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Convém dizer que estudos sobre transmissão patrimonial em assentamentos rurais no Brasil e na região Norte quase inexistem. Um fator para a produção restrita pode ser a peculiaridade das terras na região amazônica: a maior parte é ocupada pelo sistema de posse; outro fator é a problemática da herança em áreas de assentamentos rurais. No estatuto jurídico do lote, a terra ainda é uma concessão da política nacional de reforma agrária ao assentado.

Com efeito, a reprodução camponesa foi objeto de teorização de Bourdieu em Célibat et condition payanne (o celibato e a condição camponesa), de 1962. Ele analisou a crise de reprodução camponesa na região de Béarn, sudoeste da França, segundo o celibato masculino. As lógicas matrimoniais têm a função de garantir a sucessão hereditária da família sem comprometer o patrimônio. Dados os padrões sucessórios com base nas posições do filho solteiro na família, Bourdieu compreendeu que o celibato do primogênito colocava em risco a

reprodução social da família, que entra em crise, pois as expectativas são que este assume a posição de chefe da família quando os pais envelhecem.

A escolha do sucessor é baseada no costume local. O preferido é o primogênito, independentemente do sexo. Mas é o chefe da família que define o herdeiro para dar continuidade à exploração agrícola. Não quer dizer que há igualdade de gênero. Na sociedade estudada havia prioridade ao sexo masculino. A escolha do herdeiro não se dava pela hierarquia de nascimento. Herdeiro era o primeiro menino independente na posição de nascimento. Era instituída uma herdeira só nas famílias cuja prole era de meninas ou naquelas cujo filho homem já havia saído da propriedade quando da necessidade de atribuir herança. Bourdieu assinala que a preocupação das famílias era a continuidade da linhagem; logo, homens seriam administradores melhores para assumir os negócios da fazenda.

As regras do intercâmbio de casamentos têm a função primária de garantir a manutenção e transmissão do patrimônio na sua integralidade. O sistema de primogenitura, nesse caso, não é só um direito de propriedade, mas o dever de “agir como proprietário” ou como “futuro proprietário”, preservando o nome da família: capital simbólico valorizado em Bearne. O primogênito deve ter virtudes de um “homem de honra”: generosidade, hospitalidade, sentido de dignidade para herdar o nome e a reputação da propriedade familiar.24

As regras de sucessão seguiam dois aspectos: leis e “costume”. A lei garante o direito real de uma parte da herança a todos os herdeiros e que qualquer um pode assumir a propriedade. Entretanto, como é “costume” dar primazia e supremacia aos homens, de preferência o primogênito25 tem o dever moral de gerir os assuntos da família e garantir a

manutenção da terra. “Assim, a lógica de casamento é dominada por um propósito essencial, a preservação do patrimônio” (BOURDIEU, 1962, p. 39). Esta opera por dois princípios fundamentais: filho mais velho versus filho mais novo, casamento de baixo para cima versus união de cima para baixo. O ponto de corte da lógica desse sistema econômico26 são a

24 Na análise de Bourdieu (1962), quando o herdeiro não as possui, perde a posição social para não desonrar a

família.

25 A lógica econômica do casamento é estabelecer união com pessoas do mesmo nível social e posição

econômica, mas em casos de uniões assimétricas o herdeiro deve evitar se casar com mulher com condição nível superior a sua — para não ameaçar o controle do patrimônio nem a balança das relações domésticas. A mãe não tem de se submeter à autoridade da nora — ou com uma mulher de “nível mais baixo” — para não desonrar a família. Mas se uma mulher de “nível mais alto” casa-se com homem em posição inferior, este casamento é reprovado em nome da honra, ética e moral dos homens, pois este fica em situação de distância social (BOURDIEU, 1962, p. 43–5).

26 No artigo “Les estratégies matrimoniales dans le systéme des stratégies de reproduction” (1972), Bourdieu

reviu o material de campo e substituiu o termo lógica de intercâmbios matrimoniais por estratégias matrimoniais. Ele rompe com o paradigma estruturalista para analisar o habitus como “teoria da prática”.

classificação do tamanho da casa das propriedades (maison “grande” ou “pequena”) e a relação entre os sexos (o homem é preferido para gestão do negócio familiar e a vida social).

