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Parte I: Atrás das Telas de Computador

2. Mazatlán Villa de Flores

No meio universitário da cidade do México surgiu a oportunidade de me juntar a uma caravana de observadores eleitorais que iria garantir a limpeza e a tranqüilidade nas eleições que ocorreriam no município indígena chamado Mazatlán Villa de Flores, em Oaxaca, estado vizinho de Chiapas e também um dos mais pobres. Foi a oportunidade de conhecer um movimento indígena diferente do zapatista e uma variedade de ativistas da cidade do México que estavam presentes como observadores: estudantes de filosofia, letras, economia, gente do sindicato dos eletricistas, da Intersindical e ONGs. A possibilidade de descrever, ainda que rapidamente, outros movimentos indígenas além do zapatista, permite a comparação que ajuda lançar luz sobre aspectos da estratégia do EZLN e do seu contexto. E observar o impacto do zapatismo e suas relações com esses movimentos e ativistas se mostrou uma tarefa de importância considerável: entre os observadores eleitorais que prestavam solidariedade aos indígenas mazatecos estavam ativistas que eram ou já tinham sido bastante envolvidos com o zapatismo, e os próprios líderes locais já tinham tido participações importantes no que podemos chamar de “zapatismo civil” (notas e gravações de campo, Oaxaca, 12/98).

Rapidamente me alertaram que se tratava de uma zona de conflitos e que isso significava que estrangeiros não eram bem vindos para as autoridades estatais, policiais e para os antigos caciques ligados ao PRI15. Era uma das conseqüências dos recentes anos de forte interesse internacional pelas lutas sociais mexicanas despertado pelo zapatismo. Explicaram-me que fazia parte do acordo para a observação eleitoral que não houvesse a participação de estrangeiros, e por isso fiquei sem a proteção da credencial de observador e pediram-me para ‘manter a boca fechada’, para passar desapercebido enquanto não terminasse o processo eleitoral. Oaxaca era o único estado onde uma lei estadual já permitia que as eleições seguissem os “usos e costumes” indígenas, e foi isso o que eu pude observar: com um sistema que se aproximava do modelo deliberativo indígena da assembléia, formavam-se filas para que cada pessoa pudesse dar publicamente o seu voto para cada candidato. Essa lei

estadual não significou para eles um avanço tão grande, pois há lugares onde o sistema antigo é mantido graças à repressão e a cooptação, e outros onde sistemas indígenas são adotados mas ainda assim sofrem manipulações (notas de campo, Oaxaca, 12/98).

A chegada a Mazatlán foi precedida por uma parada na estrada, já nos limites do município, em que foi feita uma homenagem a 3 pessoas da Assembléia Comunitária que haviam sido assassinadas em uma emboscada. No local havia três cruzes, uma para cada vítima, para que estas mortes fossem sempre lembradas (uma tradição popular). O coordenador do grupo de observadores e um anfitrião indígena deram explicações sobre a violência política naquela região, e depois foram plantadas flores junto às três cruzes. A eleição daquele dia em Mazatlán tinha um ar pesado, com uma forte presença da polícia que, no principal local de votação, chegou a fazer uma pequena barricada com sacos de areia. A polícia e as autoridades eleitorais estaduais tinham naturalmente uma clara cumplicidade com os caciques do PRI, e os observadores eleitorais não escondiam a preferência pela Assembléia Comunitária e seus líderes, que se inspiravam no anarquista e revolucionário mexicano do começo do século passado Flores Magón, que é não apenas um dos heróis nacionais como também filho daquelas terras (notas de campo, Oaxaca, 12/98).

Segundo Melquiades e Domingo, os principais líderes do movimento, eles já tinham conquistado a prefeitura em 1991 (Melquiades Rosas Blanco, entrevista, Oaxaca, 12/98), mas vinham desenvolvendo o que chamavam de autonomia – e que vinha sendo basicamente a prática do governo municipal através da assembléia formada pelas autoridades comunitárias - e resistindo às hostilidades dos antigos

caciques a duras penas (Domingo Garcia Mijangos, entrevista, Oaxaca, 12/98).

