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2.3. Sistemas de Memórias de Tradução

2.3.1. Memórias de Tradução

Sistemas de Memórias de Tradução são desenvolvidos especialmente para serem usados por tradutores profissionais com o intuito de auxiliar na tradução de documentos com conteúdos semelhantes. Assim, a cada tradução, as escolhas do tradutor irão gradativamente compondo um banco de dados que espelha o trabalho humano. Se o usuário for um tradutor descuidado, o seu banco de dados será impreciso. Entretanto, se o tradutor for criterioso e traduzir textos do mesmo assunto, o banco de dados proporcionará confiabilidade terminológica e otimização de tempo. Conforme Brum (2008, p. 47), a segmentação é um dos recursos básicos desse processo e consiste na divisão do texto em segmentos formando pares de frases, uma no idioma original, que permanecerá inalterada, e outra inicialmente no idioma original, mas que será editada pelo tradutor e substituída pelo texto traduzido. O par é composto pelo idioma de origem e pelo idioma de destino que será gravado na memória, formando um banco de dados. Ou seja, toda vez que um segmento é traduzido, ele será armazenado na memória de tradução que passa a ser um banco de dados de pares de segmentos de textos de origem e de destino, chamados de

unidades de tradução. Se, em futuras traduções, o texto original apresentar algum trecho igual ou semelhante ao que já tenha sido traduzido anteriormente, a memória identificará esse trecho e o mostrará como sugestão. Assim, dependendo do contexto, o tradutor poderá decidir se manterá a tradução sugerida, se usará apenas uma parte dela ou se fará uma nova tradução. Com isso, o tradutor economiza tempo e custos, mantendo a consistência terminológica com maior índice de reaproveitamento possível.

O outro recurso é o alinhamento que consiste em alimentar a memória com outros textos traduzidos anteriormente mesmo sem o uso de sistemas de memórias de tradução. Ou seja, é a comparação automática entre arquivos eletrônicos e a correspondência entre frases que possibilitam a criação das respectivas unidades de tradução. Por fim, mais um outro recurso é a recuperação, que consiste em aplicar, previamente e sem a interferência do tradutor, uma memória já existente em arquivos para tradução em lotes. Assim, o sistema substituirá as correspondências encontradas no banco de dados e o tradutor se dedicará aos segmentos novos e revisará os segmentos com correspondência inferior a 100%.

Considerando os objetivos desses recursos básicos em reduzir tempo e custos, Garcia (2006, p. 97) indaga se a chegada das Memórias de Tradução pode ser pensada como “uma benção ou uma maldição”, em razão de os ganhos com a alta produtividade serem contrabalanceados com as reduções de custos dos serviços de tradução, significando diminuição na remuneração aos profissionais de tradução. Ou seja, clientes não pagarão por trechos de textos já traduzidos anteriormente os quais já foram pagos, por esses mesmos clientes ou por outros clientes. A lógica desse mercado é a de não propiciar duplicidade de pagamento por algo já realizado.

Essa situação amplia as discussões sobre a contratação e a prestação de serviços de natureza intelectual. Os contratos de tradução não permitem ao tradutor a oportunidade de negociação da produção, ou seja, não há uma relação contratante/contratado, em que o contratado possa deter os direitos dos meios de produção (representados pelos segmentos anteriormente traduzidos e armazenados nas memórias), pois os tradutores são obrigados a aceitar as condições que lhe são impostas para a produção de um trabalho se quiserem ser contratados.

Nesse sentido, Garcia (2006, p. 97) problematiza a postura ética sobre o uso das memórias de tradução, indagando se o cliente teria direito também a essas memórias advindas dos serviços de tradução por ele pagos. Ademais, se um tradutor se utiliza de memórias de tradução produzidas por um grupo de tradutores, poderá requerer direitos autorais alegando que a tradução é, genuinamente, fruto de seu trabalho? Essas e outras questões fazem parte do cotidiano de todo tradutor com contrato de trabalho efetivo, autônomo ou freelancer.

