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2 TEXTO, TRADIÇÃO E HISTÓRIA EM PERSPECTIVA FILOLÓGICA: DA RAIZ ÀS PÉTALAS

2.3 A edição sinóptica em meio digital: envasar a flor

2.3.3 O MEIO DIGITAL E A UTILIZAÇÃO DO PREZ

A complexidade desta proposta esbarra na dificuldade de apresentar um número grande de redações em formato de livro, cujos recursos tipográficos necessários para tanto refletiriam no preço de venda. É assim que Maria Morrás (1999) e João Dionísio (2006) propõem a relação entre Informática e Crítica Textual, sugerindo a edição sob a forma de Hipertexto, defendendo a sua “capacidade de armazenamento muito superior à do livro

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Tradução livre: “na reprodução simultânea (normalmente em páginas contrastadas ou em colunas paralelas, verticais ou horizontais) da transcrição diplomática de todos e cada um dos testemunhos da tradição de uma obra”.

tradicional, leitura em confronto garantida pela formação de janelas, baixo preço” além da “possibilidade de resolver a pouca legibilidade do aparato, habitualmente impresso em corpo demasiado pequeno para a importância que tem” (DIONÍSIO, 2006).

Ressalte-se que não se trata de propor, para este trabalho, uma edição eletrônica, que é produzida com recursos tecnológicos que visam à construção de uma nova versão do texto (DEEGAN, 2006 apud LOURENÇO, 2009). A edição em meio digital, antes disso, é um trabalho filológico, que se realiza na ação do crítico sobre o texto e sua apresentação em meio eletrônico. Assim, busca-se a apropriação das ferramentas que o suporte eletrônico disponibiliza, indo além da utilização do meio digital como substituto do papel. Mais do que um novo suporte, o recurso eletrônico como suporte de escrita afeta as práticas de leitura contemporâneas, interferindo nas relações do objeto com seu leitor, que passa a ser interativo, bem como as práticas editoriais (CHARTIER, 2002b).

A respeito das possibilidades oferecidas pelas tecnologias da comunicação e da informação, Lourenço (2009) destaca a plasticidade do arquivo eletrônico, que busca

favorecer a metaleitura e, por esse motivo, constituir o formato mais adequado à “radial reading”, permitindo representar a história da produção, transmissão e recepção dos textos de uma obra e de outros tipos de documentos (LOURENÇO, 2009, p.251).

A leitura radial evidenciada no trecho acima adequa-se a textos que apresentam derivação radial, ou seja, admitem a coexistência de autoridades independentes, que não surgem uma em virtude da outra de modo linear e cronologicamente organizado (SPAGGIARI; PERUGI, 2004). Não há dúvidas a respeito dos modos como um arquivo digital afeta as relações entre texto e leitor, e, consequentemente, criam uma nova prática de leitura, uma vez que possibilitam “la presentación sincronizada de textos, e imágenes y la creación de ediciones virtuales a través de la Internet, de manera flexible y dinâmica”34 (URBINA et al, 2005, p.225).

O desejo de propor essa leitura radial, que expõe todas as versões do texto em relação, conduziu ao estabelecimento de um novo software como suporte para a realização dessa edição: o Prezi.

O Prezi é um software que apresenta a possibilidade de exposição do conteúdo sob a estrutura de diagramas que permitem a sistematização de informações e a realização de conexões entre eles, assemelhando-se ao formato de mapa mental (também chamado de

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Tradução livre: “a apresentação sincronizada de textos e imagens e a criação de edições virtuais através da Internet, de maneira flexível e dinâmica”.

mapas cognitivos), um conceito definido pelo professor inglês Tony Buzan, em Mapas mentais e sua elaboração (2005), como técnica utilizada para organização das ideias, que consiste na apresentação de um diagrama em forma de raiz, de modo a expor uma ideia nuclear no centro, e apresentar suas irradiações com ideias associadas ao tema principal nas ramificações.

Figura 1 – Imagem de um mapa mental aplicado a uma empresa

Fonte: BUZAN, 2009, p. 117.

Esse método de apresentação de ideias foi desenvolvido no campo da psicologia cognitiva para o registro de informações conectadas de modo interativo e didático (BUZAN, 2005). No preparo de uma edição de um texto com indícios de derivação radial, a exposição das versões de forma ramificada evidencia, ao mesmo tempo, a independência de cada versão e a conexão que ela estabelece com outras. Entretanto, há que se ter o cuidado de não expor muitos conteúdos ao mesmo tempo, gerando um excesso de informação na página eletrônica que, ao contrário de seduzir o leitor virtual, pode desmotivá-lo assustá-lo em um primeiro contato.

