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Mediação: link de acesso ao mundo interior e exterior

Com base na definição de Lalande (1993) - mais conhecido como o Vocabulário técnico e crítico da filosofia; o termo mediar sob a perspectiva da lógica implica ocupar duas funções complementares, quais sejam: dar condições para que algo ocorra e modelar uma relação. Por exemplo: se A = B e B = C, então A = C. Têm-se, então, duas formas de mediação, ou seja, mediação no sentido de A (como modelo e referência) e mediação no sentido de B (como condição ou facilitação).

Como condição, a mediação permite, favorece, possibilita, sustenta, sendo assim permissiva e transitiva. Nesse caso, mediação refere-se à ”ação de servir de intermediário, no sentido B, entre dois termos ou seres (considerados como dados, independentemente dessa ação)”. (LARANDE, 1993, p. 656).

No caso aqui em estudo ter-se-ia: A = Jovens; B = Games (Avatar) e C = Identidade e Subjetividade. Ocupando uma função transitiva, B, ou seja, os games seriam elementos que estabeleçam uma conexão, ou aproxima A de C. Essa ação mediadora de B é considerada: 1) produtora da relação lógica entre A e C ou 2) condição de sua produção. Desta forma, em Lalande (1993, p. 657) “Servir de mediação, sobretudo no sentido B, é oferecer, ser meio de um fim ou a condição de um efeito”.

De modo geral, quando as pessoas referem-se à palavra mediação, entendem-na com o sentido de intermediar ou intervir em alguma coisa. E assim, desde as mais remotas invenções que variam das utilidades domésticas até os grandes avanços tecnológicos utilizados pela ciência de modo geral, todas as criações humanas constituem meios, instrumentos mediadores entre o homem e seus objetivos. Epistemologicamente, o entendimento sobre o significado de mediação difere bastante. Do ponto de vista vygotskyano, os homens produzem instrumentos para realização de tarefas específicas e são capazes de conservá-los para uso posterior, preservando e transmitindo sua função a outros membros de seu grupo que posteriormente aperfeiçoam antigos instrumentos atualizando-os ou criando novos.

Sob o enfoque do materialismo, a mediação é considerada um os instrumentos decisivos na estrutura e na gênese das atividades de trabalho, posto que, são os instrumentos que se colocam entre os sujeitos e os produtos destas atividades, exercendo, portanto a função mediadora. De acordo com os pressupostos teórico-metodológicos de Karl Marx mediação é “uma categoria ontológica e histórica que expressa as relações sociais existentes a partir dessa relação. É por meio das mediações que o conhecimento sobre a essência das coisas pode ser atingido. (SILVA, 2004, p.4)”.

Uma ideia central na teoria vygotskyana para a compreensão de suas concepções sobre a constituição do sujeito como processo sócio-histórico é a ideia de mediação. Ele enfatiza que a construção do conhecimento é uma interação mediada por várias relações, ou seja, o conhecimento não está sendo visto como uma ação do sujeito sobre a realidade, e sim, pela mediação feita por outro sujeito. Nesse sentido, Vygotsky distinguiu dois tipos de mediadores: os instrumentos (no sentido de regular as ações sobre os objetos) e os signos (criado para regular as ações sobre o psiquismo).

A hipótese de Vygotsky prevê que no plano mental existam construtos que exercem funções mediadoras nessas atividades, chamados por ele de ferramentas psicológicas, ou ainda ferramentas culturais na concepção da ação mediada. A mediação caracteriza a relação do homem com o mundo e com os outros homens. É por meio desse processo que as funções psicológicas superiores, especificamente humanas se desenvolvem. Dois elementos básicos responsáveis pela mediação: Instrumento - que tem a função de regular as ações sobre os objetos e Signo – que revela as ações sobre o psiquismo das pessoas (objeto, figura, forma, fenômeno, gesto ou som – representa algo diferente de si mesmo). Exemplo: no código de trânsito a cor vermelha significa parar, ou seja, enquanto signo atua sobre o motorista ou pedestre que compartilham a cultura do trânsito.

