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2 IMIDACLOPRIDO E O POTENCIAL RISCO ÀS ABELHAS

2.4 Receptores de acetilcolina AChRs e receptores homólogos

2.4.1 Mecanismos de interação do imidacloprido com nAChRs

Segundo Beers e Reich (1970), o reconhecimento de um agonista (ou antagonista) pelos receptores nAChRs ocorre devido a uma interação coulombianaentre um centro de carga

positiva (átomo ou grupo funcional com carga positiva) localizado no agonista ou antagonista (por exemplo, a acetilcolina) e um centro de carga negativa ou aceptor de ligação de hidrogênio, posicionado a aproximadamente 5,9 Å de distância do centro de carga positiva.95

Yamamoto et al. (1962) afirmaram que a principal característica estrutural das moléculas de nicotinóides (nicotina e estruturas semelhantes) que os possibilitam ser reconhecidos pelo sítio ativo dos receptores de acetilcolina é o nitrogênio básico que se torna positivo devido à protonação, no corpo dos insetos, isso faz com que as estruturas dos nicotinóides se tornem semelhantes à estrutura da acetilcolina.96 O mecanismo de ligação dos nicotinóides está de acordo com o mecanismo genérico proposto por Beers e Reich (1970) para a acetilcolina e demais agonistas e antagonistas de nAChRs.95

Tomizawa e Yamamoto (1993) lançaram a hipótese de que o átomo de nitrogênio terciário do imidacloprido, localizado no anel imidazólico, tem carga parcial positiva devido ao efeito retirador de elétrons do grupo nitro; essa afirmativa também é válida para alguns compostos análogos ao imidacloprido, para mais detalhes, consultar o trabalho original de Tomizawa e Yamamoto, em que os autores investigam vinte compostos análogos ao imidacloprido.97 O nitrogênio parcialmente positivo desempenha o mesmo papel que o nitrogênio amônio protonado nos nicotinóides, durante a interação do imidacloprido com resíduos do receptor de acetilcolina nicotínico (nAChR). No imidacloprido, esse átomo de nitrogênio liga o grupo cloropiridíneo e metileno ao anel imidazólico. Tomizawa e Yamamoto (1993) postularam que o imidacloprido e compostos análogos deveriam ser denominados de neonicotinóides, com o objetivo de diferenciá-los dos compostos pertencentes à classe dos nicotinóides; conforme já afirmado, os nicotinóides possuem o nitrogênio com carga formal positiva devido à protonação, os neonicotinóides possuem o nitrogênio com carga parcial positiva devido à deslocalização de elétrons.97

Outra hipótese lançada por Tomizawa e Yamamoto (1993) foi que o imidacloprido (e demais neonicotinóides) deve compartilhar o mesmo sítio de ligação dos nicotinóides em nAChRs porque possuem o mesmo grupo funcional que é essencial para interação e relação estrutura-atividade (Structure-activity relashionships - SAR), ou seja, o grupo cloropiridíneo.97 Os resultados de Tomizawa et al. (2005) deram mais consistência a essa hipótese porque os autores verificaram que os neonicotinóides imidacloprido, nitenpiram e acetamiprido tiveram forte interação com nAChRs de insetos, enquanto os compostos iodeto de tetrametilamônio (TMA) e o composto 2-(Nitrometileno)-tetraidro-1,3-tiazina (NMTHT) tiveram pouca interação com os nAChRs de insetos; os compostos TMA e NMTHT são semelhantes aos nicotinóides e neonicotinóides, respectivamente, mas sem o grupo cloropiridíneo.98 Como será

visto mais adiante, outros trabalhos verificaram que o grupo nitro (ou análogo) e não o grupo cloropiridíneo é que tem o papel fundamental no reconhecimento molecular dos neonicotinóides, enquanto o grupo cloropiridíneo tem papel complementar.

Os resultados de Tomizawa et al. (1995) também mostraram que os nAChRs de vertebrados interagem mais efetivamente com nicotinóides do que com os neonicotinóides. Os autores concluíram que para a interação com nAChRs de insetos, é necessária a presença de um átomo doador de elétrons (por exemplo, o nitrogênio do grupo cloropiridíneo) no ligante para fazer uma ligação de hidrogênio com algum resíduo do receptor, em referência ao mecanismo geral proposto por Beers e Reich (1970).95 O átomo doador de elétrons deve estar localizado a 5,9 Å de um centro de carga formalmente positiva ou parcialmente positiva do ligante.98 Quanto a interação com nAChRs de vertebrados, ligantes que possuem o nitrogênio com carga formalmente positiva é preferível aos ligantes com nitrogênio com carga parcialmente positiva.98

