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O método de análise utilizado consistiu basicamente na extração de frequências fundamentais das gravações e comparação dos dados obtidos com temperamentos existentes como referências. Esse método foi realizado através do uso combinado de dois softwares: Tarsos e Temperament. Este método permitiu analisar a execução de peças musicais inteiras. O material musical analisado foi retirado em parte de gravações comerciais e em parte do youtube33. Para uma lista completa das performances obtidas no youtube, vide quadro 1. A respeito das performances obtidas em fonogramas, vide “referências”.

Cada um dos arquivos de áudio foi analisado através do programa Tarsos. Este programa foi desenvolvido por Six e Cornelis, na University College Guent, na Bélgica. O programa foi originalmente concebido para ser utilizado em análises etnomusicológicas, e é descrito como “uma plataforma modular para extrair e analisar

alturas e organização de escalas na música” (SIX; CORNELIS, 2011, p. 169). O

programa “analisa o áudio em blocos de 10 milissegundos, e para cada bloco estima uma frequência fundamental” (SIX; CORNELIS, 2011, p. 170), classificando-os em uma escala com resolução de 1200 cents por oitava.

O programa Tarsos permite dentro de sua interface que diversos algoritmos de detecção de alturas sejam escolhidos. Optamos pelo algoritmo Yin, desenvolvido por Cheveigné e Kawahara (2002).

33 O Youtube foi escolhido como uma fonte por conter uma grande variedade de gravações. Apesar do

áudio dos arquivos disponíveis no Youtube passarem por uma compressão, esta não afeta a análise do algoritmo de rastreamento de fundamental.

O uso de algoritmos para a detecção de alturas em análises de sinais de áudio é uma ferramenta confiável, no entanto, tem algumas limitações. O algoritmo Yin, por exemplo, parte do pressuposto de que há somente uma voz sendo executada. Por essa razão, uma análise de um trecho com mais de uma voz não seria acurada.

Para o propósito desta análise essa limitação não foi um problema. O intuito do estudo foi justamente verificar as tendências de entoação em um contexto melódico e desacompanhado, e averiguar se essas performances seguiam algum padrão observável ou alguma tendência em direção a algum temperamento. Uma vez definidos estes parâmetros, as sonatas e partitas para instrumentos solo de J. S. Bach se mostraram como amostras ideais para a análise pretendida, por consistirem em peças monofônicas, apesar de terem claros contextos harmônicos e até polifonias implícitas. Outra vantagem da escolha desse repertório a ser analisado é a grande disponibilidade de vídeos e gravações de músicos de reconhecido renome no meio musical. Foram, portanto, utilizadas para este estudo de caso a Allemande e a Sarabande da Partita para flauta solo, em lá menor, BWV 1013.

Para cada uma das performances, o programa Tarsos gerou dados referentes às frequências fundamentais executadas. A análise utilizada aqui é, portanto, referente a frequências absolutas com desvios calculados em cents, dentro do contexto de graus da escala ou cromas em uma dada tonalidade, comparadas primeiramente a partir de um desvio do temperamento igual. Esta análise não leva em conta os intervalos executados, mas sim a média de frequências absolutas tocadas ao longo de toda a peça, para cada grau da escala; para cada uma dessas médias é calculado um desvio em cents a partir do temperamento igual.

A figura 2.1 apresenta um exemplo de histograma de classes de altura (pitch-

classes) obtido através do Tarsos está na figura 2.1. Nela o eixo y apresenta o número

de anotações (cada janela gerou um dado de frequência, sendo que cada janela é referente a 10 milissegundos) e o eixo x as frequências, distribuídas em doze classes de altura ou cromas34. Os valores são apresentados em comparação com o temperamento igual, calculado a partir de um Lá 440Hz.

34 A sensação de altura é bidimensional (SHEPARD, 1964), sendo os dois aspectos: croma, aspecto

cíclico, representado pelas 12 notas musicais, e posição, exponencial. Dois sons separados por uma oitava, por exemplo, têm o mesmo croma, mas posições diferentes.

Figura 2.1 – Histograma de classes de altura. O eixo y apresenta o número de anotações e o eixo x as frequências, distribuídas em doze classes de altura ou cromas. Os valores são apresentados em comparação com o temperamento igual, calculado a partir de um Lá 440Hz. Caso as notas tocadas estivessem exatamente em concordância com o temperamento igual, elas se situariam da seguinte forma: Dó: 0.00/1.20, Dó#: 0.10, Ré: 0.20, Ré#: 0.30, Mi: 0.40, Fá: 0.50, Fá#: 0.60, Sol: 0.70, Sol#: 0.80, Lá: 0.90, Lá#: 1.00 e Si: 1.10.

É possível observar na figura 2.1 ao menos 5 registros de oitava (dó3-si7), o que indica erros de detecção de posição por parte do algoritmo de rastreamento (só são executadas 3 oitavas nesta peça). Como o histograma é construído enquanto a peça é tocada, foi possível observar, através de uma audição atenta guiada pela partitura, de que erros de croma não ocorreram.

Esses erros de detecção de posição não afetam este estudo de caso, pela sua natureza: aqui são feitas comparações com temperamentos, que são alturas interpoladas no âmbito de uma oitava, como é ilustrado na figura 2.1. Esta característica analítica é, no entanto, uma limitação quando tentamos realizar uma análise como a que será descrita nos Capítulos 4 e 5 desta Tese.

O vibrato utilizado pelos músicos, embora seja um elemento que tem influência na entoação, não afeta os resultados obtidos pelo Tarsos, uma vez que estes são médias atribuídas às janelas de 10 milissegundos. Portanto, caso o músico esteja utilizando vibrato em uma determinada nota, a média calculada ficará dentro do escopo da nota

executada, e o programa atribui um valor médio para as frequências da nota, que estarão variando continuamente.

Com os valores obtidos a partir do Tarsos foram calculados os desvios para cada execução analisada, tomando-se o Lá como referência. Assim, o Lá recebeu sempre o desvio 0, e os outros desvios foram calculados a partir dessa nota. Os desvios de cada

performance são mostrados nas tabelas 1 e 2. As tabelas mostram a média de desvio em

cents das várias aparições de cada grau da escala ao longo da peça inteira, para a gravação de cada intérprete. A nota Lá é a nota que foi tomada como referência (1º grau, sempre com desvio 0), por ser a tônica dos dois movimentos da peça e também por ser a nota geralmente utilizada como referencial de afinação (diapasão). Desta forma, a partir deste ponto da análise não faz mais diferença se a afinação utilizada pelo intérprete se aproxima de Lá=440hz ou 415Hz.

Os dados das tabelas 1 e 2 foram comparados com temperamentos. Para esse cálculo, a ferramenta utilizada foi o Temperament. Temperament é um programa desenvolvido por Simon Caplette, na Universidade de New South Wales, Austrália, e permite calcular e comparar diferentes temperamentos, através de desvios em cents. Para aferi-lo, comparamos os valores do programa para cada temperamento com os temperamentos descritos em Arakawa (1999) e Hall (1991), e ele se mostrou perfeitamente compatível com esses autores.

Os dois programas utilizados nesta pesquisa são gratuitos e foram obtidos na internet através de sites ligados aos seus desenvolvedores.