Nessa estratégia matrimonial, os casamentos tendem a se situarem entre famílias equivalentes em termos econômicos e funcionar com máximo rigor e simplicidade. Os pais do herdeiro ou da herdeira estabelecem para estes e para os parentes do jovem ou da jovem um dote, e este ou esta abandonam o direito sobre o patrimônio.27 A compensação dos outros

herdeiros (filhos e filhas) pode ser em moeda no valor equivalente à parte da terra e ao dote quando se casam. É ônus da família e deve contribuir para pagamento dos dotes dos irmãos do herdeiro que não ficaram com a terra.

O dote é definido por um cálculo matemático e pelas reivindicações do beneficiário. A família do futuro cônjuge pode reivindicar o dote conforme o tamanho da propriedade. Como bens e direito são escassos, o dote pode ser pago mediante terras, valores equivalentes ou enxovais. Os mais novos têm de se contentarem com o dote ou sair para procurar empregos (em dado lugar, em outra cidade, outro país) ou permanecer solteiros trabalhando como empregado da família ou para outras propriedades. Quanto mais pobre a família, mais dificuldades se apresentam para os mais jovens.

Essas estratégias matrimoniais têm uma autonomia relativa e não são iguais entre homens e mulheres. Colocam o primogênito no dever moral de salvaguardar o patrimônio e a posição social da família, subordinando-o ao controle dos pais e aos interesses dos irmãos. Logo, a escolha do cônjuge está relacionada com o interesse do grupo familiar, e não com suas vontades individuais. Isso gera o entrelaçamento das necessidades econômicas com imperativos culturais que precisam de certas estratégias compatíveis com os aspectos legais (direito de nascença, regra de equivalência do patrimônio) relativos à herança.

Bourdieu (1962) salienta as estratégias matrimoniais que operam como jogo social que definem as regras de casamento. Entretanto, esse sistema não funciona como mecanismo fixo. Mesmo com o rigor e a preferência pelo primogênito, há sempre espaço para interesses pessoais e afeições. Os indivíduos jogam dentro dos limites das regras. O modelo construído não necessariamente significa que será feito; mas tende a contrabalanças entre as lógicas econômicas e os interesses pessoais.

O costume sucessório tem como regra fundamental a base econômica da família, a indivisibilidade do patrimônio e a continuidade da linhagem, que se deve manter através de gerações. Bens móveis e imóveis devem permanecer na família, que é entidade coletiva para a

qual cada membro tem de fazer uma quota de sacrifício, subordinar seus interesses e sentimentos à maison: à propriedade sobre a qual a “tradição” e todo o sistema de matrimonio estão organizados.

A sucessão hereditária no caso estudado por Bourdieu, abalizado pelas estratégias matrimoniais — acordo econômico e social efetuado pela tradição —, começa a se alterar na ordem social. Provocado pelo aumento da escolarização e pela influência de novas ideias, o afrouxamento dos laços sociais tradicionais na década de 60 gerou perspectivas de melhorias sociais para as filhas no meio urbano, a negação de valores e da vida rural, a recusa a se casar com homens do campo. Daí o aumento no celibato masculino. Quando o primogênito permanece solteiro, a sucessão entra em crise, e o sistema de transmissão do patrimônio é afetado. Pode ser o anúncio do fim da linhagem, pois a família fica em situação de ruína.

Bourdieu analisa que o novo sistema de intercâmbio matrimonial estava sendo reestruturado em novos princípios, a exemplo da oposição entre citadino e camponês. O modelo e os ideais urbanos invadiram o mundo campesino, em especial entre as mulheres, que se recusavam a viver o estilo de vida que conheciam e por ser excluídas dos casamentos de cima para baixo (distância social). Na lógica das trocas matrimoniais, elas circulam de baixo para cima. Para elas a cidade representa a esperanças de emancipação.