Desta forma, a relação entre homem e meio é sempre mediada por produtos culturais humanos, como o instrumento e o signo, e pelo outro. O signo como instrumento psicológico, é utilizado pelo homem para representar algo, para tornar presente algo que está ausente.

Vygosky defendeu que a ação do homem no mundo tem efeitos físicos de mudanças sobre o mundo além de efeitos psicológicos sobre o ele mesmo. Desta forma, os Processos Psicológicos Superiores (PPS) ou Processos Cognitivos se desenvolvem durante a vida de um indivíduo a partir da sua participação em situações de interação social mediados por instrumentos e signos. Acredita que as características individuais e até mesmo suas atitudes individuais estão impregnadas de trocas com o coletivo, ou seja, mesmo o que tomamos por mais individual de um ser humano foi construído a partir de sua relação com o social, ou seja, na interação interpessoal e intrapessoal.

Falando sobre o desenvolvimento infantil, Vygotsky (2003) sustenta que quando as crianças nascem, interagem com o ambiente extrauterino de uma maneira típica e peculiar. As formas mais elementares de relação do homem com esse ambiente pressupõem uma relação direta com um estímulo de meio ambiente, representada pela fórmula E → R (estímulo- resposta), como a sucção do seio materno ou a retirada repentina da mão de uma superfície quente. Estes reflexos automáticos são considerados atividades de sinalização. Entretanto, as formas superiores de relação do homem com o ambiente por meio do pensamento, da linguagem, das relações lógicas implicam na intervenção de um terceiro elemento, ou seja, dos signos. A significação pressupõe a criação e o uso de signos por meio dos quais se constroem novas conexões cerebrais. Assim, a partir dos processos mentais elementares que constituem uma base, opera-se o desenvolvimento mental superior por meio da mediação semiótica. Segundo o autor:

Na medida em que este estímulo auxiliar possui a função específica de ação reversa, ele confere à operação psicológica formas qualitativamente e superiores, permitindo aos seres humanos, com auxílio de estímulos extrínsecos, controlar o seu próprio comportamento. O uso de signos conduz os seres humanos a uma estrutura específica de comportamento que se destaca do desenvolvimento biológico e cria novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura. (VYGOTSKY, 2003, p.45).

O desenvolvimento do comportamento infantil nasce, assim, do entrelaçamento de duas dimensões qualitativamente diferentes em sua origem: processos psicológicos elementares, de origem biológica, genética e maturacional, e processos psicológicos superiores, de origem sociocultural os quais são mediados por signos. Mas, ao longo do

desenvolvimento, as funções naturais, definidas pelo capital genético, são transformadas pelo processo de mediação sócio-histórica.

O desenvolvimento do comportamento infantil nasce, assim, do entrelaçamento de duas dimensões qualitativamente diferentes em sua origem: processos psicológicos elementares, de origem biológica, genética e maturacional, e processos psicológicos superiores, de origem sociocultural os quais são mediados por signos. Mas, ao longo do desenvolvimento, as atividades mediadas passam a predominar se comparadas com a quantidade de atividades provenientes do capital genético, do maturacional e dos reflexos.

A partir da constatação de que os instrumentos ou ferramentas são mediadores, orientados externamente para regular a ação do homem frente à natureza, Vygotsky estende este conceito mediacional para os signos (como a palavra “machado”), que passam a ser considerados instrumentos psicológicos internos da própria atividade mental do sujeito ou mediadores para a interação entre o psiquismo das pessoas.

Na concepção de Vygotsky ([1998],2008) o jogo e a linguagem são atividades privilegiadas, por seu potencial interativo, para o processo de desenvolvimento e de aprendizagem de conhecimentos. A linguagem permite visualizar com clareza a interpretação marxista de Vygotsky para o desenvolvimento: inicialmente a participação nessas atividades é de uma forma ou de outra, regulada/controlada pelas indicações, diretrizes e sentidos propostos pelos outros – sejam eles: adultos; crianças mais velhas ou mais experientes.

A linguagem surge inicialmente como um meio de comunicação entre as crianças e as pessoas de seu ambiente. Somente depois, quando da conversão em fala interior, ela vem organizar o pensamento da criança, ou seja, torna-se uma função mental interna. (2008, p. 117).

