• Nenhum resultado encontrado

2 DAS FÁBRICAS AO ESTADO: A FORMAÇÃO DOS GESTORES

2.6 MAYO E A TOTAL NEGAÇÃO DO CONFLITO

Mas o Panóptico teria que se realizar um dia. Não como prisão, no seu sentido restrito, mas como forma de dominação de todos exercida por qualquer um. O pode difuso que seria exercido por qualquer um na sociedade; ou o centralizado, o grande olho na torre central do presídio, se transformam somente na metáfora mais ingênuo do futuro que lhes aguardava.

Taylor foi o primeiro passo. Os trabalhadores deram as respostas. A Escola de Rela- ções Humanas foi o contra-ataque.

Porém a Escola Clássica da Administração também se torna mais sofisticada a cada avanço na tomada de consciência, e conseqüente organização, dos trabalhadores. Nos EUA surge a Escola de Relações Humanas para responder o aparecimento das grandes centrais sin- dicais. Mayo, teórico mais significante desta nova concepção, seguia a linha da Taylor e Fayol e via nos conflitos o principal fator de desintegração da empresa e da sociedade. Por isso se dedica a elaborar os meios para que as contradições sociais manifestadas na organização do empreendimento capitalista fossem atenuadas ao extremo.

O grande lance da Escola de Relações Humanas é de transferir o conflito social, mani- festado no jogo das classes antagônicas, para o indivíduo. “Vê os conflitos da empresa na forma de desajustes individuais, quando atrás disso se esconde a oposição de duas lógicas: a do empresário que procura maximizar lucros e a do trabalhador que procura maximizar seu salário” (TRAGTENBERG, 1977, p.198).

Taylor foi a conseqüência da diminuição do plano de observação das sociedades para o nível do micro; Mayo levou essa tendência à esfera individual. Enquanto Saint-Simon se preo- cupava em pensar nos fundamentos de uma outra sociedade, Taylor se dedica à construção de uma organização racional. Já Mayo se preocupa na concepção dos homens e mulheres respon- sáveis por esta organização. Entretanto, em todos os três a busca da harmonia era a meta.

Impregnado da mesma ética protestante de Taylor, fundamento da Administração, Mayo também fetichiza o trabalho, fazendo com que se sintam deslocados todos aqueles que não se adaptam às normas burocráticas da empresa moderna. O operário que não se comporta dentro dos parâmetros da normalidade instituída é encarado como um doente, digno de um processo de regeneração. “No totalitarismo da empresa não se trata já de internar a posteriori o contestatário num asilo de loucos, mas de estender a priori as fronteiras da instituição psi- quiátrica a toda força de trabalho” (BERNARDO, 1991, p.168). O behaviorismo adentra ao mundo das empresas! E é neste momento que se incute toda a lógica protestante e a revolta do trabalhador passa a ser usada contra si, por não conseguir se enquadrar no papel lhe dado. O objetivo maior é capturar a subjetividade do trabalhador. Imprimir-lhes comportamentos.

A contradição mais significante nesta nova idéia é que ao mesmo tempo em que seu propósito é a cooperação, joga os trabalhadores uns contra os outros. Cada um deve vigiar o seu colega, o inspetor e o residente passam a ser cada um. A torre central está dentro de cada trabalhador. Contradição só aparente, porque a cooperação, por mais que não funcione do modo desejado pela classe dos gestores, pelo menos acontece de forma muito menor fora dos portões das fábricas. “Enquanto a Escola Clássica pregava a harmonia pelo autoritarismo, Mayo procura-a pelo uso da Psicologia, convertendo a resistência em problema de inadapta-

ção pela manipulação dos conflitos, por pessoal especializado em Psicologia Social em Socio- logia Industrial, ou melhor, relações industriais” (TRAGTENBERG, 1977, p.83). A sofistica- ção do instrumento novo em relação ao taylorismo está aí: ao invés de assumir de frente o conflito de classe e subjugar os trabalhadores na marra, a Escola de Relações Humana prefere adaptar os trabalhadores aos interesses das classes capitalistas. O movimento da mais-valia começa, evoluindo da absoluta para a relativa, e os gestores iniciam a sua tomada de consci- ência, assumindo seu caráter de classe.

Nesse momento, apesar de os gestores já se configurarem como classe, estão eles no início do processo de formação de sua ideologia e, portanto, os proprietários dos meios de produção ainda exercem maior força na divisão da mais-valia. Isso leva aos gestores a se co- locarem numa posição de intermediação entre as duas classes clássicas anunciadas pelo mar- xismo ortodoxo, assumindo o conflito com os trabalhadores, porém sem se confrontar com os proprietários.

