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Memorial do Convento evoca a história Portuguesa do reinado de D. João V, no séc. XVIII, procurando estabelecer um paralelo c as situações políticas da actualidade. Relata essa época de luxo e de grandeza da corte de Portugal que procura imitar a corte francesa de Luís XIV. O ouro proveniente do Brasil permite a resolução de alguns problemas financeiros e permite ao rei investir no luxo de palácios e igrejas. Com o objectivo de ultrapassar a grandiosidade do “escorial de Madrid” e do palácio de Versalhes, e em acção de graças pelo nascimento do seu filho, manda construir o convento de Mafra, juntamente com um palácio e uma extraordinária basílica.

Romance

O Memorial do Convento é um romance histórico na medida em que nos oferece uma minuciosa descrição da sociedade portuguesa do inicio do séc. XVIII, marcada pela sumptuosidade da corte, associada à inquisição e pela exploração dos operários. A referência à guerra da sucessão, em que Baltasar se vê amputado da mão esquerda, a imponência brutal dos autos de fé, a construção do convento, os esponsais da princesa Mª Barbara, a construção da Passarola pelo Padre Bartolomeu de Gusmão confirmam a correspondência aproximada ao que nessa época ocorre e conferem à obra a designação de romance histórico. Apresenta-se como romance social porque se preocupa com a realidade do operário oprimido. Nesta medida, afirma-se como romance social, uma vez que retracta a história repressiva Portuguesa do séc. XX. O passado presentifica-se pela intemporalidade de comportamentos, desejos e pela denúncia de situações de opressão, repressão e censura no momento da escrita. Há uma tentativa de encontrar um sentido para a história de uma época, que permite compreender o tempo presente e recolher ensinamentos para o futuro. Romance de espaço, porque representa uma época, interessando-se não só por apresentar um momento histórico, mas também por apresentar vários quadros sociais que permitem um melhor conhecimento do ser humano.

Dimensão Simbólica/Histórica

Observa-se que em Memorial do Convento há uma intenção de interferência do passado com o presente, com a particularidade de conseguir utilizar a reinvenção da História como estratégica discursiva para olhar a actualidade. A história torna-se matéria simbólica para reflectir sobre o presente, na perspectiva da denúncia e dela extrair uma moralidade que sirva de lição para o futuro.

Estrutura

A estrutura de o Memorial do Convento apresenta duas linhas condutoras de acção: a construção do convento de Mafra e a relação entre Baltasar e Blimunda (que se interliga com a construção da Passarola). Subjacente à acção principal estão os sentimentos: medo e engano. No desenrolar do romance denota-se o medo de Blimunda ao ver sua mãe morta num auto de fé ou enquanto o Padre Bartolomeu constrói a Passarola às escondidas com medo da inquisição. O engano faz-se notar principalmente com a atitude dos padres franciscanos que “chantagearam” o rei dizendo-lhe que só teria herdeiros se construísse um convento.

Na obra são expostos, os excessos do rei ao “esbanjar” o ouro proveniente do Brasil em luxos (daí o seu cognome Magnânimo) contrastando com as dificuldades do povo e a crueldade dos autos de fé. É relatado impressionantemente as condições de trabalho dos trabalhadores e todo o seu sofrimento (“...a diferença que há entre tijolo e Homem é a diferença que se julga haver entre quinhentos e quinhentos”). Paralelamente à acção principal está o amor que une Baltasar e Blimunda. Amor este, verdadeiro, sentido e mútuo contrapondo-se ao de D. João e D. M.ª Ana: um amor pouco leal (o rei tem filhos bastardos de uma madre e de uma freira) e convencional.

A construção do convento por sua vez, espelha bem o tremendo sofrimento do povo, as mortes de que resultou a edificação do convento e também a dessacralização matrimonial (separação das famílias). Saramago faz aqui uma crítica á igreja, uma vez que para servir a Deus não são precisas mortes e sacrifícios. Critica também a

brutalidade dos autos de fé – profano. Por outro lado a construção da Passarola (sagrado) simboliza uma esperança de fugir ao medo e obter liberdade (a arte e a escrita libertam-se da opressão do poder). A construção é a partilha de um sonho do Padre Bartolomeu com Blimunda e Baltasar e é com entusiasmo, cooperação e solidariedade que a Passarola é construída, contrapondo-se à construção do convento. Tempo

As referências temporais são escassas, ou apresentam-se por dedução. As analepses são pouco significativas. A data de 1711, tempo cronológico do início da acção, não surge explícita na obra, mas facilmente se deduz.

Narração

Saramago rejeita a omnipotência do narrador, voz crítica.

A voz narrativa controla a acção, as motivações e pensamentos das personagens, mas faz também as suas reflexões e juízos de valor. Os discursos facilmente passam da história à ficção. (Segundo Sartre, estamos perante um narrador privilegiado, com poder de ubiquidade (está dentro da consciência de cada personagem, mas também sabe o antes e o depois)).

Carga Simbólica

Sugere as memórias evocativas do passado + remete para o mítico e misterioso ao lado da história da construção do convento, surge o fantástico erudito e popular. Personagens:

D. João V – Rei de Portugal, rico e poderoso, preocupado com a falta de descendentes, promete levantar convento em Mafra se tiver filhos da rainha. Orgulhoso, vaidoso, prepotente, absoluto

D. Maria Ana Josefa - devota, humilde, passiva, submissa, infeliz, sente culpa pelos sonhos com o cunhado.

Baltasar Sete-Sóis – maneta, chega a Lisboa como pedinte, conhece Blimunda, ajuda na construção da passarola, morre num auto-de-fé.

Blimunda Sete-Luas – capacidades de vidente, vê entranhas e vontades, ajuda na construção da passarola, partilha a sua vida com Baltasar, o seu poder permite curar ou criar. Saramago consegue dotá-la de forças latentes e extraordinárias, que permitem ao povo a sobrevivência, mesmo quando as forças da repressão atingem requintes de sadismo.

Intuitiva, extraordinária compreensão e força interior, personagem invulgar. É possuidora de um dom fantástico: vê dentro das pessoas e através de determinadas substâncias. É possuidora de um pensamento rigoroso e inteligente. Tem uma linguagem profética. Tem um código de valores não comuns. Tem iniciativa, segurança, segurança e superioridade moral; muitas vezes fala com autoridade e de modo sacudido.

Nunca foi muito religiosa e, à medida que a história vai avançando vai se tornando progressivamente paganista. A pouco e pouco vai deixando de praticar os actos religiosos e só Bartolomeu a coloca na ordem do sobrenatural pelos poderes que possui.

Ama o Baltasar com um amor incondicional, puro, espontâneo, natural, numa comunhão total de corpos e almas (amor verdadeiro).

Padre Bartolomeu de Gusmão – evita a Inquisição devido à amizade com o Rei, apoiado por Baltasar, Blimunda e Scarlatti, morre em Toledo.

Personagem complexa, algo controversa, angustiada, em conflito. O facto de ser investigador e sonhador pode ajudar a compreender a sua evolução espiritual. Desde o seu aparecimento que apresenta alguma duplicidade ao nível da linguagem é representante do pensamento livre, moderno, com os seus sonhos, as usas fraquezas e, por isso mesmo, muito humano.

O Povo – construiu o convento em Mafra, à custa de muitos sacrifícios e até mesmo algumas mortes. Definido pelo seu trabalho e miséria física e moral, surge como o verdadeiro obreiro da realização do sonho de D. João V.

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