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B) A Capacidade de Imaginação Produtiva

1. Capítdlo 1 – Todo Jdízo é Reflexivo e a Capacidade de Imaginação como Exibição

1.9. A Mera Reflexão

O juízo reflexivo procede a suas conclusões por analogia ou indução (LJ 132-3, 151). A indução é regida pelo princípio de generalização segundo o qual “o que a muitas coisas de um

gênero convém convém às demais também” (LJ 133, 151 – itálico de Kant). A analogia é um

processo submetido ao princípio de especificação imaginativa que diz: “as coisas de um gênero das quais conhecemos muitos aspectos concordantes, também concordam nos demais aspectos que conhecemos em algumas coisas deste gênero, mas não percebemos em outras” (Id. ibid.). Porém esses princípios estão sob o princípio transcendental do juízo reflexivo, de sistematização, que estabelece a unidade de todos os princípios empíricos sob princípios supremos. Se o princípio do juízo determinante é “todo objeto particular é semelhante se se subordina a categorias universais”, o princípio do juízo reflexivo classifica as diferenças entre objetos entre gêneros coordenados em um sistema. Devido a essa diferença de princípios, os conceitos servem a fins diferentes nas duas críticas. No juízo determinante, o conceito é o terceiro de três atos (apreensão, compreensão e exibição (Gegenstand, esquematismo, aplicação ao objeto)). Já no juízo reflexivo, a exibição ocorre sem compreensão conceitual ou síntese, pois reflexão é comparativa, a reflexão na forma estética envolve a comparação direta da apreensão e da exibição.

A reflexão envolve comparação, e uma vez que a comparação com outras representações para encontrar semelhança é impedida pela natureza da reflexão em questão, Kant tem que explicar o que é comparado com o quê em tal reflexão. Sua resposta é:

em um juízo meramente reflexionante, capacidade de imaginação e entendimento são considerados na proporção em que têm de estar no juízo em geral em relação um ao outro, comparada com a proporção em que efetivamente estão, em uma dada percepção (EE 26, 56)57.

Em outras palavras, em um tal juízo, uma comparação é feita entre o relacionamento das faculdades em questão na percepção de um objeto dado e seu relacionamento máximo ou ideal, no qual os “dois amigos” trabalham juntos de uma maneira sem fricção. Isto é, a comparação estética é o ato de asseverar, através do sentimento, se a forma de um objeto em que se reflete ocasiona uma harmonia livre na mera reflexão ou não. Kant incentiva essa visão quando tenta ligar pela primeira vez essa comparação da harmonia das faculdades com a forma do objeto em que se reflete e com um novo tipo de finalidade lógica:

Se, pois, a forma de um objeto dado na intuição empírica é de tal índole que a apreensão do diverso do mesmo na capacidade de imaginação coincide com a exposição de um conceito do entendimento (sem se determinar qual conceito), então na mera reflexão entendimento e capacidade de imaginação concordam mutuamente em favor de seu operação, e o objeto é percebido como final meramente para o juízo, portanto a finalidade mesma 57 “[I]n einem bloß reflektierenden Urteile Einbildungskraft und Verstand in dem Verhältnisse, in welchem sie in der Urteilskraft überhaupt gegen einander stehen müssen, mit dem Verhältnisse, in welchem sie bei einer gegebenen Wahrnehmung wirklich stehen, verglichen, betrachtet werden” (EE 26, 56)

é considerada meramente como subjetiva; assim como nenhum conceito determinado do objeto é requerido para isso nem engendrado através disso, e o juízo mesmo não é um juízo de conhecimento. – Um tal juízo chama-se um juízo de reflexão estético (EE 57; 27)58.

