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5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.2 Medidas de prevenção e controle

Independentemente do número reduzido de óbitos relacionados a surtos por

Salmonella spp. em especiarias e temperos, os gastos com investigações e

hospitalizações são consideráveis (PIGLOWSKI, 2019; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2019b). Por isso, vários estudos têm proposto formas de tratamento para diminuir ou eliminar a salmonela destes produtos, o que pode ser uma ótima alternativa na prevenção de surtos.

Os tratamentos a vapor, por exemplo, podem reduzir populações microbianas em especiarias secas, mas podem afetar a sua qualidade. Esta tecnologia é eficaz quando aplicada corretamente (tempo X temperatura de exposição ao vapor) e o equipamento está prontamente disponível no mercado. No entanto, a cor e o sabor das especiarias podem ser afetados negativamente pelo contato com o vapor (ASTA, 2017; FDA, 2017).

Já a radiação gama, tem sido descrita na literatura como um método econômico de inativação microbiana e que fornece um impacto mínimo nas características físico-químicas dos condimentos, quando comparada ao vapor ou ao C2H4O. De acordo com Tezotto-Uliana et al. (2015), quando se consome alimentos irradiados não há efeitos adversos, desde que o mesmo seja tratado dentro dos limites previstos, em condições controladas e com uso de fontes ionizantes permitidas. Porém, segundo o mesmo autor:

“A irradiação de alimentos pode resultar na redução de alguns nutrientes, principalmente as vitaminas A, C e E, em virtude de serem sequestradoras de radicais livres e reduzidas após a radiação com doses altas. A natureza e extensão destas perdas dependem da composição do alimento, principalmente do conteúdo de água, da dose de radiação, da temperatura e da presença ou ausência de oxigênio no processo”.

A radiação é um método eficiente para eliminar patógenos dos alimentos e começou a ser utilizada no Brasil em 1985 para legumes desidratados (LIMA, 2000).

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Mais tarde, a ANVISA junto com o Ministério da Saúde aprovaram a RDC nº 21, de 26 de janeiro de 2001, que “estabelece os requisitos gerais para o uso da irradiação de alimentos com vistas à qualidade sanitária do produto final”. Essa legislação cita que as doses mínimas absorvidas deverão ser “suficiente para alcançar a finalidade pretendida”.

As dosagens de raios gama diminuem com a penetração das ondas em um alimento, de modo que as partículas mais próximas da fonte recebem uma dose mais alta de radiação. As doses máximas estabelecidas pelos órgãos legislativos tanto do Brasil quanto da União Europeia e do Reino Unido tem um limite de 10 kilogray (kGy) para especiarias. Já nos Estados Unidos existe um Guia padrão da American Spice Trade Association (ASTA) no qual as doses são variáveis dependendo da especiaria, erva e tempero alvo. Para canela, páprica, pimenta vermelha e açafrão, por exemplo, variam de 3 a 8 kGy; e para cebola em pó de 7 a 15 kGy. Os regulamentos do FDA permitem a irradiação de especiarias até uma dose máxima absorvida de 30 kGy (ASTA, 2017; FDA, 2017).

O cobalto-60 e o césio-137 são fontes comumente usadas de raios gama para reduzir populações microbianas em alimentos pré-embalados. Mas, também podem ser utilizadas fontes de feixe de elétrons com uma energia máxima de 10 mega elétron-volt (MeV) e fontes de raios-X com energia máxima de 5 MeV. Vale ressaltar que todos os alimentos que sofrerem algum dos três tipos de radiação, devem conter em seu rótulo o logo internacional que se chama radura (FIGURA 4) acompanhada da seguinte frase: “alimento tratado por processo de irradiação” (ANVISA, 2001; ASTA, 2017; FDA, 2017; TEZOTTO-ULIANA et al. 2015).

FIGURA 4. Radura: símbolo internacional utilizado em produtos irradiados.

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O C2H4O, por sua vez, é um gás incolor que reage quimicamente com componentes de células vegetativas e esporos, resultando em morte celular. O seu uso no tratamento de especiarias está bem estabelecido, embora a eficácia na redução de Salmonella spp. seja menor do que a irradiação ou tratamentos a vapor. Além disso, o C2H4O pode ser aplicado em embalagens de alimentos, e já vem sendo utilizado como um pesticida legal nos EUA, a fim de reduzir pragas e contaminação microbiológica nas lavouras (ASTA, 2017; FDA, 2017).

