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3 A MUDANÇA CLIMÁTICA: UM OLHAR

3.3 O MERCADO DE CARBONO COMO FINALIDADE DO

Se o IPCC é a instituição chave na mudança climática, o Protocolo de Kyoto (PK) é o acordo fundamental na viabilização dos interesses econômicos que subjazem ao problema ambiental. No ano 1997, foi proposto o Protocolo de Kyoto (PK), que é um instrumento juridicamente vinculativo, que reforça o objetivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para reduzir os GEE através do compromisso dos países desenvolvidos em não ultrapassar as cotas de emissões durante um período de tempo de quatro anos, 2008 até 2012.

Para atingir este objetivo foram criados os chamados mecanismos de flexibilidade: a) Comércio de Emissões; b) Implementação Conjunta; e c) Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), em que países como o Brasil só podem participar da venda de Certificados de Redução de Emissões (CRE´s) para países do Anexo 1. O IPCC propõe uma série de opções de mitigação a nível setorial para obter o CRE's. As opções são:

 Melhoria da eficiência energética no setor dos transportes, indústria e energia;  Substituição de combustíveis fósseis nos transportes e uso de energia alternativa;  Ampliação da gestão florestal e proteção para as florestas já existentes;

 A produção de bioenergia a partir de resíduos de culturas e novas culturas;

 Criação de herbívoros associada com maior qualidade nutricional e cultivo de árvores;  A gestão dos resíduos associados à recuperação de metano e reciclagem.

A ideia dos problemas ambientais globais - mudança climática e aquecimento global – como mercadorias ecológicas encontra no mercado de carbono sua melhor exemplificação. A grande responsável pela catástrofe climática é a humanidade (desde o indivíduo que respirando produz CO2 até a multinacional com sua produção operando a nível planetário). Assim, é a humanidade em seu conjunto que deve contribuir para resolver o problema, e como? A lógica parece ser assim: as personificações do capital (multinacionais e capitalistas locais) controlam o negócio e o resto da humanidade (força de trabalho) paga os custos seja consumindo ou deixando de consumir.

Na produção da mercadoria o valor de uso deve ser ainda mais evidente, mais sensível do que aparece na mercadoria em si mesma, para que o ato de troca seja realizado, consumando: “o que é apenas algo, mas não parece ‘ser’, não é vendível. O que parece ser é vendável. A aparência estética, o valor de uso prometido pela mercadoria, surge também como função de venda autônoma no sistema de compra e venda.” (FRITZ, 1971, p. 26-27). Surge o “valor de uso estético” que é a aparência, a manifestação do valor de uso que se torna chave para a realização do valor de troca.

No caso da estética ambiental, esta pode ser encontrada em diversas mercadorias: o turismo ecológico, os alimentos orgânicos, os livros, eventos e palestrantes sobre temas ecológicos, assim como nos eletrodomésticos ecológicos que reduzem o consumo de energia e, por suposto, os carros ecológicos sejam elétricos ou os modelos chamados flex que se abastecem com biocombustíveis. Esse consumo ecológico corresponde à sobrevalorização da estética que serve como estímulo sensual ao homem e o leva a comprar:

A aparência torna-se importante – sem dúvida importantíssima – na consumação do ato da compra, enquanto ser [...] O especial e o novo exercem a função de mercadorias-chaves na abertura de mercados para o comércio capitalista. A fim de penetrar nos mercados locais ou de conquistar comercialmente regiões que até então desconheciam a produção de mercadorias, o capital mercantil necessita de mercadorias especiais. (FRITZ, 1971, p. 26-29, Destaque nosso).

Mas, no outro lado da história da mudança climática e seu catastrofismo, estariam os setores esquecidos de sempre. Como afirma o economista e escritor africano, James Shikwati: “Uma coisa clara emerge em todo o debate ambiental: é que há alguém com o desejo de assassinar o sonho africano. E, para deixar em claro, o sono africano é o desenvolvimento.” (apud THE GREAT GLOBAL WARMING SWINDLE, 2007). Para os críticos do discurso da mudança climática como Shikwati, o mercado de carbono junto com a mudança climática é uma pressão para desestimular o fato dos países poderem se industrializar para concorrer com os países já industrializados e ainda instiga a apropriação violenta da terra para a semeadura de matérias-primas para os biocombustíveis.

