• Nenhum resultado encontrado

MEMÓRIA

No documento Comunicação Empresarial (páginas 59-63)

RELAÇÕES PÚBLICAS

NAS SOCIEDADES EM MUDANÇA

Repensar o papel das Relações Pú- blicas na época contemporânea e numa perspectiva antropológica da evolução e mudança socio-cultural das sociedades exigiria demorada re- flexão diacrónica sobre a importância e consequências da Revolução Indus- trial nos diferentes sectores de activi- dade do Homem. Torna-se limitada tal abordagem, em profundidade, numa comunicação em Congresso, pelo que nos 1imitaremos a invocar referências temporais desde então até aos nossos dias e com particular interesse para as Relações Públicas.

Até finais do século passado (XIX), a conhecida Revolução Industrial pro- vocou, especialmente nos Estados Unidos e em Inglaterra, por efeito da concentração em grandes unida- des fabris, de máquinas e capital que aria Helena Correia

Samouco, que leccionava no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e na Uni- versidade Internacional, abordou o papel das Relações Públicas nas so- ciedades em mudança centrando-se na dignidade da pessoa humana e nas relações de trabalho.

Intervindo num painel composto, também, por Luís Filipe de Oliveira e Castro e Domingos de Avellar Soei- ro, e que integrou o programa do se- gundo dia de sessões, Maria Helena Samouco, num estilo marcadamente académico, não se poupou a referên- cias a autores, que deixou anotadas na cópia disponibilizada pelo Secre- tariado aos numerosos congressistas reunidos no Fórum Picoas (Lisboa). Passamos a transcrever a sua alocu- ção omitindo, por razões práticas, as duas páginas finais de Notas, mas mantendo os sublinhados:

A dignidade da pessoa humana foi um dos valores em que Maria Helena Samouco centrou a sua comunicação

MEMÓRIA

60

operavam em larga produção, profun- das mudanças ao nível do tecido social das famílias e de pequenas unidades de artes e ofícios, que laboravam em domicilio próprio e com consumido- res vizinhos.

Os complexos industriais provocaram, por força do liberalismo económico, o abandono de tradições e costumes do Homem de então, gerando a luta entre o capital e o trabalho traduzida no en- deusamento da máquina, em salários baixos e com jornadas de trabalho que chegaram a atingir as 18 horas. A expansão industrial teve efeitos tais, que as duas grandes máximas das Re- lações Públicas, que se ficaram a dever a Yvi Lee e Newton Wail valorizando a importância da informação com ver- dade e do respeito pelo interesse do público, passaram a merecer a atenção dos grandes senhores da Indústria. Em 1879, ainda não tinham sido divul- gados esses dois grandes princípios, a imagem do director de uma grande companhia americana de Caminhos de Ferro era abalada com a divulgação no jornal “Times” de uma impensada declaração sua.

As sucessivas consequências pelo desinteresse dos direitos públi- cos, por parte da classe dos grandes

industriais, chegou a envolver movi- mentações operárias de vulto e greves, às quais a colaboração de intelectuais da época foi indiscutível, através da adesão à batalha da informação orien- tada no propósito de denunciar injus- tiças sociais, causadas pelo impacto da industrialização, em sectores diver- sificados da sociedade americana. Das duas grandes guerras mundiais, na perspectiva da Comunicação, colheu a Europa o ensinamento de que a infor- mação psicológica é uma arma a utilizar com a cautela e limitação que os princí- pios das Relações Públicas impõem, de dever informar com verdade.

Só na segunda metade deste século (XX) emergem na Europa, incluindo Portugal, movimentos de pioneiros que fundam clubes, sociedades, asso- ciações e centros de Relações Públi- cas, que aprovam estatutos e códigos de ética dos profissionais desta área. Deram-se conta da importância desta actividade quando, no Novo Continen- te, na mesma época, os problemas das Relações Públicas eram já analisados numa perspectiva científica em mais de três universidades.

Um estudo de Alfred McClung Lee re- velava existirem, em 1945, cursos de Relações Públicas em 21 universida- des americanas e que, três anos depois (1948), o total de universidades, que ministravam estes cursos, se elevava para 62.

Em Portugal, actualmente, no Ins- tituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, na Universidade Internacional e no Instituto de Novas Profissões, as Relações Públicas integram os currí- culos de alguns cursos superiores. Mas podemos considerar como pri- meiro pioneiro europeu, de finais do Século XIX, o Papa Leão XIII, que, sem se referir a aspectos específicos da ac- tividade das RP, transmite com ante- cedência as preocupações da Igreja sobre os graves problemas sociais que afectariam o Homem nas relações de trabalho.