Ainda sobre ética, Stupiello (2012a, p, 235) discute a relevância que o meio de produção tem na elaboração de uma tradução. Traduz-se com o auxílio das memórias não só para acelerar a produção do tradutor, mas especialmente para reaproveitá-la em trabalhos futuros:

Outro efeito dessa divisão de trabalhos seria a alienação dos direitos autorais por parte do tradutor, visto que, da mesma forma que este recebe o banco de dados para “alavancar” seu trabalho, dele também se espera a provisão do banco de dados formado a partir do trabalho realizado. Contratantes de serviços de tradução defendem sua exclusividade de acesso aos dados terminológicos reunidos a partir de um trabalho contratado. Por se considerarem propriet rios desse “subproduto” da tradução, em geral, exigem que lhes sejam repassados os dados terminológicos juntamente com a tradução. Esses dados são usados em trabalhos posteriores com o intuito de reduzir custos de tradução, na medida em que possibilitam o aproveitamento de correspondências estabelecidas, as quais são organizadas em “unidades de tradução”. Pela perspectiva do contratante, uma tradução deveria ser remunerada uma única vez, ou seja, a partir do momento em que um segmento for traduzido e reocorrer em outros textos, não deveria ser remunerado integralmente, independentemente do contexto de que ela vier fazer parte (STUPIELLO, 2012a, p. 235).

Dessa forma, vemos que, com os aportes tecnológicos, a discussão sobre a tarefa do tradutor centraliza-se na necessidade de garantir qualidade e lucratividade frente ao volume astronômico de traduções a serem realizadas.

2.3.2. Tradução Móvel

Embora a Tradução Móvel (Mobile Translation) não seja utilizada diretamente por tradutores profissionais, ilustramos este capítulo com esta outra modalidade de Tradução Automática, que é viabilizada por aparelhos portáteis conectados à internet (smartphones ou tablets) e que produz traduções instantâneas, acessíveis e

gratuitas. A tradução móvel foi desenvolvida em 1999, pelo Instituto Internacional de Pesquisas Avançadas em Telecomunicações, em Kansai Science City, no Japão. Em 2004, esse sistema foi disponibilizado comercialmente por meio da Transclick. Em 2009, NEC Corporation apresentou outro sistema de tradução móvel capaz de reconhecer 50.000 palavras japonesas e 30.000 palavras inglesas, produzindo traduções simples para situações de viagens internacionais (http://en.people.cn/200511/30/eng20051130_224674.html). Os aplicativos de tradução para smartphones oferecem serviços adicionais que facilitam o processo comunicativo, tais como:

a) Análise de fala (speech synthesis): o texto traduzido pode ser transformado em áudio no formato de uma fala humana com o registro da língua de chegada;

b) Reconhecimento de voz (speech recognition): a voz do usuário é gravada e enviada para um servidor que converte a fala em texto antes de ser traduzido;

c) Tradução por imagem (image translation): a imagem de um texto fotografado é enviada para um servidor que utilizará a tecnologia OCR (optical character recognition) para extrair o texto que será traduzido;

d) Interpretação de voz (voice interpreting): o usuário seleciona a combinação de idioma desejada e é conectado automaticamente a um intérprete.

2.3.3. Legendagem

Legendagem (Subtitling) não é apenas o método mais rápido e mais barato para traduzir diálogos em um filme, mas também é o mais preferido, pois permite que a audiência ouça o diálogo original e as vozes dos atores, diferentemente da dublagem. A tradução por legendagem é um pouco diferente da tradução do texto escrito, pois o tradutor de legendas nem sempre tem acesso à transcrição do diálogo e, via de regra, necessita sintetizar muito os enunciados para cumprir com as determinações de espaço e tempo estabelecidas em manuais de legendagem; por exemplo, uma legenda não deve passar de duas linhas ou 32 caracteres ou, ainda, cuja leitura seja de 15 caracteres por segundo.

Os principais tipos de tradução audiovisual em utilização atualmente são: tradução interlingual (legendagem, dublagem, voice-over12) e tradução intralingual (legendagem para surdos, descrição em áudio para cegos, closed-caption13 e legendagem para o teatro e para óperas).

Além da criação da legenda, o legendador também sincroniza as posições exatas onde cada legenda deve ser mostrada ou ocultada, resultando em um arquivo de legendas sincronizadas com a entrada e a duração das cenas. Estes marcadores são geralmente baseados em código de tempo (timecode) – se for um trabalho para mídia eletrônica (por exemplo, TV, vídeo, DVD) –, ou na duração do filme (medida em centímetros e quadros) – se as legendas forem utilizadas para filmes de cinema tradicional. Alguns programas de legendagem mais utilizados são o Subtitle Workshop para Windows, MovCaptioner para o Mac e Compositor da legenda para o Linux que, em seguida, serão codificados em um arquivo de vídeo com programas como o VirtualDub em conjunto com VSFilter (DÍAS-CINTAS e SÁNCHEZ, 2006, p. 40).

