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1.2 A EVOLUÇÃO DO ESTADO DE DIREITO – A RECENTE PREOCUPAÇÃO COM O AMBIENTE

1.2.3 O contexto ambiental no Estado Liberal e Social

1.2.3.1 O meio ambiente e as conseqüências das idéias surgidas no Estado Liberal

Conforme o exposto acima, é visível que a preocupação com o meio ambiente não existia na época do Estado Liberal, porque outros valores, como a liberdade dos indivíduos, sequer haviam sido conquistados.

Mesmo não sendo assunto em voga, a maioria dos problemas ambientais sentida hoje é conseqüência da falta de conhecimento daquela época, na qual os homens acreditavam que a natureza era infinita e que estava no planeta para lhes servir.

Essa falta de consciência, decorrente da estrutura social – como a necessidade, primeiramente, da conquista das liberdades civis e políticas –, originou o nível de complexidade. Pode-se dizer que tal complexidade assume duas formas principais: o direito da propriedade privada e o direito do trabalho.

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O direito à propriedade59 instituído no Estado Liberal, fez com que as pessoas

achassem que, sendo donas de determinada área, poderiam fazer o que bem entendessem com ela. Esse fato gerou uma crise que hoje persegue os cidadãos de todo o mundo, isso porque somente agora se sabe que os recursos naturais que estão dentro de uma propriedade particular devem ser preservados. O meio ambiente foi considerado bem comum do povo e necessário à sadia qualidade de vida pela Constituição Federal Brasileira de 198860.

O grande problema é que o pensamento individualista que esteve presente nas diferentes fases da evolução humana, inclusive e principalmente no Estado Liberal, acompanhou os indivíduos no decorrer dessa história.

É extremamente difícil, por exemplo, conscientizar proprietários de terras de que a área que ele recebeu, seja por compra e venda, seja por doação ou herança, deve ser utilizada de forma limitada. Exemplos clássicos são vistos no Sul61 62, no Centro-Oeste63 e agora, mais recentemente, no Norte64 do Brasil.

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“O conceito unitário de propriedade é restaurado e os poderes que ela confere são exagerados, a princípio, exaltando-se a concepção individualista. Ao seu exercício não se antepõem restrições, se não raras, e o direito do proprietário é elevado a condições de direito Natural, em pé de igualdade com as liberdades fundamentais.” GOMES, Orlando. Direito Real. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 115- 116.

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. Art. 225.

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No início de 2006, surgiu um debate sobre uma floresta alienígena que seria introduzida no sudoeste rio-grandense. A área que seria utilizada para o plantio não teria mais utilidade para agricultura e pecuária, devido à vasta degradação extrativista do local. Pensando nisso, uma empresa sugeriu que lá fosse feito um reflorestamento que auxiliaria na fabricação de celulose.

A questão levantada por ambientalistas, biólogos, geólogos, dentre outros, foi que o solo daquela região era precário em nutrientes, e que tal iniciativa resolveria um problema imediato, qual seja – a migração das pessoas que subsistiam naquela área para as grandes cidades –, mas causaria um problema mediato irreversível, pois o solo de tal região, em poucos anos, transformar-se-ia em pedra. Isso porque haveria o cultivo de apenas uma espécie de árvore exótica, fato que já vem se mostrando arrasador em outras áreas do Rio Grande do Sul.

“Um deserto verde, tendo apenas eucaliptos e Pinus elliottis e muito pasto é o que resta da região dos Campos de Cima da Serra que cerca o Parque dos Aparados da Serra. Ao redor do Itaimbezinho, os animais também são raros. Apenas alguns pardais, que não são nativos, e andorinhas de arribação puderam ser observados nos campos ao longo dos 10 quilômetros do acesso ao Itaimbezinho, no feriadão. Nada mais, além de gado, capim, eucaliptos e Pinus elliottis. Desapareceram seriemas, socós, galinholas, gralhas e gansos selvagens. Nenhum cantar de pássaros, apenas o silêncio, como se a natureza estivesse de luto.” STRECK. Adroaldo. Jornal Correio do Povo. Porto Alegre, Quinta- Feira, 26 fevereiro 1998. Disponível em: <http://www.correiodopovo.com.br>. Acesso em: 22 abril 2006.

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“Organizações não-governamentais ambientalistas do RS participaram ontem de reunião com os diretores da empresa Aracruz Celulose, que deverá ampliar a unidade de sua produção, em Guaíba. A intenção da Aracruz é inovar em logística e investir em uma forte base florestal de eucalipto no Estado, afirmou o diretor de Operações, Walter Lídio Nunes. 'Vamos usar a hidrovia do Jacuí como eixo principal e também a base que temos em 24 municípios', disse. Integrante do conselho diretor do

Isso porque o direito de propriedade era considerado

como o direito de dispor de uma coisa como bem lhe parecer, sem atentar contra o direito alheio ou a lei. Este direito de dispor que tem o proprietário engloba o de receber todos os frutos da coisa, de servir-se dela, não apenas para os usos que parecem ser-lhe naturalmente destinados, mas mesmo para os usos que lhe convenham, de alterar-lhe a forma, perdê-la ou destruí-la totalmente, aliená-la, onerá-la, de ceder a outrem os direitos que lhe convenham sobre a coisa e permitir-lhe o uso que julgar.65

O direito privado de propriedade, infelizmente, sobrepõe-se ao meio ambiente, que, mesmo sendo bem comum do povo, não é tido como prioridade. Tal fato ainda é visualizado, como já foi dito, devido à evolução do pensamento e da cultura de diferentes povos.