A hipótese, lançada por Tomizawa e Yamamoto em 1993, de que o nitrogênio com carga parcial positiva dos neonicotinóides comporta-se de maneira semelhante ao nitrogênio protonado dos nicotinóides implica, em princípio, que os neonicotinóides possuem o mesmo mecanismo de interação dos nicotinóides. Yamamoto et al. (1995) mostraram por meio dos valores dos deslocamentos químicos encontrados por ressonância magnética nuclear (15N RMN) que o par de elétrons não compartilhado do átomo de nitrogênio terciário dos neonicotinóides são deslocalizados por um forte efeito retirador de elétrons dos grupos vizinhos. Yamamoto et al. (1995) afirmam que esse resultado confirma a hipótese de que o nitrogênio terciário dos neonicotinóides possuem carga parcial positiva.97,98

A partir da análise dos dados experimentais, Yamamoto et al. (1995) puderam propor um mecanismo de interação entre os nicotinóides e neonicotinóides com os receptores nAChRs de insetos (Figura 2.5) e de vertebrados (Figura 2.6).

Conforme Yamamoto et al. (1995), em insetos, os nAChRs estão distribuídos somente no sistema nervoso central (SNC). O imidacloprido, por ter baixa hidrofobicidade, não é afetivo em atravessar a cutícula dos insetos como faz o composto iônico nicotina (Figura 2.5).98 Isso explica o fato do imidacloprido ter menor atividade inseticida por aplicação tópica do que por aplicação por injeção.98,99 No pH fisiológico, o imidacloprido continua no estado neutro, logo, é mais efetivo em atravessar a barreira iônica do sistema nervoso central dos insetos. Já a nicotina tem seu equilíbrio deslocado no sentido do estado protonado, no pH fisiológico. Por essa razão, a nicotina é retida apreciavelmente pela barreira iônica e o acesso ao receptor é limitado, isso resulta em baixa atividade inseticida. No SNC, um resíduo com carga negativa

do receptor nAChR interage com o nitrogênio terciário e parcialmente positivo do imidacloprido, ou com o nitrogênio positivamente carregado da nicotina. Em outra interação, forma-se uma ligação de hidrogênio que envolve o par de elétrons do nitrogênio piridíneo do imidacloprido ou da nicotina com um hidrogênio do resíduo do receptor. Uma vez no SNC, o imidacloprido e também a nicotina experimentam forte interação com o receptor nAChR (Figura 2.5).98

Figura 2.5 - Ilustração do percurso da nicotina (ou outro nicotinóide) e imidacloprido (ou outro neonicotinóide) até o sistema nervoso central dos insetos, e mecanismo de interação com receptores de acetilcolina nicotínicos (nAChRs) de insetos.

Fonte: adaptada Yamamoto et al. (1995).98

Já nos vertebrados, os receptores nicotínicos estão presentes tanto no SNC quanto no sistema nervoso periférico (SNP). Os resultados experimentais mostraram que a interação do imidacloprido com os receptores nAChRs é fraca, quando comparada com a interação da nicotina.98 Tanto o imidacloprido quanto a nicotina tem acesso limitado aos nAChRs do SNC porque ambos são parcialmente retidos pela barreira hematoencefálica (Figura 2.6). Apesar disso, a nicotina tem alta toxicidade contra vertebrados porque interage fortemente com os nAChRs no sistema nervoso periférico, enquanto o imidacloprido tem interação fraca com esses

receptores.98 O mecanismo de interação do imidacloprido e da nicotina com o receptor, no SNC e SNP, é igual ao descrito no parágrafo anterior.

Figura 2.6 - Ilustração do percurso da nicotina (ou outro nicotinóide) e imidacloprido (ou outro neonicotinóide) até o sistema nervoso central e periférico de vertebrados, e mecanismo de interação com receptores de acetilcolina nicotínicos (nAChRs) de vertebrados.

