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3.3. Fundamentos microeconômicos das medidas de valoração

3.3.2. Medidas de bem-estar para bens ambientais

De acordo com Mitchell e Carson (1989), as medidas hicksinianas de variação são adequadas quando o consumidor pode justar a quantidade do bem analisado sem restrições, ao passo que as medidas hicksinianas de excedente devem ser aplicadas quando o bem em questão só puder ser adquirido em quantidades fixas. Como, de acordo com Silva (2003), a grande maioria dos ativos ambientais está disponível em forma fixa, as medidas de excedente seriam as adequadas para bens dessa natureza.

Para formalizar o conceito de medidas de excedente para ativos ambientais, utilizar-se-á a abordagem desenvolvida por Freeman III (1993). Considere, conforme apresentado na Figura 8, que um indivíduo possa decidir suas opções de consumo entre dois bens, Q e X. O primeiro refere-se a um fluxo de serviços fornecidos por um ativo ambiental qualquer, dada a atual disponibilidade e qualidade deste último. Quando se analisa um recurso do meio ambiente, que devido às suas características peculiares se apresenta como um bem público, tem-se que o preço do fluxo de serviços (r) que ele fornece é zero24. Já X é um bem numerário que representa a renda disponível do consumidor (M) para a aquisição dos produtos privados produzidos pelo sistema econômico, os quais apresentam um vetor de preços positivos P. Pelo fato de r ser zero, a restrição orçamentária será uma linha horizontal no nível de renda M25.

24

Para uma discussão considerando um preço positivo para o bem ambiental Q, consultar Freeman III (1993) e Silva (2003).

25 A inclinação da restrição orçamentária é dada pela divisão do preço do bem apresentado no eixo horizontal

Fonte: Freeman III (1993, p.78)

Figura 8 – Excedente compensatório e equivalente para um aumento em Q, considerando-se como zero o preço do ativo ambiental em análise.

Inicialmente, o consumidor encontra-se no ponto A, obtendo o nível de utilidade U0 dado pelo fluxo de serviços q0 do ativo ambiental Q e o consumo de bens privados,

cujo valor total de dispêndio equivale à renda M. Considerando que Q não é um bem “mal”26, o consumidor escolheria ter maior quantidade deste, passando a desfrutar do fluxo de serviços q1, caso lhe fosse oferecida tal oportunidade. Nessa situação, o

consumidor alcançaria o nível de utilidade mais elevado U1, deslocando-se do ponto A

para B. Como r é igual a zero, a disponibilidade de renda para a aquisição dos bens privados na economia mantém-se inalterada.

Retomando os conceitos de medidas de excedente de Hicks, tem-se que o EC para o presente caso – segmento BC – seria o valor máximo que o consumidor estaria disposto a pagar para ter acesso a um maior fluxo de serviços ambientais em função do aumento da disponibilidade e, ou, da melhoria da qualidade do ativo ambiental em

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Conforme Varian (1994), um bem é classificado como ¨mal¨ quando o consumidor não gosta dele. Dessa forma, maior quantidade deste último representa decréscimos na utilidade.

M + EE D EE X= M A B M - EC C U1 U0 q0 Q X q1

.

.

.

EC

.

análise. Isso porque, nessa situação (ponto C), o consumidor estaria desfrutando do mesmo nível de utilidade inicial do ponto A. Já o EE, representado pelo segmento AD, indica a compensação mínima que o consumidor necessitaria para abdicar da quantidade mais elevada de Q, pois em tal situação (ponto D) estaria desfrutando do mesmo nível de utilidade que alcançaria caso tivesse acesso a q1 com M constante

(ponto B).

Para um decréscimo na quantidade de Q, em razão de uma diminuição na disponibilidade e, ou, na qualidade do ativo ambiental em análise, o EC e o EE serão conceitualmente idênticos, embora simétricos para uma elevação de Q (Figura 9).

Fonte: Freeman III (1993)

Figura 9 – Excedente compensatório e equivalente para uma diminuição em Q, considerando-se como zero o preço do ativo ambiental em análise.

De maneira similar às magnitudes da VC, VE e excedente do consumidor, pode- se analisar a mesma questão em termos de EC, EE e variação do excedente do consumidor, por meio da Figura 10. Nesta, D, H0 e H1 representam, respectivamente, a

curva de demanda ordinária; a curva de demanda compensada de Hicks, mantendo-se o nível de utilidade U0 da Figura 6; e a curva de demanda compensada de Hicks,

X + EC EC X = M X - EE U1 U0 Q X q0 q1

.

.

D A C EE B

.

.

mantendo-se o nível de utilidade U1 da Figura 6. Essas curvas são obtidas de maneira

similar às curvas DO, DCVC e DCVE,derivadas na Figura 6.

Fonte: Mitchell e Carson (1989, p. 24)

Figura 10 – Medidas de variações no bem-estar do consumidor para aumento no fluxo de serviços fornecido por um ativo ambiental, usando-se uma abordagem de curvas de demanda.

Tomando como zero o preço do fluxo de serviços (P) fornecido por um ativo ambiental qualquer, já que ativos dessa natureza são tipicamente bens públicos, dado um aumento na disponibilidade ou melhoria desse último, gerando, conseqüentemente, elevação em Q, tem-se que as variações positivas no EE, no excedente do consumidor e no EC apresentadas na Figura 10 são indicadas, respectivamente, pelas áreas (a + b + c), (a + b) e (a)27. Pode-se notar que, considerando uma elevação em Q, o EE é maior que a variação no excedente do consumidor, que por sua vez supera o EC. Em uma situação inversa, redução do fluxo de serviços ambientais de q1 para q0, essas relações

são invertidas.

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Essas áreas são, respectivamente, aquelas sob as curvas H1, D e H0 em uma mudança de q0 para q1 no fluxo de

serviços ambientais considerado. H1 c b a D H0 q0 q1 P Q

Baseando-se em Freeman III (1993), para um aumento na quantidade de Q em função de um incremento na disponibilidade ou melhoria na qualidade ambiental do recurso em análise, o EC representaria a máxima DAP do consumidor para garantir tal elevação, ao passo que o EE seria a mínima DAA do consumidor para desistir da possibilidade de ter acesso a uma quantidade mais elevada de Q. Já em uma redução na disponibilidade e qualidade do referido ativo ambiental, que conseqüentemente diminuiria Q, a situação anterior seria invertida, ou seja, o EC indicaria a mínima DAA do consumidor para aceitar a referida diminuição, enquanto o EE seria a máxima DAP do consumidor para evitar tal queda em Q.

Conforme destacou Silva (2003), qualquer uma dessas medidas de excedente, independentemente do contexto considerado – aumento ou diminuição de Q –, pode ser utilizada em aplicações do MVC. A escolha entre o conceito de EC e o EE e o contexto em que estas serão consideradas dependerá do objetivo e das características da pesquisa que estiver sendo realizada. Como no presente estudo optou-se por indagar aos entrevistados qual seria o valor que eles estariam dispostos a pagar para melhorar e, posteriormente, conservar a qualidade da APA São José, o conceito relevante foi o de EC em uma situação de melhoria ambiental do referido ativo.