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2.2 Estudos do Consumo

2.2.2 Cultura: dimensões de Análise

2.2.2.3 Os Ritos, Rituais e Cerimônias

Os ritos, rituais e cerimônias consistem em categorias da análise cultural que sugerem dramatização e simbologia que incorporam os valores, crenças e pressupostos em comportamentos. Acredita-se, nesse sentido, que nenhum evento na organização possa ser categorizado como corriqueiro ou trivial, ou seja, diz-se que as realizações nas organizações são creditadas de reconhecimento que tornam expressiva e materializam a cultura (CUPOLLILO; CASOTTI; CAMPOS, 2013; FREITAS, 2007).

As funções dessas categorias estão fundamentadas em comunicar de maneira clara a forma como as pessoas devem se comportar e chamam atenção para os procedimentos que são realizados em coletividade. Além disso, fornecem experiências que devem ser lembradas e produzem efeitos que influenciam a conduta dos membros do grupo e, analogamente, fornecem identidade comum e segurança para o grupo (FREITAS, 1991; SCHEIN, 2009).

Vale considerar que existem diferenças conceituais entre essas categorias, embora suas funções sejam comuns. Os ritos, por exemplo, configuram um espectro dramático, relativamente elaborado, que consolida várias formas de expressão num evento, é baseado em interações sociais que demandam audiência do grupo. Em outras palavras, os ritos simbolizam um evento do grupo ao enaltecer um conjunto valores, crenças e princípios do grupo (FLORES-PEREIRA; DAVEL; CAVEDON, 2008; FROST, 1991).

Complementarmente, as cerimônias consistem em um conjunto de ritos sistematizados que se expressam em um evento de maior ressonância simbólica à identidade do grupo e suas características singulares que estão impregnadas de valores e crenças do grupo (CARRIERI; CAVEDON; SILVA, 2008).

Os rituais têm despertado interesse em vários estudiosos, analisando seu aspecto simbólico e material que orienta a realização das atividades cotidianas

de um grupo, por exemplo. Na visão de Freitas (1991, 2007), os rituais configuram um conjunto de técnicas e procedimentos detalhados que orienta os comportamentos e ações dos membros do grupo sobre seus papeis e, paralelamente, colaboram no controle da ansiedade diante das incertezas. Os rituais, assim como os ritos e as cerimônias, produzem efeitos intencionais de ordem prática, ou seja, podem materializar um código de conduta menos rígido que as normas de um grupo, por exemplo (FREITAS, 1991; FROST, 1991).

Rook (2007) assevera que é muito comum um conjunto de estudiosos se deter, ao analisar os rituais de tribos étnicas e suas relações com o mundo, mas pouca atenção tem sido dada às relações de consumo que se estabelecem, no seio da sociedade moderna, o que se torna uma oportunidade de investigação ao marketing e, especialmente, para os estudos antropológicos.

Curioso imaginar a negligência dos estudiosos para os rituais de consumo, pois eles envolvem várias ocasiões, ritos e cerimônias, que se manifestam com trocas de bens e serviços que são oferecidos no mercado.

O conceito de ritual para os culturalistas ainda é uma incógnita, Freitas (1991), como comentado, apresenta características singulares desse construto. Rook (2007) advoga que o ritual, para o campo de estudos mercadológicos, ainda, é mais complexo dada as confusões de acepção. Esse autor argumenta que o ritual consiste em um conjunto de atividades e comportamentos simbolizados que tendem a se repetir, ao longo do tempo, como pode ser compreendido na citação:

O termo ritual refere-se a um tipo de atividade expressiva e simbólica construída de múltiplos comportamentos que se dão numa sequência episódica e tendem a se repetir com o passar do tempo. O comportamento ritual roteirizado é representado dramaticamente e realizado com formalidade, seriedade e intensidade interna (ROOK, 2007, p. 83).

É relevante, nessa conceituação, a dramatização envolvida em torno do ritual e, principalmente, a característica de se perpetuar, ao longo do tempo, como expressão genuína tratada com respeito e seriedade pela coletividade que o manifesta.

Além disso, o ritual se constitui em uma sequência episódica de eventos roteirizados como passos para atingir objetivos específicos que possuem significado para o grupo (ROOK, 2007).

Vale destacar a característica fixa do conjunto de eventos relacionados ao ritual que se repetem, a fim de tratar de realidades específicas que possuem sentido relevante à coletividade que o desenvolve, não é apenas um procedimento, mas um conjunto simbolizado de atividades com significados intrínsecos (CUPOLLILO; CASOTTI; CAMPOS, 2013).

O ritual difere de um hábito nesse ínterim, sendo que a simbologia compartilhada e o sentido produzido pela coletividade, as sequências de um café da manhã, por exemplo, são hábitos, mas o consumo de comida, em determinadas datas, demonstra simbolicamente uma expressão que se estende, para uma coletividade, que se repete em episódios invariáveis, na maioria das vezes.