De modo geral, a exposição de conteúdos em forma de mapa mental possibilita uma maior interatividade do leitor com o texto, que tem a visão do todo e também pode escolher

que trecho deseja ver destacado. Para essa proposta, o Prezi se apresenta como um dos suportes mais completos. Segundo a descrição do programa exposta em sua página eletrônica,

Prezi is a […] presentation software that opens up a new world between whiteboards and slides. The zoomable canvas makes it fun to explore ideas and the connections between them. The result: visually captivating presentations that lead your audience down a path of discovery (PREZI, 2012, grifo nosso)35.

A citação acima expõe, nos termos em destaque, três aspectos diferenciais do Prezi em relação aos demais softwares de apresentação de conteúdos: o recurso de zoom, que permite que se explore a profundidade do documento, selecionando trechos que se desejam destacar; a constituição de um percurso de exposição dos conteúdos, que seleciona as informações que serão expostas de cada vez, evitando que os elementos do texto sejam todos apresentados simultaneamente, de modo a sobrecarregar a página com informações; e o estabelecimento de conexões entre os conteúdos, que permite a exposição de duas ou mais informações que se desejam ver relacionadas.

Há ainda outras características de uso do Prezi que justificam a escolha desse suporte de edição. Além de possibilitar uma exposição radial dos conteúdos e de ter uma ampla dimensão lateral, vertical, e profundidade, o programa permite que se utilize a “página” em múltiplas orientações (vertical, horizontal, diagonal, circular etc.); e admite coexistência de múltiplas mídias (música, imagem, vídeo e texto) simultâneas. A versão 2013 do programa também possibilita a apresentação de elementos com efeitos de animação (textos, vídeos, quadros e imagens podem surgir no programa à medida que leitor clica para avançar o conteúdo) e permite a exportação para o Prezi de arquivos em outros suportes, como o Microsoft Office Power Point.

Neste trabalho, optou-se por produzir uma série de cinco arquivos em formato Prezi, nos quais constam diagramas e informações referentes às partes da edição, a saber:

i. Apareceu a Margarida, de Roberto Athayde: edição sinóptica em meio digital – I ATO, em que se apresenta o primeiro ato das versões em confronto, sob a forma de diagrama, com cortes em destaque e notas de tradução;

ii. Apareceu a Margarida, de Roberto Athayde: edição sinóptica em meio digital – II ATO;

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Tradução livre: “Prezi é um software de apresentação que abre um novo mundo entre quadros e slides. A tela com possibilidade de zoom torna divertido explorar as ideias e as conexões entre elas. O resultado: apresentações visualmente cativantes que levam o seu público por um caminho de descoberta [dos conteúdos expostos]”.

Figura 2 – Fac-símiles da edição sinóptica em Prezi:

iii. Edição fac-similar de Apareceu a Margarida e cronologia das versõesque expõe os fac-símiles dos testemunhos, acompanhados de suas respectivas descrições físicas:

Figura 3 – Fac-símiles da edição fac-similar em Prezi, ressaltando o recurso de zoom.

iv. Arquivos da censura: certificados e pareceres disponibilizados pelo Arquivo Nacional – Brasília

Figura 4 – Fac-símiles dos Arquivos da Censura em Prezi

v. Arquivo Apareceu a Margarida: coletânea de textos de jornais e revistas, fotos e programas de espetáculos relativos a Apareceu a Margarida, arquivados no acervo pessoal de Roberto Athayde e na publicação de 1973:

A elaboração da edição em meio digital e impresso compreende algumas etapas específicas:

a) Digitalização de imagens, textos e documentos diversos relativos à AM;

b) Comparação das versões de AM, com vistas ao estabelecimento de uma genealogia das versões;

c) Descrição de todos os fac-símiles dos testemunhos;

d) Apresentação e organização dos fac-símiles em ordem cronológica, utilizando-se da ferramenta de zoom para a exposição de todas as imagens simultaneamente;

e) Transcrição dos testemunhos de AM;

f) Organização das transcrições em forma de edição sinóptica, com confronto das versões, expostas lado a lado, em forma de diagrama;

g) Preparo de notas de esclarecimento e destaque de trechos censurados, relacionando conteúdos dos arquivos através de miniaturas e utilização da ferramenta de zoom; h) Criação de arquivos para exibição dos fac-símiles do material estudado como paratexto;

i) Criação de percurso de leitura, que seleciona uma ordem lógica de exposição dos itens que compõem o arquivo.

Sabe-se, contudo, que nenhuma ferramenta é completa para as pesquisas, e o Prezi é um programa em formação, que se vem atualizando, pelo menos, mensalmente. De todo modo, percebe-se que a pesquisa filológica se constrói nas insatisfações e buscas do crítico por uma prática editorial que evidencie os aspectos que o editor deseja ver destacados na sua edição. Assim, a importância de se reconhecerem as especificidades da tradição textual para a escolha do modelo e do suporte editorial relaciona-se à ideia de que o vaso da flor deve ser adequado ao tamanho da sua raiz, mais ainda, o vaso deve acomodar o formato da flor, de

modo a valorizar os atributos do organismo vivo. Escolhe-se, portanto, o vaso em relação à flor, não o contrário.