Quando as categorias urbanas de julgamento penetraram no mundo rural de Bearne, geraram o choque cultural entre campo e cidade e a consequente desvalorização dos jovens e sua posição social. Além de gerar uma imagem desvalorizada que os outros formaram de si com base em categorias urbanas, o distanciamento social entre camponeses e moradores das cidades levou o camponês a adotar uma atitude introvertida: de vergonha de si, de suas vestes, de sua forma de falar e andar, de suas maneiras “sem-jeito”. Atitude produzida por relações sociais marcadas pela segregação sexual, pelo retraimento e pela repressão do compartilhamento das emoções. Foi arrastado à condição de solteiro (BOURDIEU, 2006a). Para Bourdieu, não há forma mais suprema de dominação simbólica do que a vergonha de si. Com a expropriação material, que é quando os agentes sociais passam a criar categorias de julgamento de si pelo olhar de estranhos, eles são privados do poder de definir sua própria identidade. O ajuste inconsciente das estruturas subjetivas às estruturas objetivas os impede de compreender a lógica sutil da violência simbólica que se instaura na relação com seus corpos e os jogos sociais em que estão imersos (BOURDIEU, 2004a).

Embora as análises de Bourdieu sobre o campesinato realcem a dominação ideológica, e não a resistência, oferecem um modelo teórico conceitual importante para entender o mundo social camponês; entender as relações de objetividade e subjetividade nos

processos sociais que engendram estratégias de reprodução social e definem posições sociais ocupadas no espaço social do campo.

A seu turno, Patrick Champagne (1986), no texto “La reproduction de l’identité”,28

pesquisou o processo de transformações econômicas na região agrícola de La Bresse Saône- et-Loire, demonstrando que as mudanças técnico-produtivas imputaram modificações socioculturais profundas no mundo agrícola. Sua pesquisa deu ênfase ao peso dos mecanismos de dominação simbólica que geraram a crise na transmissão da herança. Houve crise nas formas de reprodução do campesinato. As mutações acarretaram uma crise dupla de reprodução: a crise da técnica e da economia, com a disseminação da revolução tecnológica na agricultura; e a crise das estratégias de reprodução endofamiliar, com as lógicas de matrimônio e sucessão patrimonial e profissional.

A região de La Bresse era dominada pelo sistema de policultura e estava em isolamento relativo. A partir da década de 70, houve um processo acelerado de modernização da agricultura: mecanização, especialização em produção do leite, aumento da produtividade das culturas com uso de fertilizantes, drenagem de solo etc.; ou seja, houve redução acentuada do número de propriedades e desvalorização do espaço rural. Para explicar o desinteresse entre as gerações mais jovens pela atividade de agricultor, Champagne centra-se na análise do “alargamento do espaço social” associada às alterações demográficas observadas no campo: migração gradual, isolamento e envelhecimento da população. Ocorre a reconfiguração progressiva da vocação desses espaços e de seus agentes sociais; ou seja, uma crise de identidade.

Esses processos de configuração capitalista no campo, norteados pelo enfoque empresarial e orientados para fins econômicos e de desenvolvimento tecnológico, confrontaram-se com a lógica familiar camponesa. O resultado do choque incluiu mudanças no sistema de necessidades sociais da população. Houve transformação no estilo de vida, gerada pela expansão da exploração agrícola que carrega uma renda monetária mais significativa (vai além da autossuficiência) e pelo uso de menos tempo exclusivamente ao trabalho agrícola.29

Embora as questões econômicas fossem importantes para entender a migração dos filhos para fora da agricultura, o não acesso à profissão de agricultor ajuda a entender a crise

28 O artigo “La reproduction de l’identité” (a reprodução da identidade) compõe um conjunto de textos

publicados por Champagne entre 1975 e 1985 e reunidos no livro L’héritage refuse. La crise de la reproduction

sociale de la paysanneire em France (1950–2000), em 2002.

29 Champagne observou mudanças de atitude entre agricultores quanto a seus jardins e quintais, que tinham uma

função econômica essencial na produção de produtos que não podiam comprar. Passaram a ser utilizados para plantações ornamentais, de valores estéticos.

de sucessão camponesa. Para Champagne, a crise da identidade rural deflagrada estava relacionada com a dimensão da propriedade e a possibilidade de encontrar sucessor que assegurasse a manutenção da terra e da produção, além da reprodução social da família. O herdeiro do patrimônio material e cultural familiar apreende o saber-fazer camponês (métier do agricultor) através de um processo de socialização profundo no seio da família que compartilha seus conhecimentos na objetivação das atividades de exploração familiar. Tal processo foi definido por Champagne como “endorreprodução”.

