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2. Escolha do modelo teórico: o enfoque nas mediações

2.2 Mediações e rádios comunitárias

Uma das contribuições da teoria das mediações de Martín-Barbero é, no nosso entendimento, o fato de questionar o determinismo na comunicação. Coloca sob suspeição, por exemplo, a idéia de que o controle da propriedade de um meio determina per si o rumo e o papel que esse meio de comunicação desempenha na sociedade ou em uma comunidade, ou que meios e mensagens são onipotentes, sem conflitos nem ambiguidades. Esse aspecto é fundamental para nosso estudo sobre as rádios comunitárias. Permite que nosso olhar vá além do debate sobre a contribuição ou não das rádios comunitárias na democratização dos meios de comunicação no Brasil. Como dissemos antes, há uma distância significativa entre democratizar o controle dos meios e democratizar a comunicação e a sociedade. As duas são importantes, mas a segunda depende muito mais da apropriação do que da propriedade.

Na corrente condutista ou da crítica marxista ortodoxa, a comunicação se limita ao esquema linear e mecânico do emissor que transmite uma mensagem ao receptor e, portanto, quem controla o meio, controla a mensagem. Deste ponto de vista, o meio é considerado apenas instrumento. Martín-Barbero vai mostrar que entre emissor e receptor há troca de significações, pois quaisquer tipos de comunicação e de meio estão inseridos em um contexto, marcadamente cultural. Ou seja, estão imersos em mediações, que vão condicionar a emissão e a recepção. Isso implica pensar a cultura como um conjunto de

significações, como a construção de identidades simbólicas nas quais os grupos sociais se reconhecem, a construção de uma visão de mundo onde estão as aspirações de um ideal social. Como ensina Michel de Certeau (1996), a cultura pressupõe que as práticas sociais tenham significado para quem as realiza. Ela não consiste em receber, ao contrário, implica sempre um intercâmbio, uma atividade através da qual cada pessoa coloca significado naquilo que os outros lhe dão para viver ou pensar. Vista desta forma, a cultura é construída ao longo da história de cada pessoa e não determinada somente pelos meios de comunicação. Há pré-compreensões que vão re-significar o que é recebido. Ou seja, entre cultura e meios de comunicação existe uma relação hermenêutica, um movimento circular: as diversas culturas alimentam os meios de comunicação, que, por sua vez, também vão alimentar essas culturas. A cultura é, portanto, um terreno de lutas para construir hegemonia.

Pode-se dizer, então, que, de maneira geral, há duas formas de definir a comunicação. A primeira entende a comunicação como um processo através do qual um indivíduo (emissor) envia uma mensagem a outro (receptor), exercendo determinado efeito sobre este. Visa a identificar os diferentes estágios da comunicação para estudar cada um deles, o papel que desempenham e os efeitos no conjunto do processo. Pode ser representado pelo já mencionado modelo de Lasswell: quem diz o quê, por qual canal, para

quem e com que efeito. A segunda concebe a comunicação como um processo de

negociação e troca de sentido, no qual há uma interação entre mensagens, indíviduos inseridos em suas culturas e realidades para possibilitar a compreensão, a produção de sentido. É conhecida como estruturalista pelo enfoque nas relações entre os elementos necessários à existência de sentido na comunicação: o texto, seus signos e códigos; os “leitores” do texto, sua experiência sócio-cultural, signos e códigos que utilizam; e a consciência de uma realidade externa sobre a qual o texto e as pessoas se referem (O’Sullivan et al., 2001).

Em torno a essas duas concepções surgiram discordâncias, aprofundamentos, incorporação de outros fatores, prioridade a determinados elementos e novos enfoques, dando origem a diferentes concepções sobre a comunicação, correntes, tendências, teorias, inúmeras áreas e problemáticas de pesquisa dentro desse amplo campo do conhecimento (Santaella, 2001). Nesta pesquisa, entendemos a comunicacão como o processo social que

envolve uma relação entre dois ou mais sujeitos, mediada por meios e tecnologias que operam em uma lógica de produção industrial e econômica, em contextos sócio-culturais diferenciados, e que produz uma mercadoria sui generis denominada cultura ou ideologia. Mas a comunicação não se limita aos meios e tecnologias. Como processo relacional, de troca entre culturas, a comunicação envolve também mediações e as formas como os sujeitos se apropriam desses meios. E se a mediação é um contexto cultural, a comunicação é um espaço de contradições e conflitos na luta por informar e por formar a opinião pública, por construir ou não emancipação e cidadania.

A partir desta perspectiva, as rádios comunitárias seriam um lugar de mediação, por onde circulam significados, onde se operam resistências sociais e as velhas e novas demandas por cidadania. Elas têm potencial para desenvolver um papel mediador na construção da cidadania nos e a partir dos espaços locais. Nelas, os movimentos sociais de âmbito local podem encontrar um novo tipo de espaço público, não só para serem representados, mas, principalmente, para serem reconhecidos. Elas representam possibilidades de novas esferas do público, novas formas de representatividade, de negociação, de participação e de criatividade social.

A teoria das mediações permite, então, ampliar o olhar sobre vários aspectos do processo comunicacional. A mediação se torna um conceito válido para a análise não apenas das atividades da recepção, mas também da emissão/produção - esta entendida de forma ampla, incluindo não só as diversas formas de construir mensagens (conteúdos de um programa), mas as estratégias para buscar sustentação e manutenção de uma emissora (processos de gestão). O contexto cultural no qual está inserida a rádio também se torna fundamental. Por limitações de tempo e de recursos, situamos nossa pesquisa no âmbito da produção/emissão (gestão) e não incluímos estudos de recepção. Buscamos verificar não o que as pessoas fazem com as emissões da rádio comunitária, mas o que fazem para que exista a emissão da rádio.

Nas entrevistas exploratórias junto às emissoras em funcionamento em Santa Catarina pudemos identificar algumas mediações da gestão e da produção, ou seja, contextos que condicionam – freiam ou estimulam – a gestão e a produção. Destacamos quatro, que detalharemos mais adiante: a normativa jurídica, a economia local, política

local e associatismo civil, e identidades locais (Ver quadro: Modelo de Análise das

Mediações da Gestão em Rádio Comunitária em Santa Catarina – p. 82).

Além de traçar um panorama sobre o atual estado do radialismo comunitário em Santa Catarina, trataremos de identificar quais são as condições sócio-culturais mais propícias para o desenvolvimento desse tipo de rádio e que aprendizagens acontecem nessas experiências. Assim, optamos por basear a pesquisa em um modelo teórico – o das mediações – que permita ir além da análise sobre as emissoras comunitárias, porque entendemos que elas não estão abstraídas dos contextos onde se localizam: há mediações nas quais está inserido o ato comunicativo. Ou seja, o modelo das mediações é o que melhor contribui para responder nossa pergunta de partida sobre o papel educativo das rádios comunitários.

CAPITULO II

3. Rádios Comunitárias - Objeto de Estudo

Neste capítulo, abordamos o vínculo entre as práticas de rádios comunitárias e a perspectiva da mídia-educação, além dos estudos que têm sido realizados no Brasil e em Santa Catarina sobre esse tipo de emissoras. Também apresentamos o levantamento quantitativo das rádios por município catarinense, uma comparação entre a legislação de radiodifusão comunitária do Brasil e da Colômbia, nossa definição de rádio comunitária e o detalhamento da metodologia da pesquisa: questões norteadoras, hipóteses, objetivos, a descrição dos critérios de seleção da amostra, que incluiu seis emissoras, e o modelo de análise escolhido.

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