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2.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DIFICULDADE DA EFETIVAÇÃO DOS

2.1.2 Os deveres inseridos nos diferentes modelos estatais

2.1.2.1 Os deveres na 1° dimensão do Estado de Direito

Com as reivindicações oriundas da Revolução Francesa, firmada com a Declaração dos Direitos do Homem e dos Cidadãos, aprovada em 26 de agosto de 1789, pela Assembléia Nacional, foi proclamada a liberdade, a igualdade e a soberania popular. Surge, nessa época, os chamados direitos de primeira dimensão (Direitos Civis e Políticos), caracterizados pela luta da burguesia contra o Estado Absolutista, visando à limitação desse, reservando aos indivíduos uma esfera de liberdade167.

Pode-se dizer, então, que os direitos de primeira dimensão tinham como principal valor a liberdade168. Na história, este primeiro momento de declarações dos direitos dos homens, preocupou-se com o fato de que o cidadão tem direitos por natureza, que ninguém, nem mesmo o Estado pode subtrair, e que o próprio homem

não pode alienar169. Essa idéia, como já mencionado, foi elaborada pelos

jusnaturalistas modernos, cujo precursor foi John Locke.

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A nomenclatura “Dimensão” ao invés de “Geração” será usada neste texto, pois “não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão “geração” pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo “dimensões” dos direitos fundamentais, posição esta que aqui optamos por perfilar, na esteira da mais moderna doutrina” SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos

direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 53.

167

Art. 1° da Declaração dos Direitos do Homem de do Cidadão de 1789 – “Todos os homens nascem livres e iguais em direitos, as instituições políticas só podem fundar-se na utilidade comum”. DECLARAÇÃO dos Direitos do Homem e do Cidadão. Disponível em: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/declaracao.htm>. Acesso em: 29 março 2006.

168

Dos direitos elencados, somente a liberdade é definida (art. 4°); e é definida como o direito de “poder fazer tudo o que não prejudique os outros”, que é uma definição diversa da que se tornou corrente de Hobbes a Montesquieu, segundo a qual a liberdade consiste em fazer tudo o que as leis permitem, bem como da definição de Kant, segundo a qual a minha liberdade se estende até o ponto da compatibilidade com a liberdade dos outros. Bobbio, A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 94.

169

Assim, além da concepção individualista, na qual, em primeiro lugar, viria o indivíduo – com valor em si mesmo – e depois vem o Estado, instaura-se um poder que ultrapassa a natureza não humana, permitindo dominá-la170. O artigo 2° da Declaração dos Direitos do Homem de 1789171 prevê que a “conservação dos direitos naturais e imprescindíveis do homem é o objetivo de toda a associação política”172.

A declaração de Independência dos Estados Unidos em 1776, apesar de ter precedido a Declaração Francesa, baseou-se em ideários iluministas franceses e tinha como objetivo a luta de algumas colônias norte-americanas contra a metrópole173. Fábio Konder Comparato considera estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, dentre eles estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade174.

A diferença de ambas as declarações é que a Declaração Americana baseia-se na liberdade pessoal, fundamentada no Estado de Direito, enquanto que a Declaração Francesa fundamenta-se no Estado Liberal, ou seja, o Estado limitado. A primeira tem como alvo o poder arbitrário, a segunda, o poder absoluto175.

Pode-se dizer também que, na Declaração Francesa, o direito de propriedade veio garantido antes mesmo da liberdade pessoal e, conseqüentemente, da liberdade civil. Marx, por essa razão, criticou tal declaração afirmando que os artigos que elevavam certas liberdades a direitos naturais e exaltavam a propriedade como sagrada e inviolável foram expressões não de princípios universais, mas de interesses de apenas uma classe – a burguesia176.

170

Sobre o assunto, ver SERRES, Michel. O contrato natural. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991; SOFFIATI, Arthur. A Natureza no Pensamento Liberal Clássico. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 20, ano 5, p.159-176, out./dez. 2000.

171

Art. 2° – O objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem; esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. DECLARAÇÃO dos Direitos do Homem e do Cidadão. Disponível em: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/declaracao.htm>. Acesso em: 29 março 2006.

172

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 9.

173

BOBBIO, Ibid., p. 113.

174

COMPARATO, Fábio Konder. A formação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 105. EMBAIXADA dos Estados Unidos. Declaração de Independência: Declaração Unânime dos Treze Estados Unidos da América. Disponível em: <http://www.embaixada- americana.org.br/index.php?action=materia&id=645& submenu=106&itemmenu =110>. Acesso em: 31 março 2006.

175

BOBBIO, op. cit., p. 123.

176

Nota-se, dessa forma, que as condições apresentadas pela evolução do homem em sociedade não abriam espaço para um pensamento que não fosse o individual.

O individualismo é a base filosófica da democracia: uma cabeça, um voto. Como tal, sempre se contrapôs (e sempre se contraporá) às concepções holísticas da sociedade e da história, qualquer que seja a procedência das mesmas, concepções que têm em comum o desprezo pela democracia, entendida como aquela forma de governo na qual todos são livres para tomar as decisões sobre o que lhes diz respeito, e têm o poder de fazê-lo. Liberdade e poder que derivam do reconhecimento de alguns direitos fundamentais, inalienáveis e invioláveis, como é o caso dos direitos do homem.177

Portanto, a primeira dimensão dos direitos do homem é marcada pela sociedade burguesa, na qual o valor primeiro é a liberdade, cuja verdade está representada pela ciência, onde a economia é de cunho mercantilista e o Estado é o Liberal.

Pouco ou nada se falava em deveres na época do Estado Liberal, fato este que reflete a dificuldade, nos dias atuais, do reconhecimento dos deveres de cada indivíduo para com a coletividade e para a manutenção do equilíbrio ambiental do planeta.