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Materiais orgânicos para a eletrônica: de isolantes a condutores elétricos

1. INTRODUÇÃO 31 Materiais orgânicos para a eletrônica: de isolantes a condutores elétricos

1.1. Materiais orgânicos para a eletrônica: de isolantes a condutores elétricos

Materiais orgânicos que possuem potencial aplicação em produtos eletrônicos são pequenas moléculas (e.g. oligômeros) ou polímeros cuja estrutura é composta principalmente de carbono. O elemento carbono possui 6 elétrons com distribuição em camadas 1s2 2s2 2p2, ou seja, apresenta

quatro elétrons na última camada e eletronegatividade mediana (tendência a partilhar elétrons e não capturar ou ceder, i.e. ligar-se covalentemente). A hibridização sp2 é característica dos

semicondutores orgânicos. Este estado é representado na Figura 1.1.a para a molécula de etileno (ou eteno). Nesta molécula, cada átomo de carbono se encontra hibridizado desta maneira: realiza ligações σ no plano definido pelos átomos de carbono e hidrogênio com elétrons fortemente localizados entre os núcleos dos átomos; porém efetua também ligações π fora do plano e de caráter altamente deslocalizado.

Figura 1.1 – (a) Hibridização sp2 do carbono na molécula de etileno. Materiais orgânicos podem ser divididos em

pequenas moléculas (e.g. (b) pentaceno, (c) fulereno) e polímeros (e.g. monômeros de (d) trans-, (e) cis-poliacetileno).

Fonte: Cavallari (2014)

As moléculas π-conjugadas são caracterizadas pela alternância entre ligações simples e duplas, sendo que alguns exemplos podem ser vistos na Figura 1.1.b–e. As ligações realizadas através da sobreposição dos orbitais atômicos pz (i.e. fora do plano) criam orbitais moleculares

ligantes (π) e anti-ligantes (π*) [1]. Os elétrons do orbital ligante possuem menor energia e, por este motivo, o orbital é conhecido como HOMO (do inglês, Highest Occupied Molecular Orbital). Dado que as ligações π são tipicamente mais fracas, estes elétrons são facilmente excitáveis ao nível superior, ficando assim livres para se mover ao longo da molécula, desfrutando da

sobreposição dos orbitais pz com os átomos vizinhos (deslocalização dos orbitais π). Este nível

energético superior é conhecido como LUMO (do inglês Lowest Unoccupied Molecular Orbital). Quando a diferença energética entre os níveis HOMO e LUMO é muito maior que a energia térmica (kBT, onde kB é a constante de Boltzmann e T a temperatura), há a aparição da faixa proibida (i.e.

bandgap). Neste caso, é possível comparar o HOMO à banda de valência e o LUMO à de condução de um semicondutor ou isolante.

Polímeros conjugados apresentam condutividades elétricas que tanto podem ser típicas de isolantes como de supercondutores, de acordo com modificações químicas ou natureza e grau de dopagem, oferecendo ainda vantagens por serem leves, flexíveis e resistentes à corrosão. Estes materiais utilizados na Eletrônica Orgânica (EO) diferem dos convencionais por possuírem estrutura eletrônica deslocalizada que pode acomodar portadores de carga como elétrons e lacunas. A idéia de utilizar polímeros pelas suas propriedades condutoras de eletricidade só apareceu em 1977 com as descobertas de Shirakawa et al. [2], em que trans-poliacetileno (ver Figura 1.1.e) dopado com iodo exibiu condutividade de 103 S/cm. Esta descoberta levou Heeger, McDiarmid e

Shirakawa a ganharem o prêmio Nobel de Química em 2000. Desde então, o interesse em sintetizar outros materiais orgânicos que apresentem esta propriedade tem aumentado, e outros polímeros com estrutura de elétrons-π como os da Figura 1.2 (e.g. polianilina (PAni), polipirrol (PPy), politiofeno (PTh), polifurano (PFu), poli(p-fenileno) e policarbazol [3, 4]) têm sido sintetizados e testados em dispositivos eletrônicos.