A situação de trabalho também mudou a sua lógica e distanciou-se da Natureza Humana. Começou a escapar do trabalhador o domínio do seu trabalho. Com a revolução tecnológica surgiram as máquinas, que com suas intermitências mecânicas e pontuais determinaram o ritmo do trabalho humano, assim como um maestro rege uma orquestra. O trabalho passou a ter seus processos organizados em torno da tecnologia que não apenas estropia o trabalhador, submetendo-o a funções em que a Núcleo Amigos da Terra Brasil, Kátia Vasconcelos Monteiro, que participou da reunião com a Aracruz, disse que o foco é a preservação do meio ambiente. 'A preocupação é o branqueamento da celulose com dióxido de cloro, o que é extremamente prejudicial ao sistema por se tratar de um elemento químico', revelou. Segundo ela, novas reuniões serão agendadas com a diretoria da Aracruz.” JORNAL CORREIO DO POVO. Porto Alegre, de 7 janeiro 2006. Disponível em: <http://www.correiodopovo.com.br>.

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Uma das problemáticas deriva principalmente da questão da água para irrigação das plantações de arroz e soja quando da existência de rio ou água subterrânea no interior da propriedade particular. Sabe-se que a Lei da Política Nacional dos Recursos Hídricos prevê o pagamento da água para atividades que tenham fins lucrativos, porém tal medida ainda não foi implementada, gerando graves problemas ambientais. Percebe-se que o dever fundamental ao meio ambiente ainda não é respeitado. Falar-se-á de dever no capítulo II.

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Ocorreram, no começo do século passado e na década de 70, duas grandes migrações de todos os cantos do país para o Norte. Na primeira delas, o objetivo era buscar o desenvolvimento através da fabricação da borracha. Milhares de pessoas deixaram suas terras em busca de uma vida melhor. O que encontraram, no entanto, foi apenas miséria, tendo que desmatar a floresta para conseguir sobreviver. A segunda migração ocorreu por incentivo do Governo Militar, que convenceu as pessoas do Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil a desenvolverem a pecuária e a agricultura. O lema desse governo era “Desmatar para não entregar”. ATHAYDE, Phydia de. Duas Vidas pela Floresta. Carta

Capital, São Paulo, n. 381, ano XII, p. 15-17, 22 fevereiro 2006.

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POTHIER apud LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 2. ed. rev. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 407.

habilidade não é mais necessária, como também o condiciona, tornando-se una com ele num processo involuntário de simbiose.

[...] a tecnologia realmente já não parece ser produto de um esforço humano consciente no sentido de multiplicar a força material, mas sim uma evolução biológica da humanidade, na qual as estruturas inatas do organismo humano são transplantadas, de maneira crescente, para o ambiente do homem.66

Além disso, no mundo capitalista industrializado, o trabalho humano passou a ser qualificado e hierarquizado quanto ao seu potencial de consumo e produção. As atividades que não puderam ser moldadas à forma do labor foram desvalorizadas e menosprezadas, fato que modificou o próprio trabalhador.

Esses fatos acabaram limitando, já naquela época, o pensamento humano, que acabou sendo desenvolvido com um valor equivocado, pois, ao querer acompanhar o desenvolvimento tecnológico, o homem esqueceu dos valores vitais para que a vida continuasse acontecendo. A crise ambiental nos dias atuais deriva também desses fatos.

Apesar de a idéia individualista prevalecer, ela não era absoluta. Um exemplo disso foram os pensamentos do iluminista e evolucionista José Bonifácio, que já em 1823 previa o que hoje realmente está acontecendo. Mas por suas idéias de reforma agrária, voto do analfabeto, abolição da escravidão, incorporação do índio e preservação do meio ambiente, não atingiu o sucesso, seja no governo (onde permaneceu apenas 22 meses), seja na aceitação de suas idéias. Dizia ele:

Nossas terras estão ermas, e as poucas que temos roteado são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes e forçados; nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores ativos e instruídos, estão desconhecidas ou mal aproveitadas; nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes, que favorecem a vegetação e alimentam nossas fontes e rios, sem o que nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos da Líbia. Virá então esse dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos.67

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ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 166.

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SILVA, José Bonifácio de Andrade e. Obras Científicas, Políticas e Sociais. v. 2. Santos: Imprensa Oficial: 1963. p. 156.

Infelizmente o ideário individual prevaleceu, mas as conseqüências ambientais não derivaram só deste Estado Liberal de cunho estritamente individualista. O Estado Social contribuiu significativamente para vários problemas ambientais que atingem a geração atual.