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O estudo realizado por Sundermann, Freitas e Castro (2015) com a Associação Nacional de Produtores de Cachaça de Qualidade revelou questões

prementes e demandas reprimidas, no mercado de cachaças de alambique, em especial e fornece um panorama desse mercado.

A cachaça, também conhecida como pinga, aguardente e outras denominações, historicamente, mostra-se presente na vida de brasileiros, sendo seu consumo justificado por momentos de tristeza, de alegria, de comemoração, de desconsolo, dentre outros.

Embora boa parte da história da cachaça apresente restrições, taxações e, inclusive, proibições de comercialização e produção, observa-se que recentemente, sobretudo, na segunda metade do século XX em diante, houve um incremento em programas, organizações e legislação em favor da produção e comercialização da cachaça (FARIA, 2002). Neste contexto, em 1988, foi criada a Associação Mineira de Produtores de Cachaça de Qualidade (ANPAQ) com o objetivo principal de promover e valorizar a cachaça, aproximar produtores, melhorar processos produtivos, dar suporte técnico e contribuir para disciplinar o setor e definir requisitos de qualidade da cachaça artesanal de Minas Gerais (CACHAÇA COM NOTÍCIAS, 2015).

Considerando que a ANPAQ exerce um papel importante, na organização e qualificação dos processos produtivos e de comercialização da cachaça artesanal, no estado de Minas, influenciando também outras regiões, definiu-se a proposta do trabalho mencionado quanto a compreender as principais bandeiras e demandas defendidas nesse mercado.

Considera-se que aspectos relacionados à qualidade do destilado, ao reconhecimento do produto como patrimônio cultural e aos aspectos regulatórios foram aqueles destacados pelas matérias veiculadas no informativo da ANPAQ, como se percebe, a seguir (CACHAÇA COM NOTÍCIAS, 2013a, 2013b, 2013c, 2013d, 2013e, 2014a, 2014b, 2014c, 2014d, 2014e, 2014f, 2015).

O consumo de cachaça esteve relacionado historicamente às classes populares, dessa maneira, a cachaça era percebida como um produto de baixo

valor agregado, ou seja, um subproduto da cana-de-açucar. A defesa da qualidade da cachaça de alambique tornou-se uma das bandeiras da ANPAQ, que se configura como estratégia de reposicionamento de mercado, a partir das estratégias de desenvolvimento de produtos e novos mercados consumidores em classes sociais economicamente mais abastadas que se apresentam como o objeto de estudo desta tese de doutorado, as confrarias de consumo de cachaça artesanal.

Sobre as temáticas que tratam da modernização e padronização dos processos produtivos da cachaça, na edição nº 36 do informativo foram abordados os incentivos, para a inovação tecnológica, como também o desenvolvimento de embalagens sofisticadas para Cachaças Gourmet. Na edição nº 38, as orientações, para a modernização e reposicionamento de produto, a partir de estratégias de Marketing, tornam-se mais perceptíveis.

Sobre o aspecto da qualidade, a persuasão sobre a adesão de tecnologias inovadoras se torna expressiva, ao defender “A qualidade da cachaça ou da aguardente será, muito em breve, a garantia para se manter produzindo. Quem não produzir com qualidade, estará fora do mercado” (CACHAÇA COM NOTÍCIAS, 2015, p. 5), adicionalmente, esses aspectos são explorados quanto à capacitação dos produtores de cachaça, como também a aplicação de tecnologias e práticas de envelhecimento de cachaça artesanal de qualidade, em especial, para consumidores afluentes economicamente, esses aspectos se tornam prementes.

Destaca-se a busca constante pela qualidade que se manifesta, na divulgação dos eventos, nas premiações e rakings das melhores cachaças, notadamente, nas confrarias de consumo do destilado. Esses são instrumentos que incitam a competição entre produtores, com a finalidade de aprimorar as tecnologias produtivas, para alcançar produtos com altos níveis de qualidade, incentivadas, nesse contexto, pelos consumidores.

Ao mesmo tempo, destaca-se a possibilidade de reconhecimento e status dos destilados obtidos com qualidade. As premiações e rakings mais citados foram: Ranking da Cúpula da Cachaça; Concurso Mundial de Bruxelas, Expô Jabó, Festival Sabor Cachaça, Expocachaça e, no âmbito das confrarias, as degustações da bebida em encontros abertos e fechados, dentre outros. Percebe- se que esses concursos são realizados por organizações que se interessam pelo aprimoramento das tecnologias produtivas de cachaça e aperfeiçoamento do mercado.

Complementarmente, outra defesa que centraliza os objetivos da cadeia da produção de cachaça artesanal apresenta-se na luta para o reconhecimento do destilado enquanto patrimônio cultural nacional. Nas publicações da AMPAQ, o reconhecimento da Cachaça, como um bem cultural, como um patrimônio nacional, é uma discussão constante que apresenta várias estruturas e modalidades argumentativas. Em outras palavras, existem formatos variados de discursos (formatados nos argumentos das reportagens) que persuadem quanto à necessidade, importância, relevância, oportunidade e à viabilidade de reconhecer a Cachaça como um bem cultural, produto genuinamente brasileiro, que requer ser enaltecido como patrimônio nacional. Aspectos esses descritos na contextualização histórica e na mudança discursiva sobre a percepção do consumo de Cachaça.

