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2.1 Interação Multi-dispositivo

2.1.2 Influências da Cognição Humana no Uso de Multi-dispositivos

2.1.2.2 Memória

Memória é o processo cognitivo responsável pela codificação, armazenamento e recupera- ção de informações recebidas pelos nossos sentidos. A codificação refere-se à informação de registo do nosso meio ambiente—que é determinado pela alocação de recursos de atenção. A informação é recebida por um ou mais dos nossos órgãos sensoriais e retida num dos componentes sensoriais específicos da modalidade, ou seja, o ciclo visual para armazenar a informação visual, ciclo fonológico para informação auditiva (Baddeley, 2000).

Quando estamos a interagir com um sistema estamos a usar a memória operatória (ou de trabalho). Este tipo de memória, definida por Baddeley, enquadra-se na memória de curto prazo e representa um sistema de armazenamento e manipulação temporária da informação durante a realização de um conjunto de tarefas cognitivas como a compreensão, a aprendiza- gem e o raciocínio. O armazenamento da memória operatória é limitado e pode ser excedido em determinadas situações como por exemplo combinar audio com texto, o que não acontece por exemplo ao combinar audio com imagem pois ao contrário do caso anterior não compe- tem pelo mesmo recurso sensorial (Holmes et al., 2012). Estes limites da memória operatória devem ser suportados pelos atributos do dispositivo (Still, 2009).

A memória operatória também é onde se dá o processamento da informação para guar- dar na memória a longo prazo que por sua vez não tem limite de armazenamento. Devido à in?uência da memória a longo prazo na memória operatória, cada utilização de um sistema é afetada por experiências anteriores (Still, 2009), desta forma a interação com um dispositivo diferente é sempre in?uenciada pela experiência com o dispositivo anterior.

O design da interação dos sistemas para uso singular e uso multi-dispositivo deve ser pensado de forma a que a aprendizagem seja simples, isto é, sem grandes quantidades de informação mostradas de uma só vez para que o utilizador possa processar e assim reter durante a utilização do sistema (Tidwell, 2011, p.9).

Mais uma vez a consistência entre dispositivos é um fator importante também para sustentar a memória evitando que o utilizador tenha de aprender novas formas de utilização se mudar de dispositivo para realizar uma tarefa habitualmente realizada num dispositivo diferente.

É normal os utilizadores interromperem uma atividade para fazer outra coisa que surja no momento e depois retomar a atividade mais tarde, isto deve ser suportado pelos sistemas

permitindo que o que o utilizador deixou a meio não se perca e esteja disponível para ser reto- mado mais tarde no mesmo dispositivo (Tidwell, 2011, p.12) e em dispositivos diferentes já que o fator tempo também in?uencia a memória do utilizador, vejamos que no caso de inter- rupção de uma tarefa para continuar noutro dispositivo implica que o utilizador se lembre do ponto onde parou ou até do raciocínio que interrompeu, se essa mudança for feita em pouco tempo não haverá grandes dificuldades para o utilizador mas caso passe um longo intervalo entre a mudança o utilizador terá de fazer um esforço para se lembrar do ponto onde parou (Denis e Karsenty, 2004). Esta situação deve ser um dado importante no design de interação multi-dispositivo, o fator continuidade é a solução e para que isso aconteça tem de haver uma sincronização entre os dispositivos (Wroblewski, 2012a; Estes, 2013b), prestando assim apoio à memória do utilizador.

Por outro lado o utilizador também guarda ou tenta guardar na memória aquilo que tem de fazer futuramente—a isto chamamos memória prospectiva. Essa memória acaba por ser apoiada quando é permitida a continuidade de uma tarefa interrompida no mesmo dispo- sitivo ou num dispositivo diferente, contudo nem sempre o utilizador abre o sistema para continuar a tarefa interrompida, umas vezes porque não se lembra da mesma outras porque tem mesmo de fazer uma coisa nova, nesse sentido o sistema deve ser um apoio à memória e relembrar que o utilizador deixou algo por concluir anteriormente (Tidwell, 2011, p.19), em uso singular e em uso multi-dispositivo.

2.1.2.3 Atenção

A atenção é um ato mental dirigido para algo, temos a capacidade de focar/dirigir a atenção e quando prestamos atenção pode ser a algo interno (na memória) ou a algo externo.

Para prestarmos atenção pode ser requerido algum esforço dependendo da tarefa que esta- mos a realizar.

O controlo da atenção é voluntário no entanto se um estímulo captar a atenção contra a nossa vontade ocorre o fenómeno da distração (Pashler, 1998).

