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O MODO DE PRODUÇÃO ASIÁTICO E A BUROCRACIA SOVIÉTICA

3 DO ESTADO ÀS FÁBRICAS: A ADMINISTRAÇÃO POLÍTICA DO

3.3 O MODO DE PRODUÇÃO ASIÁTICO E A BUROCRACIA SOVIÉTICA

Mas antes de tentar jogar a culpa naquele momento histórico e nas decisões tomadas pelos dirigentes daquele processo, precisamos entender as bases culturais e econômicas que antecederam a Rússia revolucionária. Essas bases permitiram, e é bom que deixamos bem nítido, e não determinaram tudo que aconteceu depois.

O estudo do Modo de Produção Asiático é de fundamental importância para nos ajudar a compreender os fundamentos da teoria leninista e o comportamento da multidão soviética. Apelidando a Revolução Russa de 1917 de “Revolução Autoritária”, Tragtenberg (1977) tenta mostrar que grande parte dos aspectos da Administração Política adotada neste país no início do Século XX se deve à invasão huna acorrida anteriormente e que levou a este território ca- racterísticas dos outros povos orientais que viviam sob o domínio da burocracia patrimonialis- ta. Segundo este mesmo autor (p.29), traços autoritários da URSS e do leninismo que nos pa- recem originários da revolução iniciada em 1917 na verdade nada mais são do que prolonga- mentos de instituições enraizadas nesta sociedade, constituídas em períodos anteriores. Pode- mos afirmar que está aí um dos pilares mais fortes da rápida construção da hegemonia dos gestores neste local e de sua aceitação.

É importante lembrar, antes de nos aprofundarmos um pouco mais no tema, que o mo- do de produção asiático se encaixa muito mais no método weberiano de “tipos ideais” do que no materialismo histórico do próprio Marx. Isso porque é bastante questionável a sua existên- cia enquanto momento histórico assim como descrito. Porém, não podemos negar que o con- junto de características que expressam este momento, tem determinado respaldo na própria história.

Voltemos à Rússia... A burocracia passa a ser a essência da modernização recupera-

dora imposta na URSS após 1917. A novidade é que ela, a burocracia enquanto classe, não possuía os meios de produção nem era regida pela hereditariedade, assim como sempre foi a estrutura sob a qual se assenta a hegemonia da burguesia. A URSS era dotada de uma outra estrutura jurídica, então.

Porém, esta burocracia que se forma é altamente atrelada à constituição do Partido Ú- nico – que segue de perto a mesma lógica da classe dos gestores do modo de produção asiáti- co. O Partido Único16 com o monopólio do poder político se configura na elite dirigente e responsável pela construção da industrialização. Ascender no Partido significa ascender na burocracia e o Estado nada mais é que meio para esta classe.

Isso não significa o fim da Administração Profissional, mas sim sua completa subordi- nação à Administração Política. Nos primeiro anos da revolução chega a se ter uma dualidade entre as formas de gestão da sociedade. A Administração Profissional, ainda não plenamente desenvolvida, disputava o espaço com os conselhos de operários e camponeses, como já assi- nalado. A suposta eficiência técnica das fábricas sob o Sistema Taylor, por exemplo, disputa- vam a hegemonia com as fábricas ocupadas. Essa dualidade foi aos poucos superada e a Ad- ministração Profissional enfim pode seguir o projeto já traçado desde antes pela Administra- ção Política Soviética. Esta contradição entre organização proletária na base da produção e controle gerencial da economia e na política é rapidamente superada devido à perda de poder dos conselhos operários e camponeses, que cedem boa parte dos seus militantes para as guer- ras nas fronteiras, outros tanto volta ao campo em busca de alimentos. 

Isso não quer dizer também que no momento em que os conselhos se contradiziam com o Partido, enquanto prática, a burocracia privada tenha sumido. Esta segue a mesma lógi- ca, porém os gestores de empresas pertenciam a uma casta inferior a aquela composta pelos burocratas do Partido e do Estado na URSS pós-revolucionária. O poder soviético nunca abriu

16 O Partido Bolchevique, logo após a Revolução de 1917, centraliza todo o poder em suas mãos e acaba com o

mão definitivamente das pequenas empresas e a NEP (Nova Política Econômica) permite de vez a sua existência.

Assim, a burocracia do resto do mundo detinha somente o controle do processo produ- tivo e através das grandes corporações controlavam uma parte do Estado Amplo. Já na URSS ele funde o poder político ao econômico ao somar a propriedade dos meios de produção com o controle da produção. Torna-se deste modo uma Burocracia Total, hegemônica. Este novo tipo de burocracia se funde com a sociedade civil, com o reino das trocas. E este fusão, da forma que foi imposta, foge do contexto histórico de Weber, obrigando a compreendermos a terceira forma de burocracia.

Entretanto, seja o Mandarim chinês do modo de produção asiático; seja o trabalhador que ascende à função de gerente; ou seja ele o funcionário do Partido Único, todos possuem algo em comum: detêm o conhecimento acerca do processo produtivo e o conseqüente contro- le da produção. Criam mecanismo para manter o trabalhador afastado da direção, alienados do fruto do próprio trabalho e, principalmente, são encarregados de criar a ética que garante a superexploração do trabalho e a forjada harmonia administrativa.

Outra característica que unifica as três burocracias é o fato de todas serem, ideologi- camente, portadoras da razão, do “espírito”. Taylor tinha conferido aos gestores o papel de gerenciar não somente as indústrias mas como também toda a sociedade, por estarem eles acima dos conflitos. Na URSS quem se coloca como tal é o Partido, inquestionável no seu papel de mediador da história.

Porém Trotsky, um dos mais fortes fomentadores do marxismo-leninismo (e, portanto, do Marxismo Ortodoxo) parece dar à burocracia, no caso da URSS, o mesmo papel que We- ber dá a ela na Alemanha, especificamente (TRAGTENBERG, 1977, p.191). A burocracia surge em ambos os países quando nenhuma das classes em disputa pela hegemonia tem con- dições de assumir por completo o poder político. Enquanto, para Weber, cabia à burguesia o papel de destituir a burocracia do poder na Alemanha; para Trotsky, cabia ao proletariado avançar no seu processo de organização para derrotar a burocracia. Enquanto na Alemanha a burocracia era produto das contradições entre classes dominantes, na URSS o era entre operá- rios e camponeses (TRAGTENBERG, 1977, p.191).

Portanto, não estamos a afirmar que a Revolução de 1917 cristalizou a burocracia do modo de produção asiático como classe dominante. O que queremos dizer é que muitos dos elementos de momentos passados sobreviveram e influenciaram esta revolução e o Estado que surgiu após ela. A burocracia soviética é uma burocracia de novo tipo, mas surge de forma tão forte devido à tradição das classes dominantes daquele território. É, sem dúvida, uma buro-

cracia atrelada ao modo de produção capitalista. A um modo de produção que aceleradamente se instalava. A lógica e o seu papel podem até ser muito próximos à burocracia dos manda- rins, porém as relações entre as classes já não é mais a mesma, e sua dominação, portanto, só pode se dar sob outra forma.