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Na sala de aula, o docente, por meio de suas ações, pode criar possibilidades para que os estudantes se tornem conhecedores de um determinado objeto de estudo. Nesse senti-do, a literatura da área de Linguagem e Ensino de Ciências ressalta o papel do professor para mediar e promover práticas epistêmicas coerentes com o conhecimento e os modos de fazer da ciência (MORTIMER; SCOTT, 2002; CAPECCHI; CARVALHO; SILVA., 2002; DE CHIARO; LEITÃO, 2005; LIDAR; LUNDQVIST; ÖSTMAN, 2005; CAPECCHI; CARVALHO, 2006; MCNEILL; KRAJCIK; 2008; MACHADO; SASSERON, 2012; VALLE, 2014; SILVA, 2015).

Interessados em investigar as ações do professor e as práticas dos estudantes em sala de aula, Lidar, Lundqvist e Östman (2005) elaboraram categorias de análise. Para os autores, “[...] a maneira com a qual o professor dá aos estudantes direções que expõem aquilo que conta como conhecimento e as maneiras apropriadas de obter o conhecimento [...]” (p. 149) em uma prática social específica é denominada de movimento epistemológico (epistemologi-cal moves). Os movimentos epistemológicos foram categorizados por Lidar, Lundqvist e Östman (2005) e podem ser observados na Figura 2.

Figura 2 - Os movimentos epistemológicos e seus respectivos descritores Movimento

epistemológico

Descrição

Confirmação “Confirma que os alunos estão reconhecendo o fenômeno e eventos certos, ou confir-ma que os alunos estão fazendo um experimento válido, concordando com o que os alunos dizem ou fazem.” (p. 159).

Reconstrução “Faz os alunos se atentarem para que os "fatos" já observados, mas não percebidos como válidos, são importantes para reconhecer e para anotar.” (p. 159).

Instrução “Dá aos alunos uma instrução direta e concreta sobre como agir para ver o que é importante notar. Em outras palavras, o que os alunos precisam fazer para encontrar a solução.” (p. 159).

Gerador “Permite aos estudantes produzirem explicações; o professor sintetiza os fatos impor-tantes do experimento que merecem atenção.” (p. 159).

Reorientação “Salienta que pode haver outras propriedades importantes a serem investigadas. Isso demanda que os alunos podem tomar outra direção em relação àquela em que come-çaram.” (p. 159).

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Os movimentos epistemológicos foram associados a epistemologia prática dos estu-dantes. Estas são entendidas como “a descrição pelos próprios estudantes, em suas práticas, do que contam como conhecimento relevante, e o que eles contam como meio relevante para alcançar esse conhecimento.” (LIDAR, LINDVIST e ÖSTMAN, 2005, p. 149). Com os mo-vimentos epistemológicos e a epistemologia prática, os autores almejavam compreender como professores e estudantes em interação constroem significados.

Inspirada nestes referenciais, Silva (2011, 2015) propõe os movimentos epistêmicos. Estes dizem respeito “[...] às intervenções do professor nas atividades investigativas de um grupo de alunos, que podem ser percebidas como questionamentos, sugestões e orientações significativas para o seu avanço intelectual, favorecendo a adoção de determinadas práticas epistêmicas.” (p. 73). Nesse sentido, os movimentos epistêmicos são ações do professor no processo de mediação do conhecimento que favorecem o desenvolvimento de práticas epistê-micas. Estas são entendidas como atividades sociais que envolvem a produção, a comunica-ção e a avaliacomunica-ção do conhecimento (KELLY; DUSCHL, 2002; SANDOVAL, MORRISON, 2003; SANDOVAL; REISER, 2004; JIMÉNEZ-ALEIXANDRE et al., 2008). Os movimen-tos epistêmicos e suas respectivas descrições podem ser observados na Figura 3.

Figura 3 – Os movimentos epistêmicos e seus descritores Movimento

epistêmico

Descrição

Elaboração “corresponde às ações do professor que possibilitam aos alunos, em geral por meio de questionamentos, construir um olhar inicial sobre o fenômeno. São os questionamentos expressos nos roteiros de atividade ou mesmo proferidos oralmente pelo professor, os quais geram espaço para que os alunos reflitam segundo determinada perspectiva e expo-nham seus pontos de vista sobre os objetos e os eventos investigados.” (p. 73 – 74). Reelaboração “corresponde às ações do professor que instigam os alunos, por questionamentos ou

bre-ves afirmações, a observarem aspectos desconsiderados ou a trazerem à tona novas idei-as, favorecendo uma modificação ou uma problematização do pensamento inicial apresen-tado.” (p. 74).

Instrução “quando o professor apresenta explicitamente novas informações para os alunos.” (p. 74). Confirmação “quando o professor concorda com as ideias apresentadas pelos alunos e/ou permite que

eles executem determinados procedimentos planejados.” (p. 74).