O ritual apresenta aspectos constitutivos que determinam a sua manifestação, como, por exemplo, os artefatos rituais, um roteiro sequencial, representação de papéis e a plateia do rirual (ROOK, 2007). O artefato consiste na presença de um arranjo material que permite a manifestação do ritual; o roteiro orienta a utilização dos artefatos e os comportamentos esperados de cada figura envolvida, inclusive, a plateia. Os papéis dos atores do ritual podem ser rigidamente roteirizados por comportamentos esperados, mas a representação desses papéis pode ser incerta e definida, em função dos comportamentos espontâneos previstos, no conjunto de expressões do ritual. A plateia se apresenta com atores que podem ser espectadores ou participantes de momentos

específicos do ritual, podem fornecer validade ao ritual pelas avaliações dos papéis desenvolvidos ao longo das manifestações ritualísticas (CUPOLLILO; CASOTTI; CAMPOS, 2013; ROOK, 2007).

Parece adequado ressaltar que o ritual se manifesta, para além das vidas humanas, os animais não racionais também apresentam comportamentos simbólicos que facilitam suas relações em grupos. Cabe delinear que o ritual materializa as crenças, valores e dá sentido à cultura, ao reforçar os comportamentos de seus membros (ROOK, 2007).

Os rituais, apesar do extenso material sobre suas encenações religiosas, pode se manifestar além desses limites, como já foi comentado, pois um comportamento simbólico e coletivo não demanda necessariamente uma relação com o sagrado. Causa curiosidades as expressões nas quais as superstições tomam características ritualíscas, ao se estabelecerem em uma coletividade de forma fixa e sequencial, simbolizada em comportamentos que não apresentam uma lógica religiosa, mas, sim, a experiência e vivência do grupo.

O ritual é uma linguagem social que codifica as experiências e comportamentos adequados, a serem procedidos, em determinadas situações, ou seja, funcionam como uma declaração manifesta de ordem social em uma coletividade (LEACH, 1977).

O ritual pode ser avaliado quanto à sua intensidade, considerando o vigor quanto à sua manifestação, os comportamentos, roteiro e papéis esperados. Quanto mais certo e livre de incertezas mais forte e fixo tende a ser o ritual e, caso a incerteza se manifeste em alguns desses fatores, indica que há modificação ou mesmo extinção do ritual com esvaziamento simbólico da sua manifestação (LEACH, 1977; ROOK, 2007).

O ritual é uma linguagem que se manifesta no corpo por movimentos, posições e formas sobre tamanho, aparência, cor que poderão determinar

artefactos, roteiros, papéis e plateia da expressão ritualística (CUPOLILLO; CASOTTI; CAMPOS, 2017; ROOK, 2007).

A observação crítica de Gardner e Levy (1955) de que o simbolismo do produto é um grande ponto cego do marketing não é menos verdadeira em nossos dias. Apesar do reconhecimento generalizado de que muitos produtos e serviços são estímulos simbólicos (Holman, 1981; Levy, 1959; Solomon, 1983), relativamente poucos trabalhos empíricos investigaram a dinâmica do consumo simbólico. O comportamento ritual é uma linguagem simbólica; aprender como os indivíduos vêm a ritualizar aspectos específicos de seu comportamento no mercado irá complementar trabalhos recentes que revelam quando eles aprendem a decodificar os significados simbólicos dos produtos (ROOK, 2007, p. 95).

Os rituais se configuram na literatura brasileira como um conjunto de eventos que descrevem, contextualizam e fixam significados do cotidiano de uma sociedade ou agrupamento de pessoas (CUPOLILLO; CASOTTI; CAMPOS, 2017).

Torna-se relevante, para este trabalho, compreender essas relações entre rituais, ritos e cerimônias com a perspectiva de desvendar as relações de consumo estabelecidas entre os atores sociais, que compõem grupos de consumo, como é o caso das confrarias de cachaça de alambique.

Cupollilo, Casotti e Campos (2013) advogam que as principais contribuições, para o campo de investigação dos rituais, concentram-se nos trabalhos de Denis Rook, Mary Tetreaut e Robert Kline e Grant McCracken:

Um tipo de atividade expressiva e simbólica construída de múltiplos comportamentos que se dão numa sequência fixa e episódica e tendem a se repetir com o passar do tempo. O comportamento ritual roteirizado é representado dramaticamente e realizado com formalidade, seriedade e intensidade interna (ROOK, 2007, p. 83).

Difere um ritual de um hábito, por exemplo, é a carga de significados, em torno de um conjunto de eventos, por exemplo, a comparação entre um

conjunto de comportamentos de um aniversário e de tomar café cotidianamente. Os hábitos são singulares e pouco permeados por significados simbólicos (ROOK, 2007).

Destaca-se o trabalho de Mary Tetreault e Robert Kline que avançam descrevendo as diferenças entre hábitos, assim como Rook (2007) e adicionam distinções entre o ritual e o comportamento ritualizado, que, na perspectiva dos autores, seria um precedente, em âmbito pessoal, para a ocorrência do ritual (CUPOLLILO; CASOTTI; CAMPOS, 2013).