Isso mostra também todo caráter político e histórico da Administração. Político porque permeado pelo conflito de classes. Além disso: é a acentuação do conflito entre classes que provoca o desenvolvimento deste campo. Daí porque a TGA, como afirma Tragtenberg (1977, p.89), é uma ideologia:

A Teoria Geral da Administração é ideológica, na medica em que traz em si a ambigüidade básica do processo ideológico, que consiste no seguinte: vin- cula-se ela às determinações sociais reais, enquanto técnica (de trabalho in- dustrial, administrativo, comercial) por mediação do trabalho; e afasta-se dessas determinações sociais, compondo-se num universo sistemático orga- nizado, refletindo deformadamente o real, enquanto ideologia.

Já o seu caráter histórico é comprovado pelas sucessivas modificações ao longo do tempo, acompanhando a dinâmica do capital e a resposta dos trablhadores.

Depois dos avanços das técnicas desenvolvidas pelo taylorismo, com o intuito de des- fragmentar os trabalhadores, vem a Escola de Relações Humanas e completa o serviço. To- talmente atomizados, é após Mayo que a ideologia da classe dos gerentes entra de vez na mente dos trabalhadores. A eficiência passa a ser diretriz.

Muitas críticas foram feitas aos ditos humanistas da Administração e podemos desta- car a de outro teórico brasileiro: Guerreiro Ramos (1989). Da mesma forma que Tragtenberg, Guerreiro Ramos denuncia a impossibilidade de se fazer das organizações formais ambientes capazes de permitir o pleno desenvolvimento humano, mas não aponta na direção da supera-

ção dessas mesmas organizações, pois a causa e o foco do conflito é a racionalidade formal necessária para as organizações destinadas à produção de bens materiais. Não há como supe- rá-las. Outras formas de organização, então, devem amenizar a alienação individual na medi- da em que se transformam em ambientes saudáveis. Para tanto seu objetivo não seria a produ- ção de bens, mas o próprio bem-estar psíquico. Sua obrigação é, enquanto organização, estar para além da economia (paraeconomia).

A crítica libertária de Tragtenberg vai por um outro caminho. As organizações que pa- ra Guerreiro Ramos só poderiam existir fora do ambiente econômico, para os heterodoxos são capazes de se responsabilizar pela produção. A atualização humana (termo que Guerreiro Ramos emprega) se daria a partir do momento em que o indivíduo tomasse a sua parte do tra- balho de forma consciente, o que para Tragtenberg só é possível através da auto-organização. O problema, então, não é a racionalidade formal, e sim a segregação social que coloca uns acima de outros e separa o trabalho manual do intelectual. A atualização humana – ou contra- alienação – ocorreria quando mente e corpo, trabalho intelectual e manual, voltassem a ter o mesmo valor. Quando propriedade, controle e execução pertencessem ao mesmo sujeito. A auto-gestão operária destruiria automaticamente o caráter formal, ou burocrático, das corpora- ções.

A conclusão que fica é que “as doutrinas de organização do trabalho não são mais do que a teorização deste processo [o desenvolvimento das condições de exploração], a reflexão sistemática sobre um dos aspectos centrais da mais-valia relativa” (BERNARDO, 1991, p.69). Portanto, dois elementos são centrais no desenvolvimento das concepções que caracte- rizam a Escola de Relações Humanas. O primeiro é que aqui os gestores se desvinculam dos trabalhadores completamente e passam a disputar a direção do processo com a burguesia. É quando a Administração Profissional parte para se tornar Administração Política, seguindo a lógica dos gestores. O segundo é que a extração da mais-valia passa a se dar cada vez mais de forma relativa, mostrando não só a integração das unidades produtivas, mas o grau de sofisti- cação que se chega a dominação de uma classe sobre as outras.

A Escola de Relações humanas assume, portanto, uma função estratégica no desenvol- vimento dos gestores enquanto classe. É com a Escola de RH que esta classe ascende, toma consciência do seu poder. Dominando completamente as fábricas e todos os outros locais de trabalho, enfim, controlando o processo de trabalho, os gestores partem para dominar a gestão de toda a sociedade, através do próprio Estado. É uma nova Administração Política que co- meça a se esboçar, imbricada e seguindo o mesmo padrão da Administração Profissional. A

Administração Profissional, entretanto, continua em franca ascensão, desenvolvendo-se para a biopolítica.