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2 IMIDACLOPRIDO E O POTENCIAL RISCO ÀS ABELHAS

2.3 Medidas adotadas no Brasil para a proteção das abelhas

Desde o ano de 2012, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) começou a utilizar os conceitos e ferramentas que já foram desenvolvidos

em outros países e que são aplicados na avaliação ambiental dos agrotóxicos.52 Ainda em 2012, foi publicado o livro Efeitos dos agrotóxicos sobre as abelhas silvestres no Brasil: proposta

metodológica de acompanhamento, de autoria de Lima e Rocha.53

Lima e Rocha (2012, p.5) alertam para a intensificação da agricultura e o crescente uso de agrotóxicos (e outros produtos) na agricultura nos últimos anos, medidas necessárias para suprir a demanda pela alimentação:

A intensificação da agricultura, o uso de fertilizantes e de agrotóxicos, e a irrigação têm contribuído substancialmente para o aumento da produção de alimentos nos últimos 50 anos. Entretanto, muitas dessas contribuições e práticas ocorrem em detrimento da saúde humana e ambiental, e da manutenção da biodiversidade.53 Os autores também destacam a necessidade da criação de programas e ações que minimizem os efeitos causados pelo homem no ecossistema:

Elevar os níveis de qualidade ambiental por meio da implementação de programas e ações voltados para a redução do impacto negativo das atividades humanas sobre os meios físico, biológico e socioeconômico, com consequente melhora da qualidade de vida, constitui um dos maiores desafios do desenvolvimento brasileiro.53

Lima e Rocha afirmam que uma importante ferramenta de proteção, controle e conhecimento dos principais usos e destinos dessas substâncias no território brasileiro foi a Lei nº 7.802 de 1989.53 Entre as ferramentas de controle, Lima e Rocha destacam a necessidade de apresentação de estudos (por exemplo, ecotoxicológico) para a obtenção da concessão e do registro dos produtos.53 Outras medidas citadas por Lima e Rocha em 2012 e que atualmente estão sendo executadas pelo Ibama foram: a revisão e atualização dos estudos após o processo de registro - isso para que os avanços do conhecimento científico sejam incorporados pelo órgão ambiental -, o fortalecimento das ações de monitoramento ambiental e da implementação de atividades de análise de risco ambiental de agrotóxicos, a elaboração de manuais com procedimentos adequados e transparentes que possam ajudar na determinação e no acompanhamento dos efeitos causados por agrotóxicos nas abelhas silvestres e nos ecossistemas brasileiros.53

Em uma matéria publicada em sua página, em janeiro de 2017, o Ibama divulga que foi representado pela analista ambiental Rafaela Maciel Rebelo no 16th International Fresenius

Ecotox Conference - Aquatic and Terrestrial Ecotoxicology and Risk Management, realizado

em dezembro de 2016, na cidade de Mainz, Alemanha. O Fresenius Ecotox Conference reúne representantes da comunidade científica, do setor regulado e da Agência Europeia de Segurança Alimentar (EFSA), com o objetivo de debater os aspectos científicos e regulatórios de temas

como a segurança química, ecotoxicologia aquática e terrestre, assuntos relacionados com a saúde ambiental e proteção do consumidor.52

No 16th Fresenius Ecotox Conference, Rebelo apresentou os últimos avanços de dois grupos técnicos de trabalho (GTTs) que discutem a avaliação de riscos do uso de agrotóxicos no Brasil com o objetivo de produzir normas gerais sobre o tema. Além disso, os GGts também tiveram o papel de analisar as legislações internacionais, em especial a legislação europeia e norte-americana, com o objetivo de propor normas brasileiras sobre o risco do uso de agrotóxicos para organismos não alvo, e também com o objetivo de elaborar um manual que oriente a aplicação das normas.52

Segundo o Ibama, um dos GTTs, coordenado pela analista Rafaela Maciel Rebelo, é responsável por acompanhar os danos causados por agrotóxicos aos organismos aquáticos. O segundo grupo trata dos danos causados por agrotóxicos às abelhas. Esse grupo é coordenado pela analista Karina de Oliveira Cham, que participou do International Fresenius Ecotox

