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Miguel: é o protótipo do pequeno tirano, inseguro e prepotente, avesso ao progresso, insensível à injustiça e à miséria.

Felizmente há Luar!

D. Miguel: é o protótipo do pequeno tirano, inseguro e prepotente, avesso ao progresso, insensível à injustiça e à miséria.

Todo o seu discurso gira em torno de uma lógica oca e demagógica, construindo verdades falsas em que talvez acabe mesmo por acreditar. Os argumentos do ardor patriótico, da construção de um Portugal próspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no senhor, são o eco fiel do discurso político dos anos 60. D.Miguel e o Principal Sousa são talvez as duas personagens mais detestáveis de todo o texto pela falsidade e hipocrisia que veiculam.

Principal Sousa: Para além da hipocrisia e da falta de valores éticos que esta personagem transmite, o Principal Sousa simboliza também o arranjo entre a Igreja, enquanto, enquanto instituição, e o poder e a demissão da primeira relação à denúncia das verdadeiras injustiças. Nas palavras do principal Sousa é igualmente possível detectar os fundamentos da política do “orgulhosamente sós” dos anos 60.

Andrade Corvo e Morais Sarmento: São os delatores por excelência, aqueles a quem não repugna trair ou abdicar dos ideais para servirem obscuros propósitos patrióticos.

O espaço

O espaço cénico – outras linguagens estéticas

O cenário assume, nesta peça, um valor fundamental e integra a construção do sentido do texto, pelas conotações implícitas à sua concepção.

Os jogos de sombra/luz e a posição que as personagens cumprem em palco constituem formas de enfatizar aspectos que se pretendem relevantes em várias situações, ao longo da peça, e que servem a caracterização do espaço social, revelando a dimensão ideológica da obra.

O espaço físico

É, por vezes, a partir das didascálias e das falas das personagens que retiramos algumas ilações em relação aos espaços onde decorre a acção. Assim surge um macroespaço – Lisboa -, a Baixa, o Rato, o campo de Sant’Ana, a serra de Santo António e a zona do Tejo.

Lisboa surge, pois, como o centro e símbolo do país, a capital do reino, onde está instalado o governo e onde se inicia a rebelião do povo contra a opressão: é deste espaço que emana a voz da revolução e a conspiração inicia-se em Lisboa e só depois se alarga à província.

O espaço social

O clima de opressão, de pobreza, de revolta está presente ao longo de toda a peça e é visível a intenção do autor, ao propor, à maneira de Bretch, que assistamos, distantes, a episódios que fizeram a nossa História e que merecem a nossa reflexão e a nossa análise crítica.

E a repressão fazia-se sentir a todos os níveis. Material, social e cultural. Paralelismo entre o passado e as condições históricas dos anos 60

Em “Felizmente há luar!” percebe-se, facilmente, que a história serve de pretexto para uma reflexão sobre os anos 60 do século XX. Sttau Monteiro, também ele perseguido pela PIDE, denuncia assim a situação portuguesa durante o regime de Salazar, interpretando as condições históricas que, anos mais tarde, contribuiriam para a “revolução dos Cravos”, em 25 de Abril de 1974. Tal como a agitação e conspiração de 1817, em vez de desaparecer com medo dos opressores, permitiu o triunfo do liberalismo em 1834, após uma guerra civil, também a oposição ao regime vigente nos anos 60, em vez de ceder perante ameaça e a mordaça, resistiu e levou à implantação da democracia.

Tempo da História: séc. XIX (1817) Tempo da Escrita: séc. XX (1961)  Agitação social que levou

à revolta liberal de 1820 – conspirações internas; revolta contra a presença da Corte no Brasil e a influência do exército britânico.

 Agitação social dos anos 60 – conspirações internas; principal irrupção da guerra colonial

 Regime absolutista e tirânico

 Regime ditatorial de Salazar

 Classes sociais fortemente hierarquizadas

 Classes dominantes com medo de perder privilégios

 Maior desigualdades entre abastados e pobres

 Classes exploradoras com reforço do seu poder

 Povo oprimido e resignado  A miséria, o medo e a ignorância  Obscurantismo, mas felizmente há luar  Povo reprimido e explorado  Miséria, medo e analfabetismo

 Obscurantismo mas crença nas mudanças

 Luta contra a opressão do regime absolutista

 Manuel, o mais consciente dos populares, denuncia a opressão e a miséria

 Luta contra o regime totalitário.

 Agitação social e política com militantes antifascistas a protestarem  Perseguições dos agentes

de Beresford

 As denúncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais sarmento, hipócritas e sem escrúpulos

 Censura à imprensa

 Perseguições da PIDE  Denúncias dos chamados “bufos”, que surgem na sombra e se disfarçam pa colher informações e denunciar

 Censura  Severa repressão dos

conspiradores

 Processos sumários e pena de morte

 Prisão e duras medidas de repressão e de tortura  Condenação em processos sem provas  Execução do general Gomes Freire, em 1817  Execução do general Humberto Delgado, em1965

A ambiguidade do título

O título da peça de Sttau Monteiro reveste-se de um sentido ambíguo marcado pela dupla simbologia do fogo, que remete simultaneamente para a destruição e para a purificação, do luar que se liga à morte mas também à vida e dos diferentes pontos de vista das personagens que profere ma frase: “Felizmente há luar!”: D. Miguel e Matilde.