Dessa forma, por meio do processo de interiorização, ocorre uma transformação da atividade que, agora é dirigida e controlada pela própria criança. Este processo de fora para dentro vai modificar totalmente o comportamento infantil estruturando a sua consciência. O caráter aparentemente duplo do desenvolvimento poderia levar a concepções equivocadas de dicotomia – externo/interno, objetivo/subjetivo, afetividade/cognição. Entretanto, esta aparente duplicidade indica as particularidades estruturais da atividade humana que se amplia em uma ação partilhada, remetendo a unidade objeto/sujeito, e consolidando formas de superação de explicações que indicam ora o objeto, ora o sujeito, como polo gerador de conhecimento. Assim, a força principal do desenvolvimento vem das contradições internas entre as novas experiências que se colocam para o aprendiz e os meios que ele dispõe para

responder a elas. A interação social com pessoas mais “experientes” culturalmente é que provocará saltos qualitativos para a linguagem e o pensamento verbal mais estruturado na criança.

Existe aqui uma congruência com os conceitos desenvolvidos por Bruner; Greenfield; Olver (1967) que defende a evolução do ser humano se realizaria, principalmente, através do implemento de sistemas exteriores que amplificariam a sua capacidade motora, sensorial e perceptiva, incluindo uma infinita variedade de ferramentas, instrumentos e sistemas de signos, mais ou menos convencionais, que são transmitidos pela cultura, entre os quais se encontram a linguagem de sinais, a linguagem oral e a escrita. Essa abordagem não difere em muito nem acrescenta algo ao que já havia sido discutido por Vygotsky ([1998], 2008). Qual seja: dominar os mecanismos de produção dos bens materiais e simbólicos e compreender as diferentes formas de interação, bem como os meios e os processos de sua construção, definem a tarefa do ser humano e o mundo da cultura, sem o qual é impossível compreender sua natureza.

Entretanto, na concepção de Bruner os processos simbólicos seriam sim uma estrutura fundante, porém aditiva. Esse ponto é que define o seu conceito de cultura como “amplificador”, e as ferramentas culturais e/ou sistemas simbólicos e de signos, como a linguagem gestual, oral ou escrita, como simples amplificadores. Em suas palavras: “O kit de ferramenta de qualquer cultura pode ser descrito como um conjunto de dispositivos protéticos que podem exceder ou até mesmo redefinir os limites naturais do funcionamento humano” (BRUNER, 1990, p.28).

Assim sendo, a evolução humana seria compreendida pela crescente incorporação de aspectos externos, como as técnicas de produção e as ferramentas necessárias à sua realização. No contexto deste trabalho, sugere-se que o utilizar um avatar, o sujeito ganha maior mobilidade (física, social e psicológica), podendo se reconfigurar, mudar sua posição em relação ao outro e a si mesmo a qualquer momento. Não obstante, esta reconfiguração não se dá livremente. O indivíduo, que se constrói na relação com o outro, negocia suas referências pessoais consigo mesmo e através do contato com as referências grupais estas podem dar-lhes suporte ou castrar seus apliques identificatórios.

Como se poderá constatar posteriormente no dialogo com os dados existem vários níveis de mediação presentes nesta pesquisa. Os jovens operam mediações entre si quando a partir de seus comentários abrem ou fecham possibilidades de escolha dos avatares e o pesquisador media a situação de jogo. Portanto, há níveis de preponderância nas situações de mediação, pois por ora é o jogo em si como instrumento que media a relação/escolha, por

outra são os sujeitos entre si que exercem diferentes mediações enquanto possibilidades de ação, de acesso a códigos de conduta diferentes do habitual.

Em suma, no escopo deste texto, define-se mediação como o processo dinâmico, no qual intervêm ferramentas e signos numa ação envolvendo o potencial das ferramentas para modelar a ação e o uso das mesmas por parte dos indivíduos (mediação tecnológica). Nesse momento importa, também, registrarem-se as concepções de técnica e tecnologia tal como aqui defendidas.