2.4. Internacionalização

A Internacionalização (Internacionalization) é o início do processo de desenvolvimento de um software que será comercializado em outros países. Com a Internacionalização, desde as primeiras etapas do projeto de um novo software, passando pelo planejamento, desenvolvimento e, por fim, implementação, é importante considerar questões linguísticas, culturais, financeiras e legais que envolvem a distribuição, a comercialização e a exportação do software para mercados estrangeiros. Ou seja, é primordial que o desenvolvimento do software contemple as prerrogativas que envolvem a tradução da língua materna do país exportador, a neutralidade cultural no texto do programa, a adaptação de imagens e ícones, a observação às convenções gráficas (números, alfabetos, calendários,

12 Voice-over é a voz (em filmes, programas ou comerciais) de um narrador oculto ou é a voz de uma personagem visível expressando pensamentos não falados. Tradução nossa. http://www.merriam-webster.com/dictionary/voice%E2%80%93over, 2016.

13 Closed-caption é a transcrição na tela das falas expressas em filmes, programas ou comerciais. Tradução nossa. http://www.merriam-webster.com/dictionary/voice%E2%80%93over, 2016.

horários, endereços, etc.) e a inclusão de caracteres ortográficos e fonéticos, como por exemplo, o som [œ], em francês, ou o som [ñ], em espanhol, dentre outros (AUER, WEIDL, LEHMANN, ZAVERI e CHOI, 2010).

2.4.1. Localização

A indústria de Localização teve início com os microcomputadores e com a expansão comercial de produtos de informática, quando fabricantes entenderam a necessidade de adaptar seus produtos às idiossincrasias sociais, culturais e linguísticas de cada local, conforme esclarecem Gil e Pym (2006, p. 13)14:

Destacadamente, a partir da década de 1980, a necessidade de traduzir e adaptar o software a novos mercados levaram ao uso comum do termo "localização" em vez de "tradução". A palavra inglesa localization significa “to make local, orient locally” e

traz a noção de tornar algo local ou orientar localmente, conforme explica Prudêncio, Valois, e De Lucca (2004, p. 215):

Localização é o processo que adapta o produto ao mercado local. Uma primeira concepção é que é somente o trabalho de tradução dos textos, afinal, realiza-se a Localização a partir do idioma (e aspectos culturais) original de criação do software (inglês, por exemplo), chamado de idioma de origem ou de partida (source language), para o idioma local (português, por exemplo), ou idioma-alvo ou de destino (target language). Mas também é necessário localizar diversos outros aspectos dos softwares: por vezes, um software envolve, por exemplo, questões legais ou de práxis contábil ou de negócios que não são adequadas ao país de destino. As adaptações que se fazem necessárias também correspondem ao conjunto de atividades que a localização engloba (PRUDÊNCIO, VALOIS, e DE LUCCA, 2004, p. 215).

A Internacionalização (I18N)15 e a Localização (L10N) de websites, programas e aplicativos são responsáveis pela comercialização de produtos em formato textual ou audiovisual, como um jogo eletrônico (Mario, Pokémon, Battlefield, etc.), um site corporativo (Unilever, Nestlé ou Novartis, etc.), um site educacional (UNESCO,

14

Tradução nossa: Most prominently, from the 1980s the need to translate and adapt software to new markets led to common use of the term “localization” rather than “translation”.

15 Na área de Tecnologias da Informação (TI), a criação de siglas ocorre de forma peculiar. Por exemplo, a palavra Internacionalização, por ser muito longa, é representada pela sigla I18N, ou seja, a primeira letra da palavra [I], o número 18, representando as 18 letras intermediárias, e a última letra [N] da palavra em inglês (InternationalizatioN). Da mesma forma, a palavra Localização (Localization) é representada pela sigla L10N.

Harvard ou Paris-Sorbonne, etc.), uma rede social (Facebook, Twitter, Linkedin, etc.) ou um serviço de comunicação pela internet (Skype, Whatsapp ou Hangout, etc.). A Localização de Jogos (Game Localization) refere-se ao processo de transformação do software e do hardware para preparação de videogames que serão importados e vendidos em uma nova região, normalmente, em outro país. Apesar da transposição de textos, o processo de Localização inclui quaisquer alterações feitas no jogo, incluindo e alterando elementos de arte, criando novas embalagens e manuais, registrando novo áudio, transformando hardware, e até mesmo cortando porções inteiras do jogo devido às diferentes sensibilidades culturais. O objetivo da Localização é criar uma experiência agradável de jogo, que não seja confusa ao usuário final, em razão da adaptação ao contexto cultural. A suspensão da descrença é de extrema importância para o processo; se um jogador se sente como se o produto não tenha sido concebido para ele, ou se a Localização cria confusão ou dificuldade de compreensão, isso pode quebrar a imersão e interromper a habilidade de o jogador continuar interessado pelo jogo.