A Encíclica “Rerum Novarum”, de 1891, expressa a apreensão do Papa

relativamente aos problemas sociais geradores de conflitos e tensões, inevi- tavelmente existentes nas sociedades em mudança e que atormentariam o Homem, nas suas relações com outros homens ou com grupos institucionali- zados, na era pós-industrial.

O Professor Jorge Dias, ao referir-se às cidades como “macro-comunidades”, analisa a mudança de relações verifi- cada quando se passa de grupo local, cujas normas de convívio têm carácter pessoal e de intimidade, para relações impessoais, que caracterizam o quoti- diano da vida urbana.

Igualmente os conceitos de comuni- dades (gemeischaft) e sociedade (ge- sell schaft) analisados por Ferdinand Tonnies, em 1887, numa época carac- terizada pela transição do feudalismo para a sociedade industrial, põem em evidência o contraste de relações exis- tentes em ambas, bem como a desper- sonalização de relações na sociedade urbana, que contribui para a desca- racterização das heranças culturais comunitárias.

Os fenómenos provocados pela mu- dança, com consequentes alterações na estrutura do comportamento de elites e de outras classes sociais, constituem objecto de estudo e inter- pretação por parte de sociólogos. É de salientar o desenvolvimento dado pelo Professor Oscar Soares Barata aos problemas da diferenciação social, onde o autor apresenta indicadores sociais, de várias épocas, e através dos quais ressaltam os conflitos e agitação em comunidades camponesas ou em outras ocupações e ofícios, sempre que a máquina inova e liberta o Ho- mem de tarefas pesadas.

Indubitavelmente a mudança social, causas e consequências, devem cons- tituir, no âmbito das Relações Públi- cas, motivo de atenção, pois que ao especialista desta área cabe a tarefa de estimular o diálogo, facilitar a co- municação no seio das grandes orga- nizações, evitar os conflitos, conciliar os muitos e por vezes desencontrados interesses dos vários públicos.

A mudança social tem várias causas

Um caminho de melhoria nas condições de trabalho foi percorrido pela maioria das indústrias, sobretudo nas economias desenvolvidas

MEMÓRIA

- a elas também se refere o Professor José Júlio Gonçalves. Poderíamos afir- mar que todas as causas, que se situ- am desde o contacto de culturas, às descobertas científicas, às alterações ambientais ou às modificações da es- trutura económica das sociedades, para referir algumas, têm implicações, ainda que não imediatas, no contexto das relações entre os vários públicos. Vivemos novamente uma época de mudança, com consequências idên- ticas às da revolução industrial. Esta antevisão foi já expressa pelo Pontífice do nosso tempo, João Paulo II, quando duas décadas antes de dobrar o sécu- lo, em 1981, divulgava a Carta Encícli- ca “Laborem Exercens” advertindo o mundo para a necessidade de conciliar as mudanças estruturais a uma justa distribuição do trabalho em ordem a evitar que milhões de trabalhadores qua1ificados sejam condenados ao desemprego. Eram estas algumas das palavras do Santo Padre: “… em véspe- ras de novos progressos nas condições tecnológicas, económicas e políticas, o que - na opinião de muitos peritos - irá influir no mundo do trabalho e da produção, em não menor escala do que fez a revolução industrial no sécu- lo passado”.

Não pretendendo o Papa que seja da competência da Igreja analisar cienti- ficamente as consequências das mu- danças socio-culturais, não deixa de afirmar que elas “encerram um desa- fio contínuo a instituições, ..., Estados, ..., governos, ... organismos interna- cionais e constituem também um de- safio para a Igreja”.

A Igreja, sensível às palavras bíblicas “submetei a terra”, não deixa de acom- panhar com apreensão as “tensões de carácter ético-social” que inquietam o Homem de hoje e que pesarão nas re- lações de trabalho futuras, face ao ace- lerado desenvolvimento das modernas tecnologias electrónicas.

O computador combina não só os números como símbolos. Se por um lado constitui um precioso auxiliar do Homem, contribui para lhe subtrair a criatividade, em algumas tarefas,

reduzindo-o à condição de escravo. Até os estudiosos das ciências exactas, como o Prof. Marceau Felden, da Es- cola Superior de Electricidade de Pa- ris, não deixam de reconhecer que se “o desenvolvimento tecnológico cons- titui o motor do progresso, ele consti- tui por outro lado uma fonte de novas dificuldades e conflitos”.