Embora os três tipos de tratamento citados anteriormente reduzam as populações microbianas em algum grau, ainda são necessários mais estudos e testes quanto ao seu uso efetivo. O tratamento a vapor adiciona umidade às especiarias, o que pode tornar a germinação de esporos e a multiplicação de microrganismos favorável. Já o C2H4O pode deixar resíduos químicos, tornando o produto tóxico. Apesar de a irradiação parecer a melhor alternativa, ainda sofre resistência por parte dos consumidores (FDA, 2017).

Existem ainda outros tratamentos, sendo que alguns já estão sendo utilizados pela indústria. O calor seco, por exemplo, pode reduzir a população bacteriana em 0,1 a 3,9 logaritmos (log). No entanto, ainda se mostra menos eficiente que o tratamento a vapor, capaz de reduzir em até 7,9 log a população bacteriana (FDA, 2017).

Os tratamentos com raios-X têm sido estudados desde a década de 1940. Tal radiação é obtida por meio da emissão de elétrons de um dispositivo que os aceleram por uma diferença de potencial. Esta radiação pode reduzir até 90% da carga bacteriana patogênica presente em um alimento, em um tempo de processamento relativamente curto. Porém, esta radiação pode causar efeitos adversos nos seres humanos, além de causar alterações físico-químicas e de disponibilidade de nutrientes nos alimentos (ALMEIDA, 2006; FDA, 2017).

O processamento de alta pressão (HPP), apesar de ser de alto custo, também pode ser aplicável no tratamento de especiarias (FDA, 2017). Skapska et al. (2003) demonstrou que a aplicação de calor seco (a 60 ºC, 80 ºC, 100 ºC e 140 ºC) combinado ao HPP (1.000 MPa), em pimenta preta, foi eficiente na eliminação de células microbianas na sua forma vegetativa. Segundo Pflanzeret al. (2008):

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“O efeito da alta pressão na sobrevivência microbiana é influenciado por um grande número de interações, como o nível e a duração do tratamento, a temperatura do processo, a espécie bacteriana e a fase de desenvolvimento microbiano. A resistência dos microrganismos à pressão pode ser relacionada à resistência intrínseca de suas macromoléculas”.

O uso do CO2 supercrítico é outro método que tem demonstrado reduzir as populações de Salmonella spp., entre 1 e 8 log UFC/g, em uma variedade de alimentos (GARCIA-GONZALEZ et al., 2007). Bourdoux et al. (2018) demonstrou que a combinação de CO2 supercrítico, aquecimento e pressão controlada podem reduzir a população de salmonela no coentro em até 5 log UFC/g.

Por fim, o ozônio pode ser utilizado diretamente sobre as matérias-primas para inativar microrganismos e aumentar o tempo de vida útil dos produtos alimentícios. Esta tecnologia é considerada limpa, pois não deixa resíduos nos alimentos e é simples de ser empregada (SILVA et al., 2011). Filho (2018), por exemplo, demonstrou que a ozonização de grãos de pimenta-do-reino preta, em um ciclo de 500 mg/m³ durante 6 horas, reduziu em 5 log UFC/g a população de

Salmonella Typhimurium inoculada artificialmente no produto. Como vantagem,

constatou que esse processo não alterou as propriedades físicas e organolépticas da pimenta.

Deste modo, embora muitos alimentos desidratados (com baixa aw), como as especiarias e temperos, sejam considerados microbiologicamente estáveis, estudos tem demonstrado que bactérias, como a Salmonella spp., são passíveis de sobreviver mesmo nesta condição adversa por semanas, meses ou anos (PIGLOWSKI, 2019).

A adição de especiarias e temperos em outros alimentos pode levar a sua hidratação, o que torna a multiplicação microbiana favorável. Deste modo, o uso destes condimentos, previamente contaminados, como matéria-prima em indústrias e no preparo de refeições implica numa possível ameaça à saúde do consumidor.

Portanto, o cuidado no cultivo, transporte, armazenamento, processamento, exposição à venda, bem como o investimento em métodos que favoreçam a redução ou eliminação de microrganismos patogênicos nas especiarias e temperos seriam de grande valor para a saúde pública.

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