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2. Escolha do modelo teórico: o enfoque nas mediações

3.2 Pesquisa bibliográfica

3.2.2 O enfoque em processos de formação

A partir desta revisão bibliográfica podemos constatar que a maior parte do estudos foram realizados no campo da comunicação: 17 dos 22 trabalhos mencionados, e realizados no Brasil, foram feitos por pesquisadores ou profissionais que atuam na área da comunicação, principalmente o jornalismo. Os demais foram realizados no âmbito da educação, das ciências sociais e do direito. É possível identificar também um crescimento dos estudos sobre rádios comunitárias depois de 1998, ano da aprovação da lei de radiodifusão comunitária no Brasil e da disseminação de práticas comunitárias envolvendo o rádio.

No que se refere às abordagens, pode-se constatar o início de estudos de recepção em rádios comunitárias: encontramos dois trabalhos que incluem pesquisa de recepção (Cogo, 1998; Oliveira, 1999).Um enfoque com presença significativa é o papel exercido pelas rádios comunitárias no processo de democratização da comunicação. Mesmo quando não é o foco principal do estudo, a temática está presente. Neste aspecto, a maior parte dos estudos indica que a pressão social dessas emissoras ou das entidades e/ou grupos que as constituem têm contribuído para democratizar a propriedade dos meios de comunicação e, em alguns casos, a produção dos conteúdos. Mas também há estudos (Fuser, 2002; Mick e Vieira, 2003) que colocam sob suspeita essa contribuição, na medida em que cresce o

número de emissoras de baixa potência controladas por grupos políticos, comerciais e/ou religiosos e sem participação comunitária.

É possível identificar ainda o surgimento de estudos que abordam o potencial das rádios comunitárias em processos de formação, tanto como possibilidade para a construção de cidadania no âmbito dos movimentos sociais quanto em práticas pedagógicas nas escolas, ou mesmo como forma de diminuir a dissonância escola-comunicação. Há, pelo menos, dois trabalhos que enfocam a relação rádio-comunidade-escola. Outras reflexões encontradas na pesquisa bibliográfica não dizem respeito diretamente à rádio comunitária, mas também estabelecem algum vínculo entre rádio e educação30.

Os estudos que relacionam rádio e educação nos levam a considerar a hipótese de que a expansão do uso de rádios comunitárias em processos populares de comunicação e educação tem inspirado estudos sobre as possibilidades educativas do rádio em geral. Ou seja, tem proporcionado um resgate do potencial educativo imaginado por Bertold Brecht, no final dos anos 20, em sua teoria do rádio. Brecht (1981) vislumbrou a possibilidade do rádio ser não só um meio de organização e emissão de informações, mas um efetivo meio de comunicação, dialógico, participativo, um veículo de mão-dupla. Desta forma, podemos dizer que os processos de globalização e massificação cultural tornam difíceis antigas práticas educomunicativas de caráter mais intergrupais, ou até mesmo o rádio-educativo dos tempos de Mário Kaplún. Mas, por outro lado, é na atualidade, pela própria evolução da tecnologia do rádio, que parece ser viável o potencial imaginado por Brecht, antes difícil de ser concretizado pelas próprias limitações da técnica. É atualmente que os meios – sobretudo o rádio e ainda mais o de âmbito comunitário - têm potencial para ser de comunicação e não apenas de informação; para estimular a participação cidadã na produção veiculada pelos meios e em outras práticas sociais.

Outra hipótese possível, complementar à anterior, é a de que os estudos que começam a relacionar rádio e educação se inserem em um contexto geral de transformações no âmbito da educação e da comunicação, que têm levado à necessidade de pensar a

30 Destacamos: O princípio educativo no rádio: uma compreensão a partir dos estudos culturais, de Edgar

Patrício (INTERCOM, 2001); Educação para a vida – fazendo educação ambiental através do rádio, de Sandra Kelly de Araújo (INTERCOM, 2001); e Roquette Pinto, empreendedor de mídia educativa, de Sonia Virginia Moreira (INTERCOM, 2002). Sobre a relação rádio e escola, são importantes também os textos de Ismar Soares, disponíveis no site da ECA/USP, em um link para o Núcleo de Comunicação e Educação (www.eca.usp/nce) e do projeto Educom.rádio (www.educomradio.com.br ).

educação para e com as mídias. Há muito tempo presente nas pesquisas sobre televisão, essa abordagem também se evidencia no âmbito do rádio.

Assim, as mudanças e desafios na área educacional e comunicacional parecem permitir novos sentidos, usos, acessos e vigores ao rádio, hoje passível de existência e experimentação em qualquer bairro ou escola. O crescimento dos estudos sobre essa temática revela ainda a persistência e revigoramento de práticas envolvendo o uso do rádio, uma mídia que muitos acreditavam, há décadas, estar superada. Mas, ao contrário das previsões, em plena era da internet e da tecnologia digital o rádio não só sobrevive, mas se revigora. Incorpora as novas tecnologias como todas as mídias, convive com essas outras mídias mais modernas e também se moderniza, numa mútua complementação. Desta forma, parece acertado o questionamento de Meditsch (2002) aos que localizam a era de

ouro do rádio no passado.

Se, por um lado, é possível identificar o início de estudos que reconhecem espaços férteis para o uso e o estudo do rádio na sua relação com práticas educativas, por outro, a consolidação do processo de globalização, a expansão das novas tecnologias de informação e de comunicação, e as transformações que acarretam nos campos da comunicação e da educação nos fazem observar também vazios e brechas. Através destas se podem vislumbrar possibilidades de pesquisa que avancem para além do que já vai se tornando lugar comum nos estudos sobre rádios comunitárias: a constatação de suas contribuições para a construção da cidadania, para a democratização da comunicação, para o desenvolvimento local, etc.

Superar a tendência generalizante e até romântica sobre o potencial educativo dessas práticas, por um lado, e a visão pessimista e simplista que o nega, de outro, demanda um aprofundamento dos estudos sobre as rádios comunitárias. A temática é relativamente recente, mas revela uma riqueza de conteúdos a serem investigados, aprofundados, comparados, analisados em seus diversos aspectos. Inclusive, começa a haver um acúmulo suficiente para desencadear estudos comparativos - entre cidades e estados brasileiros e entre o Brasil e outros países da América Latina – um dos vazios identificados nessa revisão bibliográfica. Neste sentido, a pesquisa coordenada por Geerts e Van Oeyen (2001) no âmbito da América Latina pode dar pistas importantes e inspirar a diversificação de olhares sobre as rádios comunitárias.

Trabalhos como o de Peruzzo (1999) também parecem relevantes pelo esforço em entender a situação das emissoras comunitárias no Brasil, os diferentes perfis que elas assumem, além do discurso que as emissoras comerciais constroem e disseminam sobre as comunitárias31. Destacamos ainda a contribuição de Cogo (1998) e Oliveira (1999) ao

incluir o estudo de recepção em um universo tão dinâmico e variável quanto o das rádios comunitárias. A existência de experiências já consolidadas começam a permitir esse tipo de estudo. Da mesma forma, entendemos relevante o esforço por tentar compreender como se configuram essas práticas populares e locais de comunicação em um contexto de globalização e mundialização da cultura (Oliveira,1999).

No caso específico de Santa Catarina, a quase inexistência de estudos aprofundados e a existência de uma diversidade de práticas expõem um campo aberto e rico para pesquisar a temática. Novos estudos já começam a aparecer no Estado, fundamental para ampliar não só quantitativamente o universo estudado, mas qualitativamente.

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