Desde 1995, 26 pessoas da Assembléia Comunitária já tinham sido assassinadas por um grupo armado ligado ao Partido Revolucionário Institucional (PRI)16 que gozava de uma quase total impunidade – apenas 1 pessoa até então tinha sido presa (gravação de discurso de Jaime Gonzáles V., Oaxaca, 19/12/98). Em 1995 Melquiades, que tinha sido o primeiro prefeito eleito pela Assembléia Comunitária, chegou a ser

15 Elites políticas locais e regionais formadas sob o controle político do partido hegemônico.

preso. Na época, eles estavam fazendo uma primeira tentativa de criar uma frente de prefeitos regional para exigir recursos do governo do estado (Domingo Garcia Mijangos, entrevista, Oaxaca, 12/98), já que os comerciantes locais se recusavam a pagar impostos para o município. E poucos meses antes dessa eleição de 1998, o grupo armado tinha tomado a prefeitura pela força e implantado um “verdadeiro estado de sítio”, o que só foi contornado graças a uma greve de fome de 15 dias realizada pelos líderes da Assembléia Comunitária em frente ao Senado na capital do país (Melquiades Rosas Blanco, entrevista, Oaxaca, 12/98). A grande novidade dessa votação era que o município passava a ter uma autoridade eleitoral local. Foi a Assembléia Comunitária que organizou as eleições, e era a primeira vez que um município ganhava esse grau de autonomia legal no México. A eleição transcorreu com uma razoável tranqüilidade e a Assembléia Comunitária saiu vitoriosa. Nos dias seguintes, porém, houve conflitos em algumas poucas comunidades ligadas ao PRI cujos moradores tentavam se desvincular das lideranças priístas para se integrarem à Assembléia Comunitária. O caso mais grave foi o de uma comunidade ligada ao PRI na qual um conflito relacionado ao não pagamento prometido em troca de votos acabou levando ao assassinato de 3 pessoas. “Já estão se matando entre si”, era o que se comentava (notas de campo e gravações, Oaxaca, 12/98).

A história desse movimento de indígenas mazatecos confunde-se com a história de vida de Melquiades, o seu principal líder. Nascido em 1962 em Mazatlán, cedo teve que morar com os avós porque os pais tinham ido trabalhar na cidade do México. Com quatro anos foi morar com sua mãe na capital do país, onde começou a se alfabetizar. Na época do presidente Echeverría, começo dos anos 70, as fábricas onde trabalhavam seus pais foram fechadas e ele voltou a Mazatlán, onde começou a cuidar de porcos e a recuperar a língua mazateca, que ele ainda entendia mas já não conseguia falar. Em 1976 instalou-se a paróquia de Mazatlán, e Melquiades notou que o padre procurava se aproximar das pessoas que falavam espanhol “porque era mais fácil, por uma preguiça mental”. Foi então que o padre, vendo que ele falava espanhol, pediu à sua mãe que ele passasse um ano trabalhando na Igreja. Em troca, o sacerdote o ajudaria a terminar os seus estudos. Melquiades acabou entrando para o Seminário de Santa Cruz de Tlatelolco, estudou 3 anos de filosofia e 4 anos de

teologia e teve contato com a teologia da libertação e as idéias que procuravam mesclar as teorias religiosas com as teorias sociais e que procuravam valorizar a cultura indígena. Teve a influência de autores como Leonardo Boff, John Sobriño, Enrique Dulce, Jorge Pisley, Clodovis Boff, Ella Curia, Emanuel Levinas, Xavier Subiri e Gramsci. Ele se recordava especialmente de um professor que teve e que era da etnia nahuatl, que dizia aos seus alunos que eles tinham que se tornar “intelectuais orgânicos”. Foi com esse instrumental que ele voltou a Mazatlán, onde foi ordenado Diácono em 1990. No dia da sua ordenação, o ritual foi completado com aspectos da tradição indígena: cada comunidade do município lhe entregou um bastão de mando, o que significava que os indígenas estavam de acordo em que ele os servisse (Melquiades Rosas Blanco, entrevista, Oaxaca, 12/98).

Naquela época, o poder político estava nas mãos dos caciques ligados às estruturas corporativas do Estado, que ficavam com as verbas estatais, não desejavam o desenvolvimento econômico e social e procuravam manter os indígenas na ignorância. Melquiades afirmou que escutava deles frases como: “não dê leitura para o filho do pobre, ou um dia ele vai despertar e vai te matar a pedradas”, “o povo é como frango, se você dá migalhas ele vem”, “Mazatlán não necessita nada, com isso já é o suficiente”. Os caciques eram os intermediários entre as comunidades indígenas e o mundo exterior, procuravam manter os indígenas isolados da informação, e podiam controlar o que entrava e o que saía do município. Exemplos disso é que eram eles que recebiam os funcionários do governo, não deixavam ninguém sair para dar continuidade aos estudos, por exemplo, a não ser alguns poucos, e deixavam entrar o Partido Popular Socialista (PPS), que na época era “de direita”. O prefeito tinha sido eleito pelo PRI, mas ao mesmo tempo era secretário geral do PPS. Melquiades conta que os seminaristas que abandonavam a carreira religiosa com freqüência se tornavam burocratas do Estado, e foi aproveitando os contatos dos tempos de seminário que ele conseguiu descobrir a quantidade de recursos que recebia o município e que não chegava às comunidades (Melquiades Rosas Blanco, entrevista, Oaxaca, 12/98). Domingo chamou a atenção para o colorido das roupas das mulheres nos dias de hoje, para lembrar como aquela época era cinzenta. Com a exceção das cerca de duas horas de feira no fim de semana em

que se via a animação da população local, os indígenas não eram bem vindos no centro urbano do município (entrevista com Domingo Garcia Mijangos, Oaxaca, 12/98). Como exemplo do racismo por parte dos coletos, que ali são os que vivem no pequeno centro urbano, basicamente são os comerciantes e professores do ensino básico17, e que na época tinham garantido o monopólio sobre a venda de cada tipo de produtos, Melquiades conta o seguinte diálogo: chega alguém de fora e pergunta a um deles “você é índio?”, “não, os índios estão trabalhando nas roças”, “então você é mestiço?”, “não, sou índio” (Melquiades Rosas Blanco, entrevista, Oaxaca, 12/98).

Quando Melquiades chegou para cumprir com um mandato religioso em Mazatlán, a população dos municípios por toda a Serra Mazateca estava em efervescência e surgiam movimentos por todos os lados contra a elite de caciques. Em Mazatlán, as suas atividades como Diácono que sabia falar a língua mazateca contemplavam toda a população mais pobre, e logo ele acabou se tornando também o homem a quem os indígenas confiavam suas reclamações e descontentamentos. Isso acabou fazendo com que os coletos fizessem intrigas com o padre da época, dizendo que Melquiades havia se tornado o verdadeiro padre, e ele acabou sendo deslocado de suas atividades na paróquia. Quando os indígenas se mobilizaram e tomaram a prefeitura em 1991, um grupo da Assembléia foi pedir a ele para que aceitasse se candidatar a prefeito, e como o Bispo da região não se opôs a isso, a Assembléia Comunitária elegeu Melquiades o seu primeiro prefeito. Como os coletos se recusavam a pagar seus impostos ao município, que passou ainda a sofrer a perseguição e oposição por parte dos caciques locais, regionais e do governo do estado, foi apenas com muitas marchas e plantões na cidade de Oaxaca, capital do estado, que o município foi obtendo os recursos para melhorar e ampliar as estradas e serviços como saúde e educação (Melquiades Rosas Blanco, entrevista, Oaxaca, 12/98). Se antes os recursos paravam na prefeitura e nas suas agências, passaram a chegar de maneira mais eqüitativa nas varias comunidades. E além das verbas

17 Em toda a literatura abordada nesta pesquisa a expressão coletos se refere aos habitantes de San Cristóbal

de Las Casas, e em situações similares os informantes usavam a expressão ladinos. Melquiades, no entanto, usa a expressão “pequenos coletos” para se referir a esse tipo social do seu município, agregando um “podemos chama-los assim”. Talvez isso seja um exemplo de como o vocabulário do conflito chiapaneco já tinha se irradiado para outras lutas e outros contextos. Apesar do risco da confusão que isso pode causar nos leitores, optou-se por manter o uso da palavra feito pelo informante.

estaduais, o município conta com a faena, que é um dia semanal de trabalho comunitário que cada indígena oferece.

Na época dessas entrevistas, a prefeitura já contava com um corpo técnico para ajudar as comunidades a formular e executar seus projetos, como por exemplo um grupo de advogados familiarizados com a questão da repartição de justiça levando-se em conta as tradições indígenas e que, antes de serem contratados, atuaram em Chiapas, mas depois resolveram contribuir para outras lutas escapando à entropia que centraliza as atenções sobre os indígenas zapatistas. Contava também com vários comitês, como por exemplo o comitê de comunicação que conecta todas as comunidades com um recente sistema de rádio comunicadores. E já se planejava ter um computador por comunidade sob a responsabilidade de um comitê formado por jovens que receberiam preparo técnico. Com os comitês, procurava-se ampliar ainda mais a participação, que na Assembléia se restringia às autoridades nomeadas nas assembléias de cada comunidade. E as mulheres também vinham procurando ter uma participação cada vez maior desde 1991, e começaram a notar isso quando elas começaram cada vez mais a participar dos trabalhos comunitários, a faena (Domingo Garcia Mijangos, entrevista, Oaxaca, 12/98). Segundo Melquiades, eles já tinham em mente a criação de uma regidoria de mulheres na prefeitura. E vinham aumentando cada vez mais os laços com grupos de fora para ajudar a realizar projetos produtivos, de educação, etc, embora boa parte dos projetos fosse da própria assembléia comunitária (Melquiades Rosas Blanco, entrevista, Oaxaca, 12/98). A relação com a imprensa foi também um elemento importante para resistir e avançar nas suas lutas. Eles têm como chefe de imprensa uma jornalista que trabalha também em dois jornais, inclusive no La Jornada, um dos mais importantes diários de circulação nacional com viés esquerdista. A presença na mídia foi vital para libertar Melquiades da prisão, por exemplo. E uma vez organizaram uma marcha com 600 crianças “para romper o estado de sítio”, que foi capaz de atrair até mesmo as câmaras da Televisa. O interesse dos indígenas dos municípios vizinhos com os êxitos de Mazatlán era cada vez maior, o que alimentava a perspectiva de tentar retomar futuramente a idéia organizar a autonomia regional que incluiria outras etnias (Domingo Garcia Mijangos, entrevista, Oaxaca, 12/98).

Curiosamente, ao contrário do que costuma sugerir um certo censo comum, foi justamente através da autonomia que o desenvolvimento de Mazatlán ganhou impulso e as comunidades do município começaram cada vez mais a se integrar com a nação. Melquiades afirmou que na Igreja há a visão de que é preciso preservar a cultura indígena, e que por isso se busca o isolamento das comunidades. Ele mesmo chegou a aceitar essas idéias, mas depois percebeu que é justamente no encontro com os diferentes que os indígenas reafirmam e recriam suas identidades. Como exemplo disso contou que alguns companheiros estavam perguntando de onde vinha esse homem que diziam ser de tão longe – referiam-se ao pesquisador brasileiro -, ao que ele respondeu que a terra era redonda, e que abaixo do México vinha a Guatemala, e que então baixando-se mais ainda, muito mais, chegava-se finalmente ao lugar de onde o tal misterioso estrangeiro vinha. A reação deles foi exclamar: “ahh, então os avozinhos [como se referem aos antepassados] estavam certos quando diziam que havia o lado de baixo da terra! Ele vem do lado de baixo!” (Melquiades Rosas Blanco, entrevista, Oaxaca, 12/98).

Um indicador do prestígio que esse movimento já tinha alcançado está nas palavras de Jaime Gonzáles V, o sindicalista membro da Intersindical e da Rede Zapatista, que estava coordenando o grupo de observadores eleitorais e que era um entusiasta da autonomia de Mazatlán e da estratégia do seu movimento que, para ele, poderia servir como um modelo a ser projetado nacionalmente. Não de uma maneira mecanicista, advertia, mas observando-se as diferenças de contexto e esperando-se o momento oportuno para se propor o modelo em cada caso. Mas e a autonomia dos municípios zapatistas? Segundo Jaime, que nunca morou em Chiapas mas acompanha o conflito através de companheiros que vivem lá, a autonomia das comunidades zapatistas não funcionam como em Mazatlán. Lá havia municípios muito grandes, por exemplo, e o que o EZLN fez foi propor uma nova divisão dos municípios e instalar as suas autoridades militares neles. “Há instituições de saúde, têm instituições políticas para fazer atas de nascimento e distintos trâmites, mas tudo sob uma estrutura militar.” Para ele era natural que fosse assim, considerando-se o permanente acosso militar por parte do governo que essas comunidades sofrem em Chiapas. “Mas por outro lado se pode imaginar que isso não é a solução política que se pode projetar

para o resto do país”. Ele comentou também que havia exceções, como o município autônomo Tierra y Libertad, que fica no território no município oficial de Las Margaritas. Este “realmente era um modelo de muitos pontos de vista”: eram autoridades civis, havia eleições, e tinham um peso tal que até mesmo organizações ligadas ao PRI se dirigiam às autoridades do município autônomo para dirimir seus conflitos. “Há outros municípios [zapatistas] que se aproximam disso, mas infelizmente essa não é a regra”. São mais comuns os municípios que ficam na “zona de conflito”, que corresponde ao território que o EZLN chegou a controlar até fevereiro de 1995, que havia sido conquistado militarmente, e que depois passou a gozar de uma certa proteção por parte da Lei de Concórdia e Pacificação que visava criar condições para o diálogo com o governo. Os municípios rebeldes que estão fora da “zona de conflito”, como Tierra y Libertad, foram conquistados politicamente e por isso não estavam sob a hierarquia militar do EZLN, e além disso encontraram um ambiente favorável para desenvolver seus movimentos e as práticas de autonomia, aproveitando a crise do governo de Chiapas desde 94, que assistiu à queda prematura de vários de seus governadores. Porém, foram justamente esses municípios que começaram a ser desmantelados a partir de 1998 pelo governo do estado, que alegava que eles não estavam protegidos pela Lei de Concórdia e Pacificação: é o caso dos municípios Flores Magón (Taniperla), o primeiro a ser desmantelado, San Juan de La Libertad (El Bosque) “onde mataram, levaram vários presos e os devolveram mortos de uma maneira horrível” e Roberto Barrios, um município ao mesmo tempo zapatista e legalmente governado pelo PRD mas que foi igualmente atacado pelo governador Albores. Com relação às comunidades que estão dentro da área considerada “zona de conflito” pela Lei, Jaime afirma que “é uma boa pergunta saber se realmente há municípios democráticos” nesse território, mas que “não há elementos para se dizer que há um procedimento democrático de eleição, um direito à destituição ou uma prestação de contas à cidadania, porque a situação não é uma situação regular, é uma situação de guerra” (Jaime Gonzáles V., entrevista, Oaxaca, 12/98).

Na opinião de Jaime, o EZLN tinha entrado num ‘beco sem saída’. Por mais que tivesse dado ênfase à “propaganda armada” e ao diálogo, ele não tinha revogado

a declaração de guerra de 1994, e não podia fazer isso porque a insurreição tinha tido um impacto impressionante. E embora a insurreição fosse legítima e perfeitamente justificável considerando-se a situação de extrema opressão e falta de canais democráticos em Chiapas, “não corresponde ao que está fazendo o resto da população”, “fazer um chamado à revolução hoje na cidade do México é uma loucura”. A tentativa de criar uma nova organização nacional civil nacional, por sua vez, fracassava pelo fato de o EZLN se manter isolado em Chiapas e ser uma organização armada, o que o incapacitava para assumir a sua responsabilidade como dirigente da nova organização. O EZLN apenas apontava as características genéricas que a nova organização deveria ter, mas tanto a Convenção Nacional Democrática (CND)18 como depois a Frente Zapatista de Libertação Nacional (FZLN)19 não tinham sido capazes de elaborar um programa político. A FZLN tinha se reduzido às atividades de solidariedade com o EZLN. A guerrilha poderia ter procurando se aliar com as organizações já existentes, mas ao invés disso fez a crítica dos velhos partidos e procurou criar uma nova organização com uma nova maneira de se fazer política, sem assumir a responsabilidade de elaborar um programa e dirigir esse processo. E quando as coisas davam errado, se sentia no direito de “dar broncas” através de seus