Conference em 2015.52 Quanto a proteção aos polinizadores, o órgão regulador diz que já existe

uma proposta de norma que foi submetida à consulta pública e que em breve será publicada. O Ibama destaca que embora os agrotóxicos sejam amplamente utilizados para proteger áreas cultivadas e prevenir pragas e doenças, podem causar poluição ambiental e efeitos adversos em organismos vivos. O instituto também reconhece que no caso de novos produtos a avaliação de riscos é feita durante a fase inicial de autorização para a comercialização. Contudo, para os neonicotinóides (por exemplo, o imidacloprido, a clotianidina e o tiametoxam) a avaliação de riscos também é feita na reavaliação dos ingredientes ativos das formulações. Os resultados até então obtidos permitiram que o Ibama encomendasse diversos estudos de campo para avaliar o efeito dos neonicotinóides na população de abelhas.52

Em 2017, o Ibama lançou o livro intitulado manual de avaliação de risco ambiental

de agrotóxicos para as abelhas.54 Cham et al. (2017) esclarecem que a avaliação de risco é o

processo que busca avaliar a probabilidade de um efeito ecológico adverso ocorrer ou estar ocorrendo como resultado da exposição a um ou mais agentes estressores. O agente estressor é o ingrediente ativo ou seu (s) resíduos (s) de degradação que potencialmente possa (m) causar o efeito adverso. Já o efeito adverso é a consequência da ação do agente estressor, por exemplo, a mudança na fisiologia, morfologia, crescimento, desenvolvimento, reprodução ou tempo de vida de um organismo, sistema ou população. Quando há o efeito adverso, as mudanças anteriormente descritas resultam na incapacidade funcional, ou incapacidade em compensar o estresse adicional, ou aumento na susceptibilidade a outras influências.54,55 Por exemplo, ao se

considerar os agrotóxicos como agentes estressores e as abelhas como organismos não alvo, um efeito adverso que pode ser verificado é a perda da capacidade navegacional, essa mudança gera dificuldade de alimentação, retorno para a colônia e consequentemente a morte do organismo.

O processo de avaliação do risco ambiental de agrotóxicos é usado para avaliar e organizar sistematicamente os dados, informações, pressupostos e incertezas que ajudem a entender e predizer quais as relações entre um estressor e seus efeitos ecológicos, possibilitando tomar as decisões necessárias a correção do problema.54

Cham et al. (2017) orientam sobre a as etapas a serem consideradas no processo de avaliação do risco. Segundo os autores, essas etapas são divididas da seguinte maneira: (a) formulação do problema ou admissão da hipótese do risco; (b) caracterização da exposição ou a quantidade do agente estressor presente no ambiente que esteja disponível para entrar em contato com organismos não alvo; (c) caracterização dos efeitos ou toxicidade. Por exemplo, ensaios experimentais (laboratoriais, semicampo e campo) em que se analisa a concentração do agrotóxico em um meio específico (CL50), ou então a dose letal (LD50) administrada, suficientes para matar 50% da população testada; (d) caracterização do risco, que pode ser quantificada pelo quociente de risco, ou seja, a razão entre a concentração ambiental estimada e o parâmetro de toxicidade (LD50, etc.). A concentração ambiental estimada pode ser obtida por cálculos ou modelos que simulam a quantidade de substância disponível após a aplicação por um método específico; (e) gerenciamento do risco, isto é, as medidas adotadas para minimizar o risco identificado na etapa de avaliação do risco. Exemplos de medidas que podem ser adotadas são redução da dosagem dos agrotóxicos, recomendações específicas de uso, restrição, aplicação por pessoal especializado, etc.54