Fonte: adaptada Yamamoto et al. (1995).98

Kagabu e Matsuno (1997) realizaram medidas de difração de raios-x do cristal do imidacloprido e de alguns compostos análogos.100 Ao considerar que os neonicotinóides interagem com os resíduos do receptor nAChR pelo mesmo mecanismo de interação da acetilcolina e dos nicotinóides, conforme explanado por Tomizawa et al. (1995), os autores encontraram a distância de 5,45 Å entre o centro de carga positiva (o nitrogênio terciário do anel imidazólico) e centro de carga negativa (o nitrogênio piridíneo) na estrutura do imidacloprido (Figura 2.7, a).98,100 Baseado nesse mecanismo, a interação ocorre entre o centro aniônico em um resíduo de aminoácido do receptor com um centro de carga positiva no átomo de nitrogênio terciário do anel imidazólico do imidacloprido. Ainda seguindo esse mecanismo, o átomo de nitrogênio piridíneo do imidacloprido age como aceptor de ligação de hidrogênio; os autores consideraram a superfície de Van der Waals do átomo de nitrogênio piridíneo.100

Figura 2.7 - Mecanismos de interação da acetilcolina (ligante endógeno), nicotinóides (exemplo, nicotina) e neonicotinóides (exemplo, imidacloprido) com resíduos de aminoácidos do receptor de acetilcolina nicotínico (nAChR). (a) interação da acetilcolina (topo) e nicotina (meio); mecanismo 1: interação do imidacloprido por meio do nitrogênio imidazólico e nitrogênio do grupo cloropiridíneo. (b) mecanismo 2: interação do imidacloprido (ou composto análogo) por meio do nitrogênio imidazólico e oxigênio (nitrogênio) do grupo nitro (ciano).

Fonte: adaptada de Kagabu e Matsuno (1997).100

Outra possibilidade de interação entre o imidacloprido e resíduos dos nAChRs foi proposta por Kagabu e Matsuno (1997).100 Nesse segundo mecanismo, a distância de 5,8 Å do centro de carga positiva do átomo de nitrogênio terciário do anel imidazólico do imidacloprido até a superfície de Van der Waals do átomo de oxigênio do grupo nitro é adequada para a interação (Figura 2.7, b).100 O átomo de oxigênio do grupo nitro possui pares de elétrons isolados, por isso, pode atuar como aceptor de próton em ligação de hidrogênio. Esse novo mecanismo foi considerado mais importante porque a atividade inseticida do imidacloprido foi mantida em compostos nos quais o grupo piridíneo foi trocado por outros grupos, por exemplo, fenil e tiazolil, ou seja, o grupo cloropiridíneo exerce uma função apenas complementar na interação.100–103

Tomizawa, Lee e Casida (2000) obtiveram por meio de ensaios experimentais que os neonicotinóides, cujas estruturas possuem os substituintes nitroimina (por exemplo, imidacloprido) ou cianoimina (exemplo, tiacloprido), são seletivos para receptores nAChRs de

insetos. Por sua vez, os nicotinóides que são estruturalmente semelhantes ao imidacloprido e tiacloprido, mas que possuem o nitrogênio não substituído, isto é, desnitroimidacloprido (DNIMI) e descianotiacloprido (DCTIA), e os nicotinóides nicotina e epibatidina são seletivos para receptores nAChRs de mamíferos; é importante lembrar que ambos os nicotinóides possuem cargas formalmente positivas.104

Tomizawa, Lee e Casida (2000) calcularam as cargas de Mulliken dos neonicotinóides imidacloprido (IMI), cianoimidacloprido (CNIMI), tiacloprido (TIA) e um análogo ao imidacloprido, denominado análogo nitrometileno (CHIMI).104 Também foram calculadas as cargas de Mulliken dos nicotinóides desnitroimidacloprido e descianotiacloprido; os autores usaram o método semi-empírico MNDO-PM3. Tomizawa, Lee e Casida (2000) obtiveram que as cargas do nitrogênio terciário dos neonicotinóides são ligeiramente positivas: IMI (+0,0315), CNIMI (+0,0129), TIA (+0,0118), CHIMI (+0,0355), enquanto que as cargas dos nitrogênios dos nicotinóides desnitroimidacloprido (-0,0063) e descianotiacloprido (-0,0076) são apenas ligeiramente negativas.104 Os autores concluíram que embora os grupos nitro e ciano sejam importantes para a deslocalização de elétrons por meio da conjugação dos orbitais nos grupos nitroimina ou cianoimina dos neonicotinóides, esses grupos não são suficientes para deixar a carga do nitrogênio terciário dos neonicotinóides consideravelmente positiva. Segundo os autores, não há relação entre a carga no átomo de nitrogênio terciário dos neonicotinóides e sua afinidade pelos receptores nicotínicos.104