Existe também uma invisibilizada discussão sobre outros efeitos econômicos da mudança climática. Para alguns a exploração de fundo que envolve o mercado de carbono é a privatização do ar ao nível dos territórios. Esta preocupação se cristaliza quando se entende que o que hoje é comprado como créditos de emissões, no futuro pode tornar-se o mecanismo pelo qual os países compradores podem controlar o uso do ar por parte dos países emissores que, como no caso do continente africano, não desenvolveram uma indústria que forneça o que a população está precisando. Assim, no momento que algum país da África deseje instalar uma indústria, por exemplo, o direito de emissões de CO2 já está privatizado e mesmo assim, antes da indústria estar nos planos dos governos, o capital interessado nesse empreendimento deverá negociar, diretamente, com os donos dos certificados de emissões que se localizam nos chamados países desenvolvidos. A ideia de uma privatização para a exploração futura do ar se encontra referida no mesmo da CEPAL (2004, p. 17): “cerca de 10.000 instalações na UE receberão licenças de emissão de gases de efeito estufa que poderão ser negociadas no quadro do esquema do comércio. Assim, os emitentes que reduzam suas emissões abaixo da quantidade subsidiada poderão vender suas licenças excedentes ou mantê-las para uso em períodos futuros”. com efeito, tendo em vista os riscos do tema, alguns cientistas afirmam que “Sem dúvida, um dos grandes ‘milagres’ da virada do século XX foi a apropriação, pelo

capital, do tema das mudanças globais, transportado das pinas dos periódicos científicos para os painéis das bolsas de valores.” (SANT`ANNA NETO, 2008b, p. 309).

Mas o debate no meio científico deste tipo de crítica se vê sempre desestimulado pelo argumento que os cientistas e pesquisadores negacionistas são financiados pelas grandes companhias de petróleo (ou agronegócio), as quais supostamente veem nos biocombustíveis e no discurso da mudança climática os piores inimigos de seus interesses.31 Mas essas articulações entre as grandes companhias do petróleo e os críticos da mudança global, se converte em falácia quando se analisa a estrutura do mercado de carbono. Segundo o Banco Mundial (apud CEPAL, 2004, p. 17), o mercado de carbono não deve ser compreendido como um único mercado, pois, em realidade, o que funciona são diferentes sistemas onde compradores e vendedores se encontram para intercambiar produtos (todos com uma mesma medida, as tCO2), sob sistemas legais. O que se tem é um grande sistema, mundialmente reconhecido como Protocolo de Kyoto, mas existem outras iniciativas voluntárias.

Dentro do quadro de ação que a Comisión Económica para América Latina (CEPAL) identifica como mercados de carbono que agem sob o esquema do protocolo de Kyoto, se encontram: a) esquemas governamentais, dirigidos, principalmente, pelos governos da comunidade europeia, Inglaterra e Holanda, mas que, no ano 2004, foram integrados em um único esquema chamado European Union Emissions Trading Scheme (EUETS) (CEPAL, 2004, p. 17). b) os esquemas de entidades internacionais, dentro das quais a mais importante é a do Banco Mundial com a iniciativa Prototype Carbon Fund (PCF) que vincula seis governos e dezessete companhias privadas (CEPAL, 2004, p 18). Entre os países que participam estão Canadá, Finlândia, Noruega, Suécia, Holanda e Japão. O PCF tem cadastrados no Brasil três contratos para Compra de Reduções de Emissões (ERPAs). O primeiro é conhecido com o nome de Plantar Sequestration and Biomass Use, no qual participam também a Bio Carbon Fund e The Plantar Group, que incentivaram aos pequenos produtores de ferro-gusa a entrarem no reflorestamento na região do Cerrado em Minas Gerais. (PROTOTYPE CARBON FUND, 2012). O segundo projeto é o Lages Wood Waste Cogeneration Facility cujo objetivo é a produção de energia utilizando os resíduos de madeira

31 Por exemplo, durante uma entrevista realizada ao físico e climatologista Luiz Carlos Molion, Zilda Ferreira, blogueira sobre educação ambiental, faz a seguinte pergunta: Eu vou fazer uma pergunta que é uma acusação dos ambientalistas. A tese que o senhor defende, de que o planeta está esfriando e não aquecendo, é também defendida por pesquisadores próximos a empresas petrolíferas, a grupos econômicos ