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2 DAS FÁBRICAS AO ESTADO: A FORMAÇÃO DOS GESTORES

2.2 MAURÍCIO TRAGTENBERG E O MARXISMO HETERODOXO

Maurício Tragtenberg nunca entrou nos currículos oficiais das escolas de gestão, mesmo sendo professor, por um tempo, da escola de Administração mais importante da Amé- rica Latina (Fundação Getúlio Vargas).Provavelmente porque o materialismo histórico sem- pre foi a sua filosofia para interpretar o mundo e, com isso, nunca esqueceu das determinações que a condição material impõe ainda sobre a humanidade, apesar de ter escolhido por desen- volver tópicos que habitam a esfera da superestrutura. Por jamais ter negado a centralidade das classes sociais, não poderia referência para aqueles que mais afirmaram o oposto.

Torna-se um marxista diferente da maioria, pois nega as concepções leninistas de or- ganização e o modelo de socialismo adotado na União Soviética. Tinha ele como objetivo a construção de uma cultura emancipatória, incompatível com o burocratismo da maioria das organizações socialistas de até então, dos partidos aos sindicatos. Se a consciência é determi- nada pelas condições materiais, só a transformação desta consciência pode revolucionar o modo de produzir. Foi por causa destas idéias que Maurício tragtenberg se isolou, desistindo da esquerda partidarizada. Nem por isto desistiu de suas idéias.

Foi em outros autores tão marginais ao mundo acadêmico quanto ele que Tragtenberg encontrou o objeto de seus estudos. Para ele “o anarquismo tem uma contribuição no nível das superestruturas, no nível da análise dos movimentos sociais, da luta contra a burocracia – essa desgraça do nosso século – e no da defesa da liberdade como valor” (1991). Assim, na sua busca para compreender a gestão das organizações do modo que se dá nos dias atuais, Trag- tenberg foi buscar – principalmente nos textos daqueles que não são considerados por muitos como homens e mulheres “da ciência” (como no caso de Rosa Luxemburgo) – o conteúdo crítico às abordagens de gestão das organizações de até então e, principalmente, as formas de ruptura com a lógica vigente. Isso inclui não só os anarquistas, como todos aqueles que ousa- ram romper com a ortodoxia, como configura o caso da já citada Rosa Luxemburgo e de al- gumas vezes do próprio Trotsky.

Por isso, há na obra desse autor uma crítica aos marxistas também, principalmente os de orientação leninista que implementaram em seus países organizações tayloristas (quer no Estado, quando assumem o poder, quer nos partidos e sindicatos, enquanto disputam contra o pensamento hegemônico, quer nas organizações responsáveis pela produção); e, portanto, não conseguiram ir além do capitalismo e das relações criadas por ele que tentavam superar. Da semente taylorista e, portanto, burocrática, só poderia brotar uma sociedade baseada na mes- ma lógica com todas as suas relações de exploração alienantes e, conseqüentemente, autoritá- rias.

Santos (2004), por sua vez, também nos aponta para a incapacidade desse modo de produzir e atingir o bem-estar, que para nós significa criar as condições para o livre desenvol- vimento. Assim, ele assinala que “no contexto do capitalismo, há uma impossibilidade políti-

ca e, sobretudo, técnica de se fazer livremente e se dispor igualmente do que se faz(SANTOS, 2004, p.42, grifo do autor).

A Economia Política e as críticas feitas a ela já fizeram o seu papel ao desvendar o po- der dessas organizações na sociedade atual, cabe agora compreender a dinâmica que rege es- sas organizações. Mas, da mesma forma que a Economia Política se propôs a criar as justifi- cações que mascaram as relações de produção existentes beneficiando os que lucravam com a superexploração do homem pelo homem, coube à Administração (enquanto ferramenta dos gestores) elaborar a ideologia que escondessem as relações de classe no seio das organizações burocráticas e com isto “harmonizar” os interesses dos empregados aos dos patrões, sejam este proprietários dos meios de produção ou dirigentes do processo produtivo.

Tragtenberg se propôs a compreender o processo de elaboração dessa ideologia e seu movimento “para fora” e o “para dentro” das organizações. É por isso que, para ele, separar a

Administração, enquanto campo do saber, da política, enquanto ação social, é um equívoco que só cabe nos discursos ideológicos de seus principais “teóricos”. É esta a importância de Tragtenberg para os nossos estudos.

Com isso as teorias que a Administração desenvolveu ao longo de sua história servi- ram principalmente para mostrar as possibilidades de harmonia na sociedade atual e nas orga- nizações que a compõem, com um foco especial nas corporações. Alguns, por sua vez, tenta- ram compreender as organizações modernas de forma menos harmônicas, sem negar os con- flitos. Contudo, entre eles, Tragtenberg foi um dos poucos que não abandonou a centralidade da luta de classes na determinação do ser social e do conflito entre trabalhadores e com o ca- pital. É por isso, também, que é preciso estudar este autor.

Santos (2004), mesmo não tendo como foco a crítica à Administração enquanto ideo- logia, não se esquece de nos lembrar, ao estudar a obra de Thorstein Veblen que

Essas instituições (organizações, Estado e ciência) são instrumentos de poder de uma classe dominante, cuja manutenção é possibilitada pelas interações constantes das forças sociais, o que só será alterado com a ruptura com o de- terminismo e o evolucionismo da sociedade e da ciência (SANTOS, 2004, p.66-67).

E coloca como resposta a isso a Administração Política que “tenta romper com o para- digma contemporâneo de que a administração funciona exclusivamente como forma de domi- nação entre classes e exclusivamente como instrumento micro de estruturação organizacional” (p.65). Este papel nós damos à Contra-administração e é no Marxismo Heterodoxo que tere- mos que buscar seus fundamentos.

O Marxismo Heterodoxo de Tragtenberg, portanto, não só nos auxiliar no desenvol- vimento da crítica à Administração Política, como também nos oferece as bases de um modo de organização do trabalho e da vida contrário aos modelos oriundos do taylorismo e basea- dos na racionalidade instrumental.

A importância de Tragtenberg neste trabalho se dá, primeiro, porque foram dos seus textos que partiram as primeiras críticas à administração que nos embasa. Segundo, porque são nos textos de Tragtenberg que buscamos os fundamentos históricos e teóricos que nos sustentam daqui para frente. Ele e João Bernardo, juntos, são os que melhor apontam para o caráter de classe da Administração.