Após a análise dos dados de afinidade dos neonicotinóides e nicotinóides por receptores nAChRs de insetos e vertebrados, e considerando os valores de cargas de Mulliken encontrados para o nitrogênio terciário de alguns neonicotinóides e nitrogênio amônio dos nicotinóides, Tomizawa, Lee e Casida (2000) propuseram um terceiro mecanismo de interação, segundo o qual a característica estrutural e eletrônica mais importante para o reconhecimento de um neonicotinóide por receptores nAChRs de insetos é a presença do grupo nitro ou grupo ciano, em vez da carga parcial positiva do nitrogênio terciário do imidacloprido (ou outro neonicotinóide).104 Tomizawa, Lee e Casida (2000) afirmam que o grupo carregado negativamente (nitro ou ciano) dos neonicotinóides interage com resíduos básicos, por exemplo, arginina (Arg), lisina (Lys) ou histidina (His); os autores denominaram a região do sítio ativo que contém esses resíduos básicos de subsítio catiônico (Figura 2.8, a). Os resíduos lisina e arginina foram encontradas no domínio de ligação extracelular (cadeia N-terminal), entre as posições 149-220 de subunidades , , ALS, D2, ARD e SBD de moscas-das-frutas. Também foram identificadas uma ou duas histidinas nessas subunidades.104

Figura 2.8 - Representação esquemática da interação entre o oxigênio do grupo nitro do imidacloprido e subsítio catiônico de nAChRs de insetos (a); o mesmo modo de interação ocorre com os demais neonitinóides. Reconhecimento molecular do nicotinóide desnitroimidacloprido por subsítios aniônicos em nAChRs de vertebrados: interação cátion-ânion (b) e cátion-π (c); esse mesmo modo de interação ocorre com os demais nicotinóides.

Fonte: adaptada de Tomizawa, Lee e Casida (2000).104

Quanto aos nicotinóides, Tomizawa, Lee e Casida (2000) relataram dois modos de interação entre o cátion imínio do inseticida desnitroimidacloprido (DNIMI) - ou o cátion amônio da nicotina ou epibatidina -, com resíduos aniônicos ou aromáticos (subsítio negativo) dos nAChRs de mamíferos (Figura 2.8, b).104 No primeiro modo, foi proposto que o grupo carboxílico dos resíduos aspartato (Asp) ou glutamato (Glu) interagem com o nitrogênio formalmente positivo dos nicotinóides, portanto, ocorre uma interação do tipo cátion-ânion (Figura 2.8, b1).104,105 Segundo os autores, os resíduos Asp e Glu foram encontrados em subunidade  e , na interface 1 e 1 de receptores de acetilcolina do músculo.79,104 O segundo modo de interação entre nicotinóides e nAChRs de mamíferos ocorre entre o cátion imínio (ou amônio) e elétrons π de resíduos aromáticos, por exemplo, triptofano (Trp) e tirosina (Tyr), ou seja, a interação é do tipo cátion-π (Figura 2.8, b2); os resíduos Trp e Tyr foram encontrados em subunidades 1.104,106 Os autores destacam que no caso da interação envolvendo o cátion amônio dos nicotinóides, o contato ocorre ao considerar a superfície de van der Waals.104

Matsuda et al. (2001) complementaram o mecanismo proposto por Tomizawa, Lee e Casida (2000).104,107 Eles sugeriram que o efeito retirador de elétrons do grupo nitro do imidacloprido poderia ser aumentado devido às ligações de hidrogênio entre os oxigênios do grupo nitro e resíduos com carga positiva em receptores de insetos, por exemplo, arginina e lisina, como havia sido proposto por Tomizawa, Lee e Casida.104,107 Os autores calcularam as cargas de Mulliken - pelo método semi-empírico PM3 - do imidacloprido, e também de resíduos com carga positiva que poderiam realizar ligações de hidrogênio com o grupo nitro. Os resultados mostram que o grupo nitro do imidacloprido se tornou 0,12e mais negativo, enquanto que os nitrogênios amina terciário (nitrogênio com carga parcial positiva) e o nitrogênio secundário do anel imidazólico se tornaram mais positivos em 0,11e e 0,05e, respectivamente.107 Segundo Matsuda et al. (2001), os novos valores de carga dos nitrogênios amina são comparáveis ao valor de carga do nitrogênio catiônico da acetilcolina, que é de +0,91e.107 Os autores também afirmam que outros resíduos aromáticos do receptor podem contribuir para a afinidade do imidacloprido por nAChRs de insetos, por exemplo, pela interação dos elétrons π desses resíduos conjugados e o nitrogênio parcialmente positivo do imidacloprido.105,107–109