McCracken (2010) assevera o papel de fixação simbólica da cultura, por meio dos rituais que são carregados de traços culturais de uma coletividade. O autor adiciona à experiência de consumo os rituais de troca, posse, arrumação e despojamento que estão embarcados de significados que determinam relações entre o consumo e os consumidores.

Os trabalhos de Arnould e Price (1993) e Arnould e Thompson (2007) e, paralelamente, o trabalho de Grant McCracken operacionalizam e categorizam os rituais, nas experiências de consumo, nas tipologias de aquisição, consumo, posse e descarte. Do ponto de vista do significado, são similares aos apresentados em McCraken (2003).

Não é novidade que Arnold e Thompson (2007) propõem orientação aos programas de pesquisa, na Teoria da Cultura do Consumo, divididos em quatro categorias: Projetos de identidade do Consumidor, Culturas de Mercado, Padrões sócio-históricos do consumo e Ideologias de mercado. Este trabalho se preocupa, prioritariamente, com os padrões sócio-históricos de consumo de cachaças de alambique, mas, em alguns momentos, torna-se necessário tratar de outras categorias que complementam o entendimento dessas relações.

Rituais coletivos e/ou privados têm constituições específicas considerando as características culturais existentes. Um ponto de inflexão se baseia na interpretação dessas relações em uma leitura pós-moderna de

fragmentação da identidade, não existe 'eu' mas, vários eus que serão elaborados de acordo com as relações de consumo prementes (CUPOLLILO; CASOTTI; CAMPOS, 2013).

Complementarmente, inspirado em Arnould e Thompson (2007), as relações de consumo forjam tribos ou grupos com comportamentos distintivos que resultam em subculturas de consumo, como é o caso das confrarias dedicadas ao consumo de um produto, especialmente, para este trabalho, o consumo de cachaça de alambique.

A CCT que se dedica a compreender essas expressões da cultura, em grupos distintivos, encontra um processo de reorganização simbólica dos recursos (consumo de cachaça) e ressignifica a relação estabelecida com o consumo de forma particular que, em alguns casos, rompe com orientações mais gerais da cultura mais ampla de uma sociedade, por exemplo (BELK; SOBH,

2019; CUPOLLILO; CASOTTI; CAMPOS, 2013; KJELLBERG;

HELGESSON, 2007; O‟SULLIVAN; SHANKAR, 2019).

Adicionalmente, ao abordar os aspectos históricos do consumo, revelam- se estratégias de reforço e afirmação de tradições culturais que podem forjar ideologias no mercado com conotações que produzem sentido para as relações de consumo de uma coletividade (ARNOULD et al., 2019).

Sobre os rituais, ritos e cerimônias brasileiros, cabe destacar que em datas festivas, como Carnaval, Natal, aniversários, festas folclóricas, entre outros, a bebida alcoólica está presente como aspecto constituidor e mediador das relações sociais e de consumo.

Em levantamento realizado por Cupollilo, Casotti e Campos (2013), percebeu-se uma lacuna nos trabalhos nacionais que abordam os rituais, enquanto orientação teórica de desenvolvimento, com análise particular dos rituais brasileiros, que se salienta oportuna a este trabalho como forma de

contribuir para o fortalecimento da área, pois convencionou-se utilizar esse escrutínio como categoria de análise.

As autoras asseveram que a inexpressividade de trabalho que trata dos rituais pode ser reflexo da condição semântica e da cisão intelectual sobre a consistência do conceito de ritual, o que, em primeira análise, dificulta o avanço da pesquisa na área, embora exista uma sugestão de abandono dessas especificidades semânticas e intelectuais. Essa estratégia pode ser perigosa considerando que qualquer comportamento simbolizado poderia ser interpretado como um ritual.

Rituais, assim como os consumidores, se repetem e consolidam, mas também se transformam, desaparecem, se renovam ou simplesmente se iniciam. Estudá-los é reconhecer a importância de mudanças que ocorrem de baixo para cima, uma vez que empresas tradicionalmente empreendem ações de cima para baixo. Essa compreensão do lado humano, subjetivo, complexo e inesperado dos rituais de consumo coincide com movimentos no campo de comportamento do consumidor que criticam o cientificismo modernista exagerado que prevalece nas principais pesquisas publicadas nos mais conceituados periódicos da área (CUPOLLILO; CASOTTI; CAMPOS, 2013, p. 42).

Torna central e relevante o trabalho de Damatta (1985), ao retratar com comportamentos dos brasileiros na díade casa e rua, que pode promover uma compreensão das relações de consumo de bebidas no âmbito privado e coletivo. Ou seja, possibilita investigar rituais distintos com o mesmo propósito na casa (privado) e na rua (coletivo).

Como não foram analisados os heróis e tabus, esses temas foram ocultados dos eixos teóricos.

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