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3 SELECIONANDO O TECIDO DA CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO

3.1 PROCESSOS DE (RE)CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO GEOMÉTRICO

3.2.1 Materiais manipulativos e o ensino de geometria

A utilização de materiais manipulativos 19 no ensino de matemática é uma

recomendação antiga. Comenius, no século XXVII, sugere que “o ensino deveria dar- se do concreto ao abstrato” (LORENZATO, 2006, p.3), pois, segundo o autor, o conhecimento começa pelos sentidos e só se aprende fazendo. Durante o Movimento da Matemática Moderna, ocorrido em meados do século XX, o ensino de geometria

tornou-se estático e mecânico e os materiais manipulativos deixaram de ser utilizados. No entanto, nas últimas décadas, vários estudos apontam a importância da utilização de materiais manipulativos para a visualização e o desenvolvimento de conceitos e propriedades dos conteúdos matemáticos.

A importância dos materiais manipulativos tem sido discutida juntamente com a preocupação sobre as contribuições desses materiais no ensino-aprendizagem da matemática, pois alguns professores acreditam que utilizar esses materiais causa dependência e dificulta a abstração de conceitos matemáticos. Ainda existe outro grupo de professores que não utiliza nenhum material didático por causa do custo ou ainda alega que possuem pouco conhecimento sobre como utilizá-los em sala de aula (KALLEF, 2008). Neste mesmo sentido, Vale e Barbosa (2014, p.5) indicam que “existem ainda poucas evidências de que os professores utilizem materiais manipuláveis de forma efetiva, contextualizada e continuada com os seus alunos nas aulas de matemática”. Elas apontam que

[...] as instituições de formação têm um papel importante a desempenhar na formação de professores, quer inicial quer continuada, que deve estar de acordo com as mais recentes recomendações da investigação, em particular, sobre a utilização destes poderosos recursos que são os materiais manipuláveis (VALE; BARBOSA, 2014, p.5-6).

Precisamos compreender diferenciações sobre esses materiais. Segundo Vale (2002), materiais didáticos são todos os recursos a que se recorre durante o processo de ensino e aprendizagem. Nessa perspectiva, considera-se material didático o livro didático, a calculadora, o computador e os materiais manipulativos. Essa autora corrobora as ideias de Serrazina (1991, apud VALE, 2002), que define materiais manipulativos como objetos ou instrumentos que ajudam o aluno a descobrir, entender ou consolidar conceitos fundamentais nas diversas fases de aprendizagem. Vale (2002) ainda argumenta que é comum confundir material didático com material manipulativo, porém ela acrescenta que a diferença principal entre esses materiais é que o material manipulativo deve ser tocado ou manipulado pelo aluno.

A autora divide os materiais manipulativos em três tipos: materiais concretos, materiais pictoriais e materiais simbólicos. São considerados materiais concretos aqueles em que os alunos possuem contato direto com eles e que permitem a representação de uma ideia matemática por meio de objetos tridimensionais.

Considera-se materiais pictoriais as observações de apresentações audiovisuais e demonstrações do professor e as representações de materiais concretos por meio de desenhos ou imagens, e normalmente são utilizadas em livros didáticos. Os materiais simbólicos propiciam a representação de uma ideia matemática por meio dos numerais e sinais que são universais e permitem a leitura, a escrita e o entendimento de uma operação ou relação matemática. Vale (2002) relaciona os tipos de materiais manipulativos da seguinte maneira:

Figura 4 – Três tipos de materiais didáticos.

Fonte: VALE, 2002, p.7.

Essa autora divide os materiais concretos em materiais comuns e materiais educacionais. Os materiais comuns são objetos reais que têm aplicação no cotidiano e os materiais educacionais são aqueles construídos especificamente para fins educativos, como, por exemplo: geoplano, material dourado, discos de fração, algeplan etc. Nesse sentido, Vale (2002) define os materiais manipulativos como:

Os materiais manipulativos são materiais concretos, de uso comum ou educacional, que permitem que durante uma situação de aprendizagem apelem para os vários sentidos dos alunos devendo ser manipulados e que se caracterizam pelo envolvimento activo dos alunos p.e. ábaco, geoplano, folhas de papel (VALE, 2002, p.8).

No entanto, Reys (1982, apud VALE, 2002) afirma que nem todos os materiais concretos são manipulativos, por exemplo, os livros didáticos são considerados materiais concretos, mas não são manipulativos no sentido dado. A utilização de materiais manipulativos nas aulas de matemática para auxiliar a compreensão de conceitos abstratos é recomendada por Lorenzato (2006, p.22) ao afirmar que:

[...] os conceitos evoluem com o processo de abstração e esta ocorre pela separação mental das propriedades inerentes a objetos [...]. Esse processo começa com o apoio dos nossos sentidos e, assim, ele é aparentemente paradoxal, porque para se chegar ao abstrato [considerado, como o

isolamento de alguma propriedade sensorialmente acessível do objeto], é preciso se partir do concreto.

Ao fazer uso de um material manipulável não há garantias de um aprendizado que tenha significado para o aluno, pois outros fatores influenciam esse processo, como o conteúdo envolvido, os objetivos a alcançar, a metodologia utilizada e principalmente o papel do professor. Afinal, cabe a ele escolher o material e decidir como será utilizado. Além disso, a mediação no desenvolvimento da aula também é guiada pelo professor, logo ele necessita conhecer bem o material e saber quais são suas limitações. E ainda deve propor atividades específicas para que a manipulação do material auxilie na construção do conceito.

A seleção de bons materiais manipulativos inclui um processo reflexivo por parte do professor sobre como trabalhá-los e como conduzir o processo para não ficar apenas na manipulação do material.

Com base no entendimento do que seja material manipulável, selecionamos para ser utilizado no curso o geoplano, gráficos e bordados em ponto cruz, moldes vazados e a malha quadriculada. Desses materiais, o geoplano e a malha quadriculada são materiais educacionais e os gráficos e bordados em ponto cruz e os moldes vazados são materiais comuns. Esses materiais foram utilizados em outros momentos e possibilitou perceber o potencial apresentado por cada um no ensino de transformações geométricas. Trazer essa proposta para um curso de formação com professores é importante, primeiro, para divulgar esses materiais, visto que muitos professores afirmam que não utilizam materiais manipulativos por falta de conhecimento (KALEFF, 2008) e, segundo, porque além de conhecê-lo é necessário visualizar maneiras de abordar o material em sala de aula.