As publicações, nas quais essas argumentações estão claramente posicionadas, na revista Cachaça com Notícias, são as edições de números 28, 29, 30, 32, 33 e 37, que apresentam reportagens tratando, de maneira mais consistente, do reconhecimento da Cachaça como Produto Nacional. Na edição 28, exploram-se essas possibilidades de reconhecimento, como, por exemplo, a exportação para os Estados Unidos em que “A cachaça era vendida nos EUA como “Brazilian Rum”. Com a nova regulamentação, para ter o nome cachaça no rótulo, a bebida deve ser obrigatoriamente produzida no Brasil e estar de

acordo com os padrões brasileiros de identidade e qualidade” (CACHAÇA COM NOTÍCIAS, 2013b, p. 14).

Como estratégia de fortalecimento desse movimento, foram eleitas as datas comemorativas da Cachaça como produto Gourmet de alta qualidade reconhecida internacionalmente.

O Instituto Brasileiro de Cachaça (Ibrac), dentro do seu programa de valorização da bebida nacional, entrou com projeto, defendido pelo deputado Valdir Collato, no Congresso Nacional, referendando 13 de setembro Dia Nacional da Cachaça. A bebida, produto cultural brasileiro desde 1994, em fevereiro deste ano deixou de ser rotulada como “rum” nos Estados Unidos, ganhando status de produto gourmet. A Colômbia também se manifestou, junto ao Itamarati, signatária deste reconhecimento (CACHAÇA COM NOTÍCIAS, 2013c, p. 8).

Além do dia Nacional da Cachaça, 13 de setembro, também é destacada a data do Dia Estadual da Cachaça em Minas Gerais, 21 de maio. Percebe-se que essas ações estão intencionadas a relacionar a Cachaça às características culturais locais, ou seja, os aspectos que promovem sentido às relações sociais de uma coletividade e territorialidade. Essas intenções manifestam-se de maneira mais clara, do ponto de vista da análise discursiva e nas práticas sociais, ao passo que se criam relações de sentido entre os hábitos, rituais, crenças e outras expressões da cultura brasileira e a cachaça.

O Brasil comemora, nos dias 11 e 13 de setembro, o Dia Nacional do Cerrado e da Cachaça. Datas instituídas oficialmente por leis que homenageiam o segundo bioma mais rico do Brasil e uma das mais importantes commodities brasileira - a cana-de-açúcar, que dá origem à bebida nacional e cultural brasileira (CACHAÇA COM NOTÍCIAS, 2013c, p. 13).

Essas passagens discursivas produzem efeitos de sentido que reposicionam a percepção da cachaça, enquanto produto cultural, como também exploram o reposicionamento da imagem, ao valorizar aspectos e enaltecer a

importância desse produto na cultura brasileira. Também são referenciados a evolução e o papel da cachaça, no ambiente mercadológico, na edição 32, apresentando o desenvolvimento de um sítio eletrônico que reúne as informações e curiosidades relevantes sobre o produto, enquanto „Bebida Nacional Brasileira‟, termo recorrente utilizado nas publicações analisadas.

Além disso, a edição 33 destaca as vantagens mercadológicas, para a exportação criada, a partir do reconhecimento legal e cultural da cachaça, como produto genuinamente brasileiro. A edição aborda o crescimento do consumo da cachaça, como produto gourmet, em países europeus, como a Itália, Portugal e Alemanha. Ou seja, o desenvolvimento de novos mercados perpassa pelo desenvolvimento de produtos de qualidade e reposicionamento do imaginário cultural sobre a Cachaça, em âmbito nacional e internacional, respectivamente. Percebe-se, dessa maneira, que as estratégias de vinculação cultural são desenvolvidas, simultaneamente, no mercado interno e externo.

Pode-se considerar que a nomenclatura cachaça é ponto fundamental das orientações de reposicionamento do destilado, sua imagem e reputação, ou seja, as narrativas de cultura e qualidade contêm nelas um plano elaborado de conquista de novos mercados consumidores.

Na edição 37, aspectos sobre a cultura do homem do campo são destacados como uma possibilidade turística para produtores e consumidores de cachaça. Em outras palavras, pretende-se incluir a cachaça como um produto relevante para o Agro-turismo. Paralelamente, são destacadas as relações entre o consumo de café e de cachaça artesanal, a partir do Circuito Café com Cachaça. Na edição citada, são questionadas as interlocuções entre as características das lavouras de café, cana-de-açúcar e agricultura familiar, como também os processos artesanais de produção. Essas e outras questões de reconhecimento cultural, como discutido na contextualização histórica, refletem-se em práticas discursivas e sociais, quanto à materialização das narrativas discursivas

apontadas, ao longo da análise. A corporificação dos discursos, em prática sociais, faz-se perante a associação de vários eventos e aspectos culturais que ressignificam a cachaça na percepção dos consumidores e demais envolvidos.

Para que os objetivos de reconhecimento cultural e de qualidade sejam alcançados, são criados contextos que produzem sentido às estruturas ideológicas, com a finalidade de cumprir a agenda das principais instituições que defendem a cachaça como um produto de destaque na cultura nacional. Nessa trajetória, emergem tensões e conflitos discursivos, sociais e políticos com outras instituições, como, por exemplo, o governo e demais agentes de mercado que não se enquadram na perspectiva que a ANPAQ defende. Um exemplo recorrente são as tensões em torno de questões tributárias, ambientais e de regulamentação do setor.

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