A atenção é um recurso limitado que se re?ete na nossa incapacidade de dar resposta a mais que uma tarefa ao mesmo tempo, a menos que se treine consideravelmente para obter melhores níveis de desempenho. Contudo mesmo após muita prática nunca se consegue ter desempenho em duas tarefas equivalente a quando as realizamos individualmente (Pashler, 1998). Esta incapacidade é muito notável quando nos referimos a tarefas que envolvem o mesmo canal (duas tarefas visuais, duas tarefas auditivas, etc.), por exemplo, não consegui- mos acompanhar duas conversações mas podemos ler enquanto se ouve música.

Devido a esta incapacidade, a nossa atenção é selectiva, isto é, dirigimos a atenção a alguns estímulos em detrimento de outros (Pashler, 1998). Embora todos os estímulos à nossa volta tenham informação possível de ser processada o sujeito só absorve aquilo a que dirigiu a atenção.

Diferentes autores definiram modelos diferentes de atenção incluídos em dois tipos: modelos de Capacidade, em que toda a estimulação é processada em paralelo consumindo quantidades diferentes de capacidade existente; e modelos de Filtro, em que é defendida a existência de um filtro que bloqueia ou atenua a maior parte da estimulação para permitir o funcionamento eficaz do sistema cognitivo.

Nos modelos de Capacidade podemos referir Kahneman (1973, cit. in Pashler 1998) que defendia o processamento em paralelo, embora limitado, de todos os estímulos. Pelo facto de a capacidade ser limitada há uma distribuição de recursos e estabelecimento de prioridades.

Dentro dos modelos de Filtro pode-se destacar dois autores: Broadbent (1958, cit. in Pashler 1998) e Treisman (1960, cit. in Pashler 1998).

A teoria da seleção inicial de Broadbent diz que inicialmente todos os estímulos são processados em paralelo até ao ponto em que as caraterísticas físicas do estímulo analisadas através de um processamento serial, isto é, análise de um estímulo de cada vez. Através dessa análise, mecanismo que atua como filtro seletivo, é determinado qual o estímulo que deve prosseguir no processamento.

Treisman defende a existência de um filtro atenuador, dizendo que os estímulos rejeitados são atenuados em vez de bloqueados, isto é, são filtrados parcialmente. E estes estímulos não atendidos não produzem atividade suficiente para atingir o limiar.

No caso das experiências multi-dispositivo pode-se aplicar o modelo de Capacidade ao uso de apenas um dispositivo de cada vez pois é mais fácil a concentração na interface, por outro lado quando a interação envolve dois dispositivos a atenção é dividida e consequentemente há uma filtragem da informação absorvida aplicando-se neste caso um modelo de Filtro.

Segundo estudos realizados por Posner, Snyder e Davidson (1980) para perceber como se comporta a atenção na ausência de movimentos oculares, chegou-se à conclusão de que a atenção pode ser dirigida endogenamente, em que o controlo depende da vontade do observa- dor, ou exogenamente, em que a atenção depende do estímulo.

Dependendo da tarefa a atenção visual pode ser focal (direcionada a um alvo), dividida (reação a dois ou mais inputs) ou sustentada (desempenho em função da duração, da taxa de presença de alvos, etc., isto é, a capacidade de manter o foco numa atividade contínua).

No contexto multi-dispositivo o maior esforço de atenção requerido ao utilizador é quando está perante o uso simultâneo de dois ou mais dispositivos, neste caso a solução passa por

questões de tempo na apresentação de conteúdos e no tipo de conteúdos apresentados. A separação física e visual entre os ecrãs afeta a atenção visual dos utilizadores. Os efeitos da mudança de atenção irão depender da tarefa e dos métodos de input e output dos disposi- tivos.

Umar Rashid (2012) realizou um estudo para identificar os fatores que in?uenciam essa mudança de atenção visual e definiu cinco: a contiguidade dos ecrãs, a cobertura angular, coordenação do conteúdo, a objetividade do input e a correspondência do input.

A contiguidade dos ecrãs diz respeito a duas caraterísticas analisadas em conjunto: o campo visual (se os ecrãs tocam-se num dos lados ou não) e a profundidade (se estão a distân- cias diferentes ou não).

Relativamente à cobertura angular foram identificadas três situações: panorama (os ecrãs estão situados à volta do utilizador implicando a movimentação do corpo), campo visual amplo (o campo visual humano abrange cerca de 200° na horizontal e 135° na vertical, neste caso os ecrãs estão dentro do campo visual do utilizador e apenas implicam o movimento do olhar) e amplitude da fóvea (o espaço da exposição encaixa-se dentro da fóvea humana, cerca de 2°, não implica movimento).

