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2. Escolha do modelo teórico: o enfoque nas mediações

2.1 Nem ideologismo nem cientificismo

O trabalho de Martín-Barbero - e a pergunta que o orientou – tem como objeto a identidade latino-americana. Ele criticava a razão dualista e a-histórica a partir da qual se pensava os processos sociais, que não reconhecia a mestiçagem e o hibridismo como constitutivos da identidade da América Latina. De um lado, estava o nacionalismo populista, preocupado com a perda de identidade do popular, com seu resgate da suposta contaminação cultural e política. Do outro, o progressismo iluminista que via na natureza indolente e supersticiosa do povo um entrave para o desenvolvimento (Barbero, 1997).

Barbero acreditava que as respostas vindas de outros contextos não nos ajudariam a entender a realidade latino-americana. Era necessário conhecer as condições de pobreza e a descontinuidade do desenvolvimento na América Latina para chegarmos a uma teoria da comunicação que tivesse a ver com essa realidade. Durante muito tempo, segundo ele, as seguranças teóricas importaram mais do que a verdade cultural dos países latino- americanos. No seu entendimento, nem o ideologismo nem o cientificismo25 iam proporcionar uma teoria capaz de entender o que é a comunicação na América Latina. Era preciso partir dos processos, saber como as pessoas se comunicam e vivem a comunicação para então se chegar a uma teoria. Ele argumentava que as características sócio-culturais

25 Ideologismo e cientificismo são, segundo Barbero (1997), as duas etapas que formaram o paradigma

hegemônico nas análises da comunicação na América Latina. O ideologismo surgiu no final dos anos 60, quando o modelo psicológico-condutista de Lasswell (a fórmula quem diz o quê por qual canal e com que

efeito) foi adaptado às teorias da semiótica estruturalista (análise centrada em mensagens e códigos – o quê).

O objetivo central da pesquisa era descobrir e denunciar as estratégias de penetração da ideologia dominante na mensagem, produzindo determinados efeitos - uma concepção instrumentalista dos meios de comunicação, considerados meras ferramentas de ação ideológica. A partir da metade dos anos 70, o cientificismo reconstruiu o paradigma hegemônico a partir do modelo informacional. Com a teoria da informação, proveniente da engenharia, a comunicação passa a ser definida como transmissão de informação, modelo que começou a se tornar hegemônico. Esse modelo informacional, Segundo Barbero, deixou fora da análise as condições sociais de produção do sentido, eliminando a análise das lutas pela hegemonia.

específicas do Continente, a série de transformações que ocorriam, sobretudo no pós-70 - com o fim das ditaduras militares em vários países da região, a intensificação do processo de transnacionalização etc.-, e as limitações do modelo hegemônico na comunicação estavam transformando o “objeto” de estudo e obrigavam a uma mudança de paradigma. Barbero propôs, então, deslocar o estudo dos meios, canais, mensagens, disciplinas, para as

mediações, isto é, “para as articulações entre práticas de comunicação e movimentos sociais

[especialmente aqueles que partem do bairro], para as diferentes temporalidades e para a pluralidade de matrizes culturais" (Ibid, p.258 e 269). Os questionamentos são os mesmos – a dominação, a produção, o trabalho. O que muda, completa o autor, é o lugar a partir do qual se faz as perguntas (Barbero, 1997). 26

A mudança de enfoque implicaria também em um deslocamento do conceito de comunicação para o da cultura, onde o popular passa a ser o centro da análise. É a partir daí, conforme Barbero, que se poderia entender o massivo, pois a cultura de massa não pode ser definida apenas em relação à televisão, ao rádio ou ao cinema, ou seja, por aquilo que passa nos e pelos meios massivos, mas como espaço que recolhe e que faz circular as matrizes culturais e históricas do popular. A cultura de massa não se limita aos meios e a um conjunto de objetos; envolve comportamentos, compreensões, crenças, ou seja, é um modelo cultural. Assim, o que passa nos meios não pode ser compreendido fora de sua relação com as mediações sócio-culturais, com os "mediadores" e os diferentes contextos culturais - religioso, escolar, familiar, etc - a partir dos quais ou em contraste com os quais os grupos e os indivíduos vivem essa cultura. “Pensar os processos de comunicação (...) a partir da cultura significa (...) romper com a segurança proporcionada pela redução da problemática da comunicação à das tecnologias” (Ibid, p.285).

26 Barbero (1997) propunha, como hipótese para o caso da televisão, três lugares de mediação: a cotidianidade

familiar, a temporalidade social e a competência cultural. O autor não chega a detalhar e aprofundar o que entende por mediação. Interpretamos que Barbero se refere a contexto quando fala de mediação, ou seja, procura romper com a idéia de uso instrumental dos meios e mostrar que estes estão imersos em mediações, em contextos sócio-culturais, em processos sociais mais amplos. Entendemos que em Barbero, a mediação é uma categoria filosófica de estirpe hermenêutica sem pretensões operativas, pois não está ocupado em uma pesquisa empírica. Nossa investigação assume o desafio de torná-la operativa no âmbito do radialismo comunitário.

No âmbito do rádio informativo, Meditsch (2001) identifica, ao menos, oito mediações no processo de produção da informação: as mediações pessoal e grupal do profissional que produz a notícia; a mediação organizacional e a do público; fixações espaço-temporais na rotina de produção; a mediação técnica e tecnológica; os condicionamentos econômicos e políticos e os históricos e culturais.

A proposta de mudança de enfoque nos estudos da comunicação trouxe consigo um novo entendimento sobre a cultura, a política e, conseqüentemente, sobre o sentido das políticas. Já não se trata apenas de políticas de comunicação, restrita aos meios e à sua propriedade. Um aspecto – importante - é falar da democratização dos meios; mas outro – igualmente relevante - é falar de como os meios contribuem para democratizar a sociedade; é falar da democratização do uso dos meios e das suas potencialidades técnicas. Os dois aspectos não necessariamente coincidem, já que depende das linguagens e dos códigos culturais com os quais chegam às pessoas e como elas se apropriam. Como os meios podem, por exemplo, veicular ou estimular novas formas de participação cidadã e democrática?

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