O sociólogo norte-americano Alvin Toffler adianta com esperança que “o choque do futuro - a doença da mu- dança - pode ser evitado, mas para isso será precisa uma drástica acção social e, até, política”.

Como vemos, continua pertinente e cada vez mais necessária a actividade das Relações Públicas numa época ca- racterizada pelo “conflito entre grupos da segunda e terceira vaga”, para uti1i- zar uma expressão de Toffler, que en- tende, também, ser a “tensão política” a tónica da sociedade presente. Este autor, na obra “A Terceira Vaga”, que espera, como diz, inquiete com novas perguntas os leitores, adianta poderem “as empresas começar a re- construir os laços humanos”, facilita- da a tarefa pela produção da terceira vaga que permite a descentralização e redução das unidades de trabalho em mini-companhias ou cooperativas onde o sentimento de “pertença” es- timule os trabalhadores e os grupos. Também Toffler antevê o sucesso da electrónica na civilização da Terceira Vaga, na medida em que os computa- dores e as comunicações electrónicas poderão faci1itar a telecomunidade, a desenvolver, através da participação activa dos sujeitos colocados de um e outro lado do ecrã, ao contrário do que sucede hoje com a televisão, que obri- ga à passividade o receptor.

Neste campo da futurologia, a espe- rança dos estudiosos das Ciências Sociais é que o progresso tecnológico e o avanço da Inteligência Artificial, que Elaine Rich desenvolve, contri- buam para um melhor entendimento do universo futuro do conhecimento, prevenindo-se a Humanidade de erros e conflitos previamente calculados se não enveredar por caminhos eficazes.

0s progressos tecnológicos até agora conseguidos não dispensam o traba- lho e a investigação de sociólogos e antropólogos. À quantificação dos da- dos científicos terão necessariamente as Relações Públicas e as Relações Humanas de procurar o importante contributo dos antropólogos que, com base na observação e experimentação científica, fornecem os indicadores se- guros do comportamento do Homem e dos grupos, com o auxílio da Psico- logia Social. 0s alunos das universida- des a que estamos vinculados têm a preparação adequada para a pesquisa em RP, no âmbito das Ciências So- ciais.

Um dos muitos problemas que vão preocupando as organizações é o da imagem que reflectem na opinião pú- blica. Embora não seja tarefa única do especialista de Relações Públicas, a análise científica dos dados, sobre grandes problemas, fornece aos ser- viços, estruturas do poder ou outras organizações, indicadores sociais que permitem a melhoria da imagem e fa- cilitam o sucesso da planificação. Frank Jefkins, um dos mais conhe- cidos autores britânicos com vários trabalhos sobre Relações Públicas, reconhece a importância do estudo

(…) a mudança social, causas e consequências, devem constituir, no âmbito das

Relações Públicas, motivo de atenção, pois que ao especialista desta área cabe a tarefa de estimular o diálogo, facilitar a comunicação no seio das grandes organizações, evitar os conflitos, conciliar os muitos e por vezes desencontrados interesses dos vários públicos

MEMÓRIA

62

e aná1ise da imagem das organizações para a melhoria da sua reputação. Je- fkins não deixa também de salientar que os problemas da cultura organi- zacional, a cujo estudo hoje os antro- pólogos se vão dedicando, permitem definir a identidade própria de cada organização.

Vamos constatando a ampla e apaixo- nante tarefa que, no presente e a longo prazo, está reservada às Relações Pú- blicas, muito em especial a quem te- nha formação humanista.

Nos últimos tempos, a Comunicação Social tem divulgado notícias revela- doras de uma certa crise generaliza- da, em todo o mundo, especialmente no que toca às relações de trabalho, evidenciando falta de diálogo, incom- preensões e difícil conci1iação de inte- resses entre vários públicos e as enti- dades pagadoras. Refira-se a título de exemplo as greves operárias, por ra- zões salariais, na Polónia; os conflitos, também motivados pela política sala- rial do Presidente Sarney, que levaram à greve, no passado dia 13 de Abril, os funcionários dos serviços públicos de Brasília, a par de outras movimen- tações de trabalhadores reclamando justiça socia1 e exigindo diálogo. Portugal não tem, também, passado desapercebido aos olhos da opinião pública com ondas de protesto idên- ticas. Uma greve geral desencadeada pelas principais centrais sindicais, no dia 28 de Março, ameaçou paralisar o país, como forma de protesto pelo chamado “Pacote Laboral” preparado pelo Governo. A classe médica vem

igualmente mantendo greves pontu- ais, invocando a falta de diálogo por parte das estruturas do poder.