Apesar das transformações capitalistas nas regiões rurais, a lógica econômica tem de lidar com a lógica familiar de transmissão dos saberes para recrutamento social dos agricultores. O recrutamento familiar continua a ser uma propriedade específica do mundo agrícola diferente de outras categorias ocupacionais. Mas a manutenção desse recrutamento familiar para a profissão de agricultor ainda passa pelas estratégias de reprodução engendradas pela família.

Champagne salienta a especificidade do setor agrícola. Deve-se levar em conta o fato de que poucas crianças de outro grupo social querem ou podem executar essa atividade. Em parte, porque é socialmente estigmatizada ou negada; em parte, porque o acesso à agricultura é, econômica e materialmente, mais seletivo do que outras ocupações profissionais e é quase interditado aos que não são dessa área. Tornar-se agricultor exige certa aprendizagem “prática” por familiarização lenta.30 Requer outra condição essencial:

apropriação de terras agrícolas. A estabilidade no recrutamento endofamiliar dos agricultores acarreta o fechamento do acesso à terra, limita a entrada de grupos de proprietários, institui um tipo de numerus clausus para entrar na profissão de agricultor. Numa palavra, instalar-se nesse setor supõe ocupar terras, alugando ou possuindo.

A retomada do ofício exercido pelos pais não tem o mesmo sentido de acordo com as outras profissões. Sobre a escolha de uma profissão nas famílias camponesas, Champagne entende que passa por um processo simbólico. Existe um patrimônio — a terra — que precisa ser preservado e há a necessidade de um herdeiro. Tomar posse da exploração agrícola familiar representa proteger o bem patrimonial e perpetuar a família. A responsabilidade familiar é inerente ao camponês: “preservar a família” é o “ponto de honra” e envolve o desenvolvimento de arranjos para transmitir o patrimônio da propriedade e garantir que não

30 Champagne referencia sua análise sobre a aprendizagem da profissão de agricultor com base nos estudos de

Claude Reboul, “L’apprentissage familial des métiers de l’agriculture”. Actes de la recherche em sciences

herdeiros possam ser assegurados de outras formas (com dote e pagamento em dinheiro, por exemplo).

Nesse processo de sucessão pode haver dúvidas ou rejeição na aceitação da herança da propriedade e profissão de agricultor. É o precedente da “herança recusada”. Um herdeiro pode querer tomar o lugar do pai e assegurar a continuidade da propriedade familiar, definida como “retomada desejada”. Filhos mais novos, porém, podem achar que a operação não é “válida” — daí que a recuperação da exploração agrícola pode ser vista como dever familiar, sacrifício; também podem ficar no trabalho agrícola por “falta do melhor”, pela ausência de outras oportunidades, indústrias locais ou possibilidade de migração, por exemplo. Reduz-se a agricultura a única saída para filhos de agricultores.

A crise na reprodução do campesinato pode agravar-se além da dificuldade de encontrar um sucessor para a exploração familiar, da ausência ou do número elevado de filhos ou ainda da variação de gênero. As possibilidades aumentam quando a família tem, pelo menos, um filho homem (mais próximo das atividades agrícolas), pois as mulheres tendem a deixar o campo. Segundo Champagne, as novas dinâmicas demográficas produziram desafios à reprodução da identidade camponesa e gestão de estratégias de reprodução familiar provocadas pelo alargamento do espaço social, que gerou rupturas na homogeneidade das sociedades rurais.

Até os anos 60, a família camponesa conseguia controlar firmemente seus membros. Impunha valores, estilo de vida, sua definição de excelência profissional, sua visão de mundo e de futuro. A crise da reprodução do campesinato francês surge da entrada progressiva de novas configurações no espaço agrário, por conta da imposição da lógica de mercado e da inserção de grupos sociais diversificados ocupando posições desiguais e gerando uma heterogeneidade social. Ao mesmo tempo, aumenta a escolarização fora do espaço rural (antes estrita ao espaço da aldeia e região). Esse aumento mexeu nas crenças familiares porque gerou novas referências culturais. Com sua depreciação do mundo rural francês mediante a ação reguladora, classificatória e validativa de suas políticas agrícolas, a posição do Estado desqualificou os camponeses como produção de “subsistência/pouco produtivos”; os excluiu dos processos de desenvolvimento do campo.

