly (2004, p. 95) explicam que “uma ‘sequência didática’ é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”. Considerando sua conceitualização, tentamos preparar materiais e atividades que auxiliassem os estudantes a dominar os gêneros textuais mais utilizados no contexto acadêmico e que lhes permitissem melhorar sua performance em situações de comunicação reais – na escolha e desenvolvimento de atividades foi necessário levar em consideração também que, por variados motivos, diversos alunos tinham contato com a língua portuguesa (neste caso, na variação brasileira) apenas durante as aulas de PLE. No caso dos estudantes do PLE Avançado, por já conhecerem as práticas de linguagem, as sequências didáticas desenvolvidas ao longo do curso visaram ao aperfeiçoamento de sua autonomia nas práticas de linguagem consideradas mais difíceis de se dominar – o que também é um dos objetivos das sequências:

As sequências visam o aperfeiçoamento das práticas de escrita e de produção oral e estão principalmente centradas na aquisição de procedimentos e de práticas. Ao mesmo tempo em que constituem um lugar de intersecção entre atividades de expressão e de estruturação, as sequências não podem assumir a totalidade do trabalho necessário para levar os alunos a um melhor domínio da língua e devem apoiar-se em certos conhecimentos, construídos em outros momentos. Ambas as abordagens são, portanto, complementares. (DOLZ; NOVERRAZ;

SCHNEUWLY, 2004, p. 98).

Para o desenvolvimento de sequências didáticas, há, sem dúvida, uma série de concepções subjacentes. A concepção que embasa as escolhas de material e organização do PLE Avançado é a de construção dentro de um processo espiralado (CRISTOVÃO, 2009). Optou-se então por construir situações de aprendizagem nas quais o conhecimento novo é edificado ao transformar e expandir o que já existe de conhecimento prévio dos alunos. As produções das atividades propostas partem do que os estudantes conseguem desenvolver e trabalham com aspectos que podem ser aprendidos para sua melhoria. Para a construção de atividades, o primeiro passo foi a seleção de materiais que tenham sido veiculados em jornais, revistas ou outros meios de comunicação nacionais, ou seja, levou-se em consideração a noção de uso de materiais textuais autênticos, que podem servir como referência dos gêneros textuais trabalhados, pois,

Textos de circulação social podem revelar traços característicos que devem ser respeitados para a adequação da produção à situação de comunicação em foco. Um exemplo que pode ser retomado é a escrita de artigo de opinião com a finalidade de disseminar a opinião de alguém sobre algo polêmico anteriormente noticiado. A função é essencial para orientar a exploração de aspectos discursivos e linguísticos de forma contextualizada. No caso do artigo de opinião,

78

o professor empreende atividades voltadas para a expressão de posição sobre uma questão sustentada por argumentação.

Outro fundamento básico é a indissociabilidade entre compreensão e produção, por exemplo, leitura e escrita. A leitura provê informações e, possivelmente, referências de escrita. Portanto, além de conteúdo que pode ser fomento para a construção de novos textos, as referências consultadas podem ilustrar modelos para as produções originais. (CRISTOVÃO, 2009, p. 3).

A preparação das aulas, desde sua escolha de materiais e temas, considerou também a proposta de Rozenfeld e Viana (2019) para uma construção fásica – com seleção de conteúdo antes das aulas e trabalho com os alunos em três fases (preparação do insumo e introdução do que será trabalhado; uso do material selecionado; uso da língua-alvo em situações significativas de comunicação) –, como mostrado na Figura 2.

Figura 2. Organização fásica da aula

Fonte: Rozenfeld e Viana (2019, p. 16)

A figura de organização fásica proposta por Rozenfeld e Viana (2019) traz uma representação da aula com os elementos que influenciam sua constituição, desenvolvimento e encerramento. A seleção de material feita para o PLE Avançado tentou possibilitar uma variedade de conteúdos e fontes para que o curso pudesse tratar de aspectos culturais, explicitando a língua como dinâmica e negociável nos diversos cenários de comunicação, sem perder de vista o entendimento de que o aluno é um agente do processo de aprendizagem. Tudo isto considerando também o contexto do curso.

79

Rozenfeld e Viana (2019, p. 17-18) apontam que o professor define seus procedimentos de ensino e objetivos a partir de sua abordagem de ensino, “de suas condições de ensino e da reflexão sobre o conhecimento-em-ação e reflexão-na-ação (reflexões sobre outras aulas)".

Assim, as sequências didáticas do curso tiveram como objetivo proporcionar discussões sobre o uso da língua portuguesa de variante brasileira em gêneros textuais específicos dentro de um trabalho integrado de ações de linguagem (leitura, produção escrita, produção oral) e conhecimentos diversos que contemplassem atividades e suportes variados. De natureza comunicativa, as atividades foram pensadas para que integrassem compreensão e produção oral e escrita, incluindo práticas de uso da língua portuguesa que ocorrem no cotidiano no Brasil, mas sem deixar de estarem circunscritas ao eixo temático do curso. “O objetivo é promover o ensino e aprendizagem por meio da construção de um discurso histórico e (politicamente) crítico. Dentro desta perspectiva, inserem-se as propostas de ensino temático, projetual e interdisciplinar.” (VIEIRA-ABRAHÃO, 2015, p. 29).

As unidades do curso encadearam temas que levaram a discussões de práticas sociais e reflexão de usos de língua e foram organizadas da seguinte forma: o PLE Avançado iniciou com uma discussão sobre os aplicativos que os estudantes usavam diariamente, pois, o celular é uma presença constante em suas vidas e os aplicativos tinham como objetivo organizar horários, instruir sequências de exercícios físicos, emitir lembretes para tomar água, movimentar o corpo ou descansar. Esta discussão continuou na unidade seguinte, que tratou das bolhas sociais em que cada estudante estava inserido (e como o uso de certos aplicativos era característico de suas bolhas). A discussão sobre as bolhas, que também direcionam os conteúdos que chegam aos alunos e, consequentemente, são consumidos e compartilhados, levou à conversa sobre o que cada aluno assistia em suas televisões e monitores de computador ou notebook. A partir das discussões feitas na terceira unidade, a quarta e última unidade (ver Figura 2 adiante), material utilizado na análise deste texto, se debruçou em programas televisivos brasileiros que eram conhecidos por eles – e que foram, muitas vezes, a porta de entrada dos alunos na cultura brasileira.