Estes vão sendo alguns dos sintomas da “Mudança”, que a nossa sensibili- dade antropológica regista e observa, porque tanto nas empresas como em outras organizações, inclusivé esta- tais, os Serviços de Pessoal parecem não cultivar a defesa dos justos inte- resses do público interno. Esta é igual- mente uma das áreas onde aos técni- cos de Relações Públicas se poderá passar a exigir trabalho proficuamente humano.

Esta ingente tarefa a que o nosso País terá de se dedicar, com afinco, no de- curso que medeia 1992 - data limite do desafio da integração europeia - e com igua1 persistência, nas décadas poste- riores, que nos projectarão no Século XXI, exige o concreto conhecimento da sociedade portuguesa. A base cien- tífica subjacente a qualquer planifica- ção no âmbito da mudança sócio-cul- tural está contida em vários estudos do catedrático João Pereira Neto. Este Professor vem de longa data dedican- do especial atenção a esta pesquisa na área de convergência da Antropologia Cultural e da Sociologia.

A sociedade portuguesa e em particular a classe média foram, nesta perspecti- va, analisadas segundo critérios de in- vestigação que abarcam os rendimen- tos e o poder de compra, apontados por Weber, o dos conflitos, cujas funções Coser desenvolve, para além de outros critérios clássicos que o autor enumera no capítulo introdutório do estudo so- bre “A Classe Média Portuguesa num contexto de Mudança”.

Com base numa sondagem realizada a nível nacional, em Abril de 1983, a to- dos os cidadãos eleitores, a sociedade portuguesa apresenta-se, através da- quele estudo, caracterizada por sexo, idade, habilitações literárias, religião, habitação e também por motivações económicas e políticas que incluem, entre outros, o grau de simpatia pelos programas económicos de cada partido. Ciente, no entanto, de possíveis mudanças ou alterações no quadro

ideológico de referência dos entrevis- tados e até de habilitações literárias, a análise dos dados permite-nos visua- lizar a sociedade portuguesa dividida em classe alta, com cerca de 0,8%; classe média (sub-dividida em média alta, média média e média baixa), cujo sub-total se situa em 76,4%; e em classe baixa, com 22,8% da população com idade a partir dos 18 anos.

Segundo o autor, “independentemen- te da falta de homogeneidade que a ca- racteriza em alguns aspectos, a Classe Média Portuguesa é a verdadeira de- tentora do poder, não só pelo seu peso em relação ao eleitorado mas, tam- bém, no que diz respeito ao exercício do poder político a nível da direcção dos partidos, dos órgãos de soberania, dos sindicatos e autarquias”.

Para a actividade das Relações Públi- cas, os dados sociológicos referidos constituem, para além de outros con- templados no estudo citado, elemen- tos a ponderar a nível nacional, nas estruturas do Estado, autarquias, ou em organizações de indústria, comér- cio e serviços, bem como em todas as outras actividades que não visem ape- nas o lucro mas tão somente desejam enveredar pela promoção, melhoria ou manutenção de uma saudável comu- nicação satisfatória aos interesses co- muns dos diferentes públicos com os quais estão em contacto.

O futuro das Relações Públicas está garantido no âmbito das Ciências So- ciais. Denis Huisman confirma dizen- do que quem trabalha no domínio das RP são antropólogos, psico-sociólogos e investigadores sociais. Teremos um vasto campo de trabalho, uma aliciante obra a realizar, porque estou certa de que políticos, empresários e responsá- veis de muitas instituições desejarão perpetuar uma obra humanizada. Se, nas palavras do grande Doutor da Igreja - S. Tomás de Aquino - o tra- balho é um “bem árduo”, com a ac- tividade das RP poder-se-á contribuir para uma mais perfeita dignidade da pessoa humana ajudando a multipli- car, numa perspectiva ética, correctas políticas de trabalho.

Se, nas palavras do grande Doutor da Igreja, S. Tomás de Aquino, o trabalho é um “bem árduo”, com a actividade das RP poder-se-á contribuir para uma mais perfeita dignidade da pessoa humana ajudando a multiplicar, numa perspectiva ética, correctas políticas de trabalho

No documento Comunicação Empresarial (páginas 59-63)

Documentos relacionados