As didascálias

A peça é rica de marcações com referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa, desprezo, irritação – normalmente relacionadas com os opressores; tristeza, esperança, medo, desânimo – relacionadas com os oprimidos). As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos, posições, cenários, gestos, vestuário, sons (o som dos tambores, o silêncio, a voz que fala antes de entrar no palco, o sino k toca a rebate, um murmúrio de vozes,...) e efeitos de luz (o contraste entre escuridão e luz: os dois actos terminam em sombra, de acordo com o desenlace trágico). De realçar que a peça termina ao som de fanfarra (“Ouve-se ao longe uma fanfarronada que vai num crescendo de intensidade ate ao cair do pano”) em oposição à luz (“Desaparece o clarão da fogueira”), no entanto, a escuridão não é total porque “felizmente há luar”.

As didascálias funcionam na obra como: - Explicações do autor

- Referência à posição das personagens em cena - Indicações aos actores

- Caracterização do tom de voz das personagens e suas flexões - Indicação das pausas

- Saída ou entrada de personagens

- Apresentação da dimensão interior das personagens - Indicações sonoras ou ausência de som

- Ilações que funcionam como informações e como forma de caracterização das personagens

- Sugestão do aspecto - Exterior das personagens

- Movimentação cénica das personagens

- Expressão fisionómica dos actores; linguagem gestual a que, por vezes, se acrescenta a visão do autor

- Expressão do estado de espírito das personagens Os símbolos

A saia verde: a felicidade (a prenda comprada em Paris – terra da liberdade -, no Inverno, com o dinheiro da venda das duas medalhas); sendo um presente de Gomes Freire para a sua amada em “tempos de crise”, simboliza a sua coragem, altruísmo e o seu amor e carinho por Matilde; ao escolher aquela saia para esperar o companheiro após a morte, destaca a “alegria” do reencontro (“agora que se acabaram as batalhas, vem apertar-me contra o peito”); o facto de ser verde remete para a esperança e é uma cor tranquilizadora, refrescante e humana;

O título/a luz/a noite/o luar: o título surge por duas vezes, ao longo da peça, inserido nas falas das personagens:

¤ D. Miguel salienta o efeito dissuasor que aquelas execuções poderão exercer sobre todos os que discutem as ordens dos Governadores (“Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada, Excelência, e o cheiro hei-lhes ficar na memória durante muitos anos...Sempre que pensarem em discutir as nossas ordens, lembra- se-ão do cheiro...” Logo de seguida afirma “é verdade que a execução se prolongará pela noite mas felizmente há luar...”); esta primeira referência ao título da peça, colocada na fala do governador, está relacionada com o desejo expresso de garantir a eficácia da execução pública: a noite é mais assustadora, as chamas seriam visíveis de vários pontos da cidade e o luar atrairia as pessoas à rua para assistirem ao castigo que se pretendia exemplar

¤ Na altura da execução, as últimas palavras de Matilde são de estímulo para que o povo se revolte contra a tirania dos governantes (“Olhem bem! Limpem os olhos no clarão (...)”)

A luz, simbolicamente está associada à vida, à saúde, à felicidade, enquanto a noite e as trevas se associam ao mal, à infelicidade, ao castigo, à perdição e à morte.

A lua, simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do sol, e por atravessar fases, mudando de forma, representa a dependência, a periodicidade e a renovação. Assim, é símbolo de transformação e de crescimento. A lua é ainda considerada como “o primeiro morto”, dado que durante três noites em cada ciclo lunar ela está desaparecida, como morta, depois reaparece e vai crescendo em tamanha e em luz... ao acreditar na vida para além da morte, o homem vê nela o símbolo desta passagem da vida para a morte e da morte para a vida...

Por isso, na peça, nestes dois momentos em que se faz referência directa ao título, a expressão “Felizmente há luar!” pode indiciar duas perspectivas de análise e de posicionamento das personagens:

¤ A força das trevas, do obscurantismo, do anti-humanismo e a utilização do lume (fonte de luz e calor) para “purificar a sociedade”

¤ Se a luz é redentora, o luar poderá simbolizar a caminhada da sociedade em direcção à redenção, em busca da luz e da liberdade.

Assim, dado que o luar permitirá que as pessoas possam sair de suas casas (ajudando a vencer o medo e a insegurança na noite da cidade), quanto maior for a assistência, isso significará:

¤ Para uns, que mais pessoas ficarão avisadas e o efeito dissuasor.

¤ Para outros, que mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade.

A fogueira/o lume: assume um papel de fonte de esperança, de apelo para a mobilização dos esforços do povo contra a opressão do regime, de luz que indica o caminho a seguir; pode também ter um papel dissuasor, na medida em que impressiona e mete medo aos menos convictos da causa liberal

Memorial do Convento

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