Como o texto indica, uma harmonia na mera reflexão é apenas o estado mental no qual não há conflito entre capacidade de imaginação e entendimento, como quando possuem propósitos opostos, como é normalmente o caso. Na mera reflexão, a capacidade de imaginação fornece um conteúdo apreendido que se apresenta como contendo “algo universal em si”, i.e., algo que parece como se fosse o esquema ou exibição de um “conceito ainda indeterminado”, embora nenhum conceito em particular. Em um tal estado, que corresponde à norma requerida para a cognição sem ela mesma levar à cognição, precisamos pensar no entendimento como “vivificado”59 para

compreender a regra que parece subjazer a esse conteúdo apreendido, o qual, por sua vez, “inspira” a capacidade de imaginação a exibi-lo tão completamente quanto possível. É dessa maneira que as duas faculdades se incentivam reciprocamente de uma maneira indeterminada.

Embora isso tudo seja muito metafórico, podemos começar a entendê-lo com a teoria da reflexão lógica. Pois a função atribuída à capacidade de imaginação na mera reflexão não é diferente daquela designada a ela na cognição ou, o que é o mesmo, a reflexão levando à determinação, quer dizer, apresentar “algo universal em si” ou exibir um “conceito ainda não determinado”. A diferença é só que na mera reflexão envolvida em um juízo de gosto, a capacidade de imaginação não exibe o esquema de um conceito específico sob o qual o objeto pode ser subsumido em um juízo determinante cognitivo. Pelo contrário, ela exibe um padrão ou ordem (forma), que sugere um número indeterminado de esquematizações possíveis (ou conceitualizações), nenhuma das quais completamente adequada, daí ocasionando engajamento com o objeto. Assim, é dessa maneira que o objeto se apresenta na intuição, antes de qualquer conceitualização, como se designado para nossas faculdades cognitivas, como subjetivamente final.

Nesse capítulo, depois de uma exposição provisória da distinção entre juízo reflexivo e determinante, expusemos mais detidamente o que Kant entende por juízo – para tanto, tratando também dos temas da determinação e da reflexão em seus sentidos transcendental e lógico (adiando o fechamento da discussão para o tratamento do esquematismo empírico que faremos no próximo 58 “Wenn denn die Form eines gegebenen Objekts in der empirischen Anschauung so beschaffen ist, daß die Auffassung des Mannigfaltigen desselben in der Einbildungskraft mit der Darstellung eines Begriffs des Verstandes

(unbestimmt welches Begriffs) übereinkommt, so stimmen in der bloßen Reflexion Verstand und Einbildungskraft wechselseitig zur Beförderung ihres Geschäfts zusammen, und der Gegenstand wird als zweckmäßig, bloß für die Urteilskraft, wahrgenommen, mithin die Zweckmäßigkeit selbst bloß als subjektiv betrachtet; wie denn auch dazu gar kein bestimmter Begriff vom Objekte erfordert noch dadurch erzeugt wird, und das Urteil selbst kein Erkenntnisurteil ist. – Ein solches Urteil heißt ein ästhetisches Reflexions-Urteil” (EE 57; 27).

capítulo). De posse desse entendimento do que seja o juízo, passamos a tratar dos juízos de gosto procurando elucidar melhor a distinção entre juízos determinantes e reflexivos. Isso então nos levou a discutir os temas da harmonia das faculdades, da apreensão estética e da exibição – situando a capacidade de imaginação produtiva como exibição. E, na última sessão desse capítulo, apresentamos o terceiro tipo de reflexão: a “mera reflexão”.

Portanto, o principal resultado desse capítulo deve ser ter apresentado os fundamentos da concepção da capacidade de imaginação produtiva como exibição tal como proposto na introdução. Esses fundamentos são a distinção entre juízo determinante e juízo reflexivo (revista como entre juízo reflexivo determinante e juízo meramente reflexivo – a ênfase na presença da reflexão em todo juízo) e as discussões preliminares acerca da harmonia das faculdades e da apreensão.

De posse desses resultados, passaremos a analisar nos dois capítulos seguintes a capacidade de imaginação produtiva em seus dois modos de exibição: no capítulo 2, a exibição esquemática que se dá no juízo reflexivo determinante; e no capítulo 3, a exibição simbólica que acontece em relação ao juízo meramente reflexivo. Para, na conclusão, podermos explicitar de modo mais geral e seguro o que seja a produtividade da capacidade de imaginação – e sua criatividade.

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