A decisão de localizar um produto depende fortemente de fatores econômicos, como os lucros potenciais que poderiam ser angariados em um novo país. Como tal, o processo é geralmente realizado ou pelos próprios desenvolvedores de jogos ou por uma empresa terceirizada de tradução. Como um campo industrial, a Localização ainda está em desenvolvimento e carece de consistência para implementação e reconhecimento de sua importância. A coleta de informações sobre práticas de Localização industrial, muitas vezes torna-se difícil pela falta de coerência entre as empresas e pelas cláusulas de sigilo inseridas nos contratos assinados pelas empresas de tradução. Um exemplo da nebulosidade desse contexto foi a curta duração da LISA (Localization Industry Standards Association), com base na Suíça, entre 1990 e 2011. Após o encerramento das atividades da LISA, o consórcio TerminOrgs (Terminology for Large Organizations) foi criado para promover o alinhamento de práticas terminológicas voltadas para a indústria de Localização. Alguns dos softwares utilizados na Localização são: Corel Catalyst, Appcaliza, RD- Wintrns e Passolo que são compatíveis com o Windows. Já o Appleglot e o Powerglot são compatíveis com o Macintosh (ESSELINK, 2003, p. 27).

De forma resumida, a Internacionalização (I18N) se refere à colocação de um produto (textual ou audiovisual) no mercado internacional. Já a Localização (L10N) constitui a segunda parte na preparação do software, responsável pela adaptação ao local específico em que será utilizado; tornando esse produto estrangeiro o mais regional possível em seu local, ou locale (mercado-alvo). Assim, o trabalho de Localização está intimamente ligado ao da tradução, posto que o localizador deve ser fluente ou nativo no idioma-alvo.

2.4.2. Glocalização

Glocalização (Glocalization) combina a ideia de globalização com a de considerações locais. Glocalização (uma junção de globalização e localização) é a adaptação de um produto ou serviço especificamente para cada localidade ou cultura em que é vendido. É semelhante à internacionalização. É quando um produto global é alterado de alguma maneira, a fim de atrair consumidores locais a se acostumarem com um produto estrangeiro. Um exemplo de globalização é a crescente presença de restaurantes McDonalds em todo o mundo, enquanto as alterações do menu, com o objetivo de agradar paladares locais, são um exemplo de glocalização. Uma ação que ilustra o conceito de glocalização é a escolha feita pela empresa McDonald, durante uma campanha de marketing em 2010, ao substituir sua mascote para o mercado francês. A cadeia de restaurante utilizou Asterix, o Gaulês, personagem das histórias em quadrinhos da cultura francesa, ao invés do mundialmente reconhecido Ronald McDonald (BUFFERY, 2010, http://in.reuters.com/article/2010/08/18/idINIndia-50918120100818).

2.4.3. Globalização

É interessante notar que o entendimento, nos primórdios da globalização, apontava para a consolidação de uma língua franca. Contudo, observamos o contrário, a necessidade de manter, por interesses comerciais, a multiplicidade linguística e cultural, não por se acreditar que a preservação de uma língua seja uma forma de reverenciar uma cultura, mas para ser um instrumento de aproximação mercadológica. Considerar as especificidades de uma língua, em uma transação comercial, não parece uma tentativa de respeitar, mas sim de subjugar uma cultura, pela imposição de mercadorias e práticas estrangeiras que não se relacionam com

as idiossincrasias culturais, mas que atendem, tão somente, a audaciosos projetos de marketing internacional.

Um cenário globalizado e plurilíngue, como o da Comunidade Europeia, leva-nos a mencionar outras tentativas de uniformidade linguística, a exemplo do Esperanto – língua artificial mais falada no mundo e que já adquiriu o status de semilíngua –, ainda considerado como uma opção para se tornar uma língua franca internacional. Conforme seu idealizador – o médico judeu Ludwik Lejzer Zamenhof, que a desenhou, em 1887, na iałystok (atualmente localizada na Polônia, então, Império Russo) – o Esperanto não visaria à substituição de todas as outras línguas existentes, mas, sim, à facilitação da aprendizagem de uma língua franca. Christiansen (2006, p. 21) analisa a potencialidade de algumas políticas linguísticas destinadas para a União Europeia em que pesem a participação, a integração e os benefícios de processos democráticos para comunidades linguísticas minoritárias e majoritárias. A autora discute a reinterpretação do que a União Europeia poderá representar no que se refere às questões identitárias permeadas pelo multilinguísmo e resumidas em noções de uma União Inglesa, uma União Elitista, uma União Equalitária ou uma União Esperanto (palavra formada pelas partículas latinas sper +

ant + o = o que espera).