Figura 1.2 – Estrutura química de monômeros dos principais polímeros semicondutores: (a) polianilina (PAni), (b)

polipirrol (PPy), (c) politiofeno (PTh), (d) polifurano (PFu), (e) poli(p-fenileno) (PPP) e (f) policarbazol (PC).

Dada a importância das propriedades físicas destes materiais, uma grande variedade de técnicas vem sendo amplamente utilizada para determiná-las, tais como eletroquímica, óptica, espectroscopia de ressonância paramagnética eletrônica, microscopia eletrônica de varredura (MEV), microscópio de força atômica (MFA), cromatografia de permeação em gel (GPC) [5, 6]. Os dados experimentais assim obtidos para estes parâmetros possuem um papel fundamental na utilização destes materiais em aplicações com finalidade tecnológica e comercial, assim como no desenvolvimento de novos materiais orgânicos para a indústria de semicondutores [7].

A condução elétrica em materiais orgânicos ocorre através de defeitos não- lineares/topológicos (sólitons/pôlarons) gerados durante a polimerização ou como consequência da dopagem. O transporte de carga, por sua vez, pode ser limitado pela injeção de portadores devido à altura da barreira de potencial nas interfaces. Quando o campo elétrico é muito alto ou a altura das barreiras é baixa, o transporte é dominado pela carga acumulada no semicondutor orgânico devido às limitações de transporte (carga espacial) [8]. O maior limitante da eficiência neste caso é a mobilidade efetiva dos portadores de carga nos materiais orgânicos e, por este motivo, torna-se um dos parâmetros mais importantes na busca por novos materiais. A mobilidade é a razão entre a velocidade dos portadores e o campo elétrico aplicado e, em comparação aos semicondutores inorgânicos utilizados na indústria [9], normalmente é baixa (~ 10-5–10-2 cm2/Vs).

Uma das vantagens dos semicondutores orgânicos em relação ao inorgânico está na possibilidade de se sintetizar materiais modulando-se bandgap e níveis de energia. Tal modulação geralmente fornece materiais com propriedades ópticas diferentes e possibilidade de emitir e absorver fótons de comprimento de onda tanto dentro quanto fora da faixa do visível. Em sua forma mais simples, estes dispositivos à base de filmes finos orgânicos são compostos por camadas empilhadas dispostas entre dois eletrodos com elevado potencial de aplicação em dispositivos emissores de luz (LED, do inglês Light-Emitting Diodes) [10] e, até mesmo, fotovoltaicos, as células solares orgânicas (OSC, do inglês Organic Solar Cells) [11].Materiais orgânicos com tais propriedades são promissores para aplicações em mostradores de informação, incluindo dispositivos móveis e telas de elevadas dimensões, incluído seu uso em iluminação ambiente e em telas flexíveis e transparentes. Obviamente, dispositivos passivos como resistores [12], capacitores [13] e diodos [14] também podem ser constituídos. Além destes dispositivos citados, destacam-se os transistores de filmes finos orgânicos (OTFTs) [15], elemento fundamental para implementação de circuitos eletrônicos. Se empregados como transistores de efeito de campo (FET, do inglês

Field-Effect Transistor), podem ser utilizados para vários fins, como portas lógicas, processadores e memórias [16, 17].

Dentre os materiais condutores, destacam-se polianilina (PAni) [18] (ver Figura 1.2.a), poli(3,4-etilenodioxitiofeno) dopado com poli(ácido estireno-sulfônico) (PEDOT:PSS) [19], folhas de grafeno [20] e nanotubos de carbono de parede única (verFigura 1.3). Grafeno apresenta modulação de corrente por campo elétrico, comportamento típico de semicondutores, porém possui maior potencial em sensoreamento e eletrodo. Por sua vez, os nanotubos podem ser separados em três categorias com relação ao ângulo em que a folha de grafeno é enrolada: armchair, zigzag ou chiral. Este ângulo de enrolamento define se o comportamento elétrico será típico de condutores ou semicondutores. Todos os armchair apresentam propriedades metálicas, enquanto que as outras duas estruturas podem apresentar propriedades semicondutoras ou metálicas, dependendo do diâmetro do nanotubo [21]. Algumas características elétricas específicas dos materiais orgânicos podem ser utilizadas para construção de dispositivos sem análogo aos semicondutores inorgânicos convencionais. Como exemplo, podem ser citados memórias moleculares [17], osciladores monocamada [22], janelas inteligentes [23], músculos artificiais [24] e biossensores [25].

Figura 1.3 – Estrutura química dos principais condutores orgânicos: (a) PEDOT:PSS, (b) folhas de grafeno e (c)

nanotubos de carbono. A configuração (A) armchair apresenta comportamento condutor, enquanto que (B) zigzag e (C) chiral podem ser semicondutoras.

Fonte: Cavallari (2014)

Dispositivos orgânicos chamaram a atenção não somente da comunidade científica, mas também de indústrias interessadas em dominar este futuro mercado (ver Figura 1.4). O fortíssimo interesse que os polímeros condutores tem despertado entre pesquisadores e grandes grupos industriais da área química (Du Pont, Dow Chemical, Eastman Kodak, Covion, etc) e eletrônica (Sony, Sansung, LG, Philips, IBM, Pioneer, Sanyo, TDK, Siemens, 3M e outros) está ligado

principalmente aos OLEDs e PLEDs, que utilizam materiais orgânicos semicondutores eletroluminescentes. Acresça-se o fato de que os métodos de fabricação de dispositivos políméricos podem ser significativamente mais simples do que os usados no processamento de materiais inorgânicos. Do ponto de vista da engenharia elétrica e das atividades relacionadas aos processos de fabricação em microeletrônica, esta simplicidade é fundamental quando se considera que os processos tecnológicos convencionais (relacionados ao silício e materiais semicondutores inorgânicos em geral) são possíveis somente para organizações que possam aportar investimentos maciços.

Figura 1.4 – Indústrias que despontam no mercado de dispositivos orgânicos: Konarka (células solares), PlasticLogic,

Samsung, Sony (TV de OLEDs), PolyId (etiquetas de RFID).

Fonte: Cavallari (2014)

1.2. Justificativa

Sistemas eletrônicos orgânicos oferecem a vantagem de serem leves e flexíveis, além de cobrirem grandes superfícies a um custo reduzido [26]. Assim como os transistores de efeito de campo (FET) convencionais, transistores de filmes finos orgânicos (OTFTs) podem ser utilizados para vários fins, tais como circuitos digitais e memórias [17]. As técnicas de fabricação são diversificadas, mas há a tendência de se produzir circuitos integrados por impressão direta de todos os componentes do sistema, dispensando técnicas onerosas e complexas como oxidação térmica e fotolitografia [27]. Deve-se considerar que, mais do que a substituição em algumas aplicações (tais como mostradores que hoje utilizam cristal líquido – LCD), OTFTs permitirão o desenvolvimento

de produtos onde o componente flexível (do ponto de vista mecânico) oferece solução de menor peso e menor risco de uso (por estar próximo ao corpo como é o caso da “portable electronics”), além da criação de novos nichos comerciais (grandes painéis publicitários recobrindo superfícies curvas, por exemplo) [26, 27]. Neste contexto, uma das aplicações mais interessantes para estes dispositivos é em circuitos integrados flexíveis de baixo custo para a indústria de sensores [28]. Devido à compatibilidade destes semicondutores com biomoléculas e células vivas, pode-se esperar também a integração de áreas de biomédicas e automação através da cibernética avançada [25].