Ainda segundo Champagne, nesse cenário de alargamento e integração dos espaços rural e urbano, novas referências exteriores afetam as representações e percepções dos mais novos sobre seu modo de vida. A confrontação entre a visão de mundo camponês e os valores urbanos enfraquece a socialização familiar, acentua a crise de sucessão e a reprodução socioeconômica das famílias rurais, altera valores materiais e simbólicos da terra.

A morfologia do grupo social modificada pela saída permanente ou provisória dos membros do grupo familiar — empurrados pela crise estrutural do setor agrícola ou pela falta de capital para tornar as explorações agrícolas rentáveis e tecnicamente estruturadas; a obrigação moral de ficar no estabelecimento para cuidar dos pais; a falta de espaço na terra para todos e de perspectiva de trabalho; a dilatação da escolaridade: tudo isso induziu à desestruturação da transmissão da terra como meio material de existência e vocação.

A obrigatoriedade da continuidade da escolarização contribui para afastar os filhos do campo e diminui o controle social e cultural da família. A escola passou a exercer um papel central no percurso dos que estão fora da unidade agrícola por mais horas do dia. Enfraquece-se a socialização familiar. Desvalorizam-se os saberes tradicionais e o modo de transmissão familiar de conhecimentos pela impregnação lenta. Ficam em risco a reprodução identidade e a posição social das famílias camponesas no interior do espaço social e na sociedade circundante.

Champagne observou consequências mais visíveis do esvaziamento do campo, da crise e da reprodução do campesinato: o envelhecimento e a estagnação das aldeias, a regressão demográfica, o declínio e o isolamento das comunidades rurais, o investimento baixo em infraestrutura na região, a acentuação da pobreza e o sentimento de vergonha para os que ficam no campo. A crise da reprodução do campesinato tradicional — diz Champagne — permitiu inserir uma das condições tácitas: “[...] a crença no valor da posição de reproduzir-se” (p. 8); o sucesso de qualquer reprodução social estaria na capacidade de reprodução da ideia do valor da terra e de que vale a pena se reproduzir como mecanismo de reconversão simbólica que permite ao “[...] camponês [se] reproduzir como camponês”.

Um dos truques da dominação simbólica da classe dominante é definir a identidade social dos dominados. Os dominados tendem a adotar o ponto de vista que os outros têm sobre eles. Para esse autor, a identidade social traduz a vontade simbólica do agente de ser reconhecido e afirmar a dignidade do lugar que ocupa no mundo social. A identidade social do camponês é definida pela sua atividade ocupacional, e o grupo social a percebe segundo seus próprios critérios. Como diz Champagne, “[...] quando os agricultores praticar também autoconsumo (e produção independente) no campo cultural e autossuficiência cultural [...]”, eles “[...] poderão dominar a definição de sua identidade social” (p. 59). Essa reflexão foi apontada por Bourdieu (2004b, p. 225), no texto “Post- Scriptum: une clase objet”, sobre a necessidade dos campesinos de ser capazes de elaborar um contradiscurso para se constituírem como sujeitos de sua verdade e deixar de ser uma “classe objeto”.

As tensões entre gerações e as discrepâncias entre os “desejos” das famílias e a “escolha” ou o “querer” dos filhos sobre seu futuro profissional transformam os mecanismos de reprodução social em crise familiar em razão das diferenças de expectativas e dos projetos de vida intergeracionais. Entretanto, Champagne analisa que a crise na sucessão da vocação de agricultor operou, entre os camponeses de Bresse, o reequacionamento das estratégias de reprodução social e a defesa da identidade rural. Os que permaneceram no campo ou retomaram a terra — via “migração de retorno” — driblaram as dificuldades econômicas, sociais e culturais em defesa da atividade agrícola como não muito fácil de desenvolver; “[...] não é trabalho como outro qualquer [...]”: para ser agricultor, “você tem que nascer”, é preciso