Em que pese o desenvolvimento de Tecnologias de Tradução, as políticas linguísticas são particularmente importantes nesse cenário, supondo que uma educação multilíngue, ou plurilíngue, é vista como uma ferramenta democrática para assegurar a participação cidadã em debates intergovernamentais, como é o caso da União Europeia. Considerando um planejamento cuidadoso de educação multilíngue, o ensino poderia seguir um modelo trilíngue (uma língua materna, uma língua franca e uma língua adicional) salvaguardando, com isso, identidades étnicas. Christiansen (2006, p. 43) conclui que, em longo prazo, a alternativa para uma política linguística mais adequada seria empregar uma língua artificial, tal qual o Esperanto, como língua franca ou língua de apoio, a fim de que comunicações profissionais, no interior de instituições da Comunidade Europeia, sejam viabilizadas de maneira eficaz e eficiente.

Do exposto neste capítulo, a prática tradutória encontra-se no centro de toda a problematização mercadológica, tecnológica e linguística. Com a utilização de

Memórias de Tradução, vemos a reciclagem de segmentos de textos em que a língua recebe esparsas atualizações, como se fosse uma entidade fixa, rígida e que não estivesse em constante (re)construção. Com a Localização, temos a busca de especificidades da língua local para impor mercadorias estrangeiras, em uma relação de controle da língua, colocando e retirando o que causa estranhamento, ou seja, a própria equivocidade constitutiva da língua que escapa, deixando rastros do que é diferente e estranho. Por fim, com a Tradução Colaborativa, vemos a fixação de modelos de trabalho ainda mais neoliberais, isentos de direitos e garantias trabalhistas e carregados de obrigações e riscos empresariais. Assim, por meio do discurso da qualidade de produto, sofisticação tecnológica e lucratividade de serviços se estabelece a legitimação de procedimentos de naturalização das práticas, apagando, indícios do surgimento de mecanismos de simplificação da linguagem e homogeneização das subjetividades e, por conseguinte, de reconfiguração da identidade de tradutores, ou seja, a eterna secundarização dos tradutores.

3. TRANSCURSO TEÓRICO

A razão na linguagem: oh, que velha e matrona enganadora! Receio que não nos livraremos de Deus, pois ainda cremos na gram tica…

Nietzsche, ( 888 [ 6 “razão na filosofia”§ 5])

3.1. Fetiche

Durante os séculos XVI e XVIII, o Golfo do Benin, localizado na África Ocidental, era a região mais densamente povoada do continente africano, fomentando o contato transcultural em razão dos interesses mercantis. Comerciantes, navegantes e exploradores de ouro, marfim e escravos (dentre outras mercadorias), com o intuito de sucesso comercial, passaram a observar detalhes das multiculturas que ali passavam. Cartógrafos, antropólogos e missionários também contribuíram para o interesse europeu pelas idiossincrasias das culturas africanas.

É neste contexto que as variantes do termo fetiche – fétiche (do francês), feitiço (do português), ficticius ou facere (do latim) – são cunhadas, especialmente, a partir da publicação “Du culte des Dieux Fétiches ou Parallèle de l‟ancienne eligion de l‟Égypte avec la eligion actuelle de Nigritie”, em 760, escrita pelo erudito francês Charles de Brosses (1709 – 1777). Segundo Laranjeira (2010, p. 1), De Brosses interpretou os cultos dos povos primitivos relacionando fetichismo a objetos ou animais (oráculos, amuletos, talismãs) que, embora não fossem considerados deuses, eram pensados como dotados de poderes mágicos ou sobrenaturais, positivos ou negativos, podendo ser comparados à adoração de imagens santas das religiões europeias.

Entretanto, Charles de Brosses (1760, p. 10-11) não restringia o fetichismo à população africana. O filósofo definia o fetichismo, exemplo de Teologia Pagã, como uma crença da população da África ou de qualquer outra nação cujos objetos de culto seriam animais ou seres inanimados divinizados. O fetichismo também poderia se referir a objetos não considerados como deuses propriamente ditos, mas como coisas dotadas de uma força imanente, a exemplo dos oráculos, amuletos e talismãs protetores (LARANJEIRA, 2010, p.1).

Entre os séculos XVIII e XIX, o conceito de fetichismo foi largamente utilizado, na antropologia e na sociologia. Para o filósofo francês e fundador da Sociologia e do

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