A forma como o conteúdo é coordenado também é um aspeto in?uente, e essa coordena- ção pode ocorrer de três formas: clonado (conteúdo igual nos dois ecrãs), estendido (cada ecrã mostra uma parte do todo do conteúdo) e coordenado (cada ecrã mostra conteúdo diferente mas de alguma forma relacionado).

As formas de input podem ser diretas (as ações do utilizador ocorrem no mesmo sítio do

output, por exemplo num ecrã táctil onde se manipula diretamente aquilo que se vê), indi-

retas (quando há uma diferença espacial entre o input e o feedback dado, exemplo jogo no

smartphone e vejo o que acontece na tablet) e híbridas (quando há um input direto mas com

possibilidade de feedback num dispositivo diferente, por norma são casos de conteúdo clona- do, exemplo projeção de um vídeo que está a ser visto no telemóvel para a TV mas controlo através do smartphone).

A correspondência do input entre os diferentes ecrãs pode ser global (input controlador comum a todos os ecrãs), redirecionado (manipulação do conteúdo de um ecrã através de outro dispositivo) e local (cada ecrã com o seu próprio input).

2.1.2.4 Emoções

Para Norman (2004) as emoções são essenciais à vida. Tornam-nos inteligentes. A sua complexidade está intimamente ligada à evolução da espécie humana e ainda hoje o seu estu-

do é um campo em aberto, contudo sabe-se que as emoções constituem uma série de eventos que partem de um estímulo e causam sentimentos, mudanças psicológicas, impulsos de ação e comportamentos específicos (Plutchik, 2001).

O funcionamento das emoções tem origem em neuroquímicos existentes em partes específicas do cérebro e afeta a percepção, a tomada de decisão e o comportamento (Norman, 2004).

No mundo da tecnologia é muito frequente casos de zanga e frustração por parte do utili- zadores enquanto estão a interagir com o computador, por exemplo. Isto decorre muitas vezes de mau design ou simplesmente de negligência face às expectativas e necessidades do utili- zador. Certamente já aconteceu a todos os utilizadores, durante a execução de uma tarefa no computador, o aparecimento de um erro que os deixa sem saber o que fazer para resolver. A reação é a tentativa de uma solução mas o erro volta a aparecer até que se consegue resol- ver ou então desistimos. Este tipo de acontecimentos em que, muitas vezes também têm in?uência os alertas sonoros e os ícones chamativos, causam ansiedade no utilizador. Por sua vez, demasiada ansiedade dá origem a um fenómeno chamado “visão de túnel” que consis- te na elevada concentração do indivíduo que impede que se aperceba de outras alternativas óbvias (Norman, 2004). Na maioria das vezes sob o estado de ansiedade temos a tendência a repetir o ato que utilizamos como solução e não funcionou na primeira vez, acabando por causar ainda mais ansiedade e frustração ou até mesmo revolta física.

Casos de frustração perante a tecnologia devem ser evitados e a solução passa pelo design de sistemas que permitam uma fácil utilização, que informem sempre o utilizador acerca do que se passa a cada interação (feedback) e que, apesar de o objetivo ser evitar ao máximo os erros, em casos de erro indique o que se está a passar e dar dicas do que fazer (Nielsen e Molich, 1990; Nielsen, 1995a).

Por outro lado elementos como a cor, as imagens e os sons também contribuem para a manifestação de emoções no utilizador. Neste campo, estamos a falar de estética que é um dos indutores de afeto, uma vez que os dispositivos são multimodais a harmonia entre todos os elementos referidos é uma solução para fazer o utilizador se sentir bem, quando um siste- ma nos faz sentir bem é fácil de lidar e de obter melhores resultados (Norman, 2004).

A consistência e harmonia de um sistema nos vários dispositivos faz com que o utilizador se familiarize com a marca/empresa detentora do sistema e isso traz confiança e envolvimen- to na utilização dos mesmos (Tidwell, 2011, p.479; Estes, 2013a)

Na interação multi-dispositivo assim como na interação singular as dificuldades devem ser evitadas porque afetam as emoções do utilizador que acabam por ter muito peso na deci- são de usar ou não o sistema e de recomendá-lo ou não (Tidwell, 2011, p.478). Em casos como

o uso simultâneo de dispositivos a frustração pode ser pior pois dificuldades causadas por dois dispositivos ao mesmo tempo acabam por ser muito mais in?uentes em muito menos tempo.