O elemento mais importante para o desenvolvimento e afirmação destes dispositivos é o comportamento dos portadores de carga na camada semicondutora. Mobilidades superiores às encontradas em silício amorfo foram obtidas para pentaceno [29] e fulereno [30] (e.g. ~ 6 cm2/Vs)

e, apesar destes valores ainda serem inferiores ao silício monocristalino (e.g. ~ 102 cm2/Vs) [9],

são suficientes para comercialização de circuitos 100% orgânicos que integrem sensoreamento e processamento de dados. Consequentemente, novos materiais têm sido sintetizados e técnicas de litografia sofisticadas e de baixo custo têm sido desenvolvidas. Deste modo, faz-se necessária uma investigação cuidadosa da aplicabilidade de tais materiais em sensores fabricados a partir de OTFTs. A investigação de novos materiais orgânicos em sensores de gás ou líquido requer o desenvolvimento de uma metodologia de fabricação de acordo com o semicondutor empregado, o estudo de sua degradação devido à exposição à atmosfera (e.g. oxigênio, vapor d’água) ou líquido analisado, além do mapeamento da sensibilidade em resposta a um conjunto de analitos tais como compostos orgânicos voláteis ou constituintes do líquido envolvido [31].

Consequência do potencial econômico, futuramente, deverá ocorrer uma interação maior com outros campos da ciência, principalmente: (i) na detecção de cadeias específicas de biomoléculas (e.g. ácido desoxirribonucléico ou ADN) através da funcionalização da superfície de TFTs ou biomarcadores gasosos (e.g. acetona, amônia) para estudo e detecção de doenças em estágios iniciais dificilmente perceptíveis (e.g. câncer de pulmão, insuficiência renal, cirrose hepática); (ii) em sistemas de detecção de vapores de álcool e gasolina como suporte aos agentes fiscais no controle do combustível comercializado em postos de distribuição, porém também na indicação do grau de embriaguez de seres humanos em operações policiais; e (iii) no controle da qualidade do ar. Estes sensores permitiriam um aumento da densidade de medidas, acarretando assim uma análise cartográfica mais precisa da poluição atmosférica do que é feito hoje; além de

baixar o custo da análise, o controle da poluição poderia ser realizado dentro de ambientes fechados tais como fábricas e escritórios. Devido à esta possibilidade de interfaceamento com as áreas química e biológica, a existência de um estudo detalhado em sensores de TFTs servirá de base para trabalhos futuros em busca deste tipo de colaboração e com enorme potencial comercial. A aplicação de diversos materiais em sensores poderá acarretar em novas aplicações e inserção no mercado de produtos oriundos da Eletrônica Orgânica. O baixo custo potencial (comparativamente à microeletrônica do silício) dos processos envolvidos apresenta uma excelente oportunidade de participação de empresas brasileiras na fabricação de circuitos eletrônicos e/ou sensores baseados em materiais orgânicos.

1.3. Objetivos

O objetivo geral que norteou este projeto da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP) foi o desenvolvimento de transistores de filmes finos orgânicos (OTFTs) como sensores para detecção de biomarcadores de patologias humanas em diagnósticos médicos. Tiveram-se os seguintes objetivos específicos ao doutoramento:

 Identificação da estrutura mais adequada ao transistor polimérico de baixo custo através de escolha justificada cientificamente dentre técnicas de deposição (e.g. evaporação térmica, spin coating, automontagem) e litografia (e.g. fotolitografia tradicional, máscaras mecânicas, imprint lithography), materiais isolantes de porta e estruturas (e.g. TFTs bottom e top gate, emprego de bicamadas semicondutoras) disponíveis.

 Estudo da degradação do material semicondutor orgânico utilizado na camada ativa (neste trabalho, do polímero P3HT) em decorrência de exposição à atmosfera.

 Mapeamento da sensibilidade e especificidade do TFT à base de semicondutor orgânico em resposta a um determinado conjunto de analitos em estado gasoso, principalmente amônia e acetona.

Destacou-se o aprendizado dos diversos aparatos utilizados no mundo da microeletrônica, sejam eles de fabricação ou caracterização de dispositivos. Além disso, a formação de profissionais treinados para fabricação de TFTs com diversas camadas orgânicas, e de amplas competências relacionais e técnico-científicas.