A etapa de formulação do problema é o primeiro passo necessário para a estruturação do processo de avaliação do risco gerado pelos agrotóxicos. Nessa etapa, são definidos os objetivos de proteção gerais, isto é, o que se pretende proteger quando o uso de um agrotóxico é avaliado no meio ambiente. Conforme Cham et al. (2017), a definição dos objetivos gerais de proteção é uma etapa crítica na avaliação de risco ambiental. A partir dos objetivos gerais, que são genéricos e abrangentes, são derivados os objetivos de proteção específicos, os quais definem com maior precisão aquilo que se pretende proteger.54 Em suma, os objetivos específicos estão diretamente ligados aos procedimentos do processo de avaliação de risco, por exemplo, “a definição do que seja inaceitável quando se considera que há risco ou se o impacto vai ser significativo ou não, entre outras situações” (CHAM et al., 2017, p.22).54

No início de 2015, foi formado no Brasil um grupo técnico de trabalho (GTT) constituído por representantes da academia e do setor regulado com o objetivo de discutir os procedimentos a serem adotados para a avaliação do risco ambiental de agrotóxicos às abelhas. Esse grupo foi coordenado pelo Ibama e teve o apoio financeiro da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef).54 O primeiro documento produzido pelo GTT propôs os objetivos de proteção gerais, embasados na legislação brasileira. Segundo Cham et al. (2017), o documento final ainda está em processo de publicação.

O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 traz a seguinte garantia56:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Os parágrafos 1º ao 6º complementam o artigo 225. Quanto à temática em questão, destaca-se neste trabalho algumas especificidades que foram enumerados pelos incisos I, V e VII do parágrafo 1º do artigo 225 da Constituição Federal de 1988:

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (BRASIL, 1988).56

Cham et al. (2017) afirmam que o GTT considerou o Artigo 225 da Constituição Federal de 1988 e diversas leis ambientais federais relacionadas com esse tema, e concluíram que:

[...] a conservação da biodiversidade, a manutenção da função dos ecossistemas e seus processos ecológicos e a garantia dos serviços ambientais mantidos pela biodiversidade são objetivos gerais a serem perseguidos por ocasião da avaliação de risco ambiental do uso de produtos agrotóxicos no meio ambiente. Esses objetivos independem de qual organismo está sendo utilizado como indicador na avaliação de risco, ou seja, referem-se ao processo de avaliação de risco como um todo (CHAM et al., 2017, p.22).54

Visto que a Constituição Federal de 1988 e demais normas legais não mencionam de maneira específica a proteção aos organismos polinizadores, o GTT definiu a partir da análise da legislação ambiental brasileira o conceito de serviço ecossistêmico e propôs os objetivos de proteção gerais: “[...] (1) proteger os polinizadores e sua biodiversidade; (2) garantir os serviços ecossistêmicos fornecidos por eles, incluindo o serviço de polinização, a produção de produtos da colônia (mel, própolis, cera, etc.) e a provisão de recursos genéticos.”54 A partir dos objetivos gerais, o GTT descreve os objetivos de proteção específicos; para mais detalhes sobre esses

objetivos, consultar a obra manual de avaliação de risco ambiental de agrotóxicos para as

abelhas.54

Cham et al. (2017) trazem no manual de avaliação de risco ambiental de agrotóxicos

para as abelhas dois esquemas em forma de fluxograma que podem ser utilizados durante a

etapa de avaliação de risco.54 Um dos esquemas foi organizado para orientar o avaliador no processo de análise de risco mediante a aplicação de agrotóxicos nas folhas; o segundo, quando a aplicação do agrotóxico é feita no solo, tronco ou em tratamento de sementes. Além disso, diversas informações e orientações técnicas que são necessárias para a adequada avaliação do risco foram abordadas no manual.54

Em julho de 2017, o Ibama realizou em sua sede, em Brasília, o seminário interpretação da instrução normativa Ibama nº 02/17. O objetivo do evento foi divulgar e esclarecer os conceitos de avaliação de risco e quais os novos procedimentos de avaliação dos agrotóxicos alterados pela instrução normativa. O seminário teve aproximadamente sete horas de duração e encontra-se disponível na página do Ibama.57