Correção “quando o professor corrige explicitamente as afirmações e os procedimentos dos alu-nos.” (p. 74).

Síntese “quando o professor explicita as principais ideias alcançadas pelos alunos.” (p. 74). Compreensão “quando o professor busca apenas compreender por meio de questionamentos

determina-dos procedimentos e ideias apresentadas pelos alunos.” (p. 74). Fonte: Silva (2015).

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Silva (2011, 2015) considera como práticas epistêmicas aquelas apresentadas por Jimènez-Aleixandre et al. (2008). Observamos na literatura artigos e trabalhos apresentados em congressos que associam os movimentos epistêmicos do professor com a promoção de práticas epistêmicas nos estudantes (SILVA, 2011; FRANÇA; NUNES; FREIRE, 2012; NASCIMENTO; SILVA; FRANÇA, 2012; SILVA et al., 2012; VALLE, 2013; BORGES; SILVA; NASCIMENTO, 2014; SILVA, 2015; RATZ; MOTOKANE, 2016).

Silva (2011; 2015), ao identificar os movimentos epistêmicos e a relação destes com as práticas epistêmicas5, elucida que as intervenções do professor promovem o desenvolvi-mento destas em investigações feitas pelos estudantes em sala de aula. A autora aponta ainda que os movimentos epistêmicos favoreceram a compreensão de aspectos da Natureza da Ci-ência e o processo de evolução conceitual. Nos dois estudos, a autora identificou que os mo-vimentos epistêmicos mudam ao decorrer de uma sequência de ensino e apresentam percentu-ais distintos, sendo elaboração e reelaboração os mpercentu-ais frequentes (SILVA, 2011; 2015). Con-tudo, a autora destaca que os outros movimentos epistêmicos (instrução, confirmação, corre-ção e síntese), “[...] foram também relevantes, no sentido de proporcionar o avanço de ideias dos alunos e a configuração de determinadas práticas epistêmicas.” (SILVA, 2015, p. 89).

Valle (2013) ao analisar uma sequência didática de ecologia verificou

[...] uma relação cíclica em relação à tipologia de movimentos conferindo um ritmo para as interações. A professora realiza movimentos epistêmicos de elaboração – Confirmação, e caso a resposta seja correta e suficiente, passa a uma nova elabo-ração. Caso contrário, ocorre a sequencia elaboração – reelaboração – Confirma-ção, em que a professora requisita que os alunos refaçam suas explicações e, caso estejam corretas, há o movimento de Confirmação para poder dar continuidade a aula. Ao final de uma sequencia de movimentos de elaboração – Confirmação, em que fatores são elencados pelos alunos em relação a um determinado conceito, a professora faz o movimento epistêmico de Síntese para mudar para outro conceito

(p. 1683).

Dessa forma, os movimentos epistêmicos auxiliaram a compreender o rítmo de inter-venções de um professor durante a aula (VALLE, 2013). Segundo Silva (2011), pesquisas desse cunho contribuem para compreensão dos movimentos epistêmicos no discurso/ação durante atividades investigativas, e isto pode contribuir para o desenvolvimento de aulas fun-damentadas nas ações do professor que são mais propensas à auxiliar a apropriação de práti-cas epistêmipráti-cas pelos estudantes.

5 Práticas epistêmicas são práticas sociais, ações padronizadas de um grupo de indivíduos relacionadas a produ-ção do conhecimento. Este grupo partilha valores, intenções, expectativas e instrumentos culturais. Dessa forma, as práticas epistêmicas direcionam-se as interações discursivas na construção do conhecimento (KELLY, 2005).

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Compreendendo a argumentação como uma prática epistêmica. Ratz e Motokane (2016), ao investigar a relação dos movimentos epistêmicos com a construção de dados em uma Sequência Didática Investigativa (SDI) (MOTOKANE, 2015), também constataram va-riações nos tipos de movimentos epistêmicos de um episódio para outro. Segundo os autores, fatores como a complexidade dos suportes teóricos que sustentam o material didático forneci-do aos estudantes podem interferir no número e na qualidade de movimentos epistêmicos uti-lizados por um professor. No contexto específico da pesquisa, os dados fornecidos aos estu-dantes não se configuraram como dados do argumento automaticamente. A condução da ati-vidade de ensino realizada pelo professor foi crucial para que estes passassem a ter significa-do na construção significa-do argumento.

Com o exposto, consideramos que os movimentos epistêmicos propostos por Silva (2011; 2015) é uma ferramenta analítica viável para analisar ações do professor que favore-cem o desenvolvimento de práticas epistêmicas nos estudantes, tais como a argumentação. Dessa forma, na presente pesquisa, os escolhemos como categorias de análise para investigar as intervenções de uma professora universitária que favorecem a construção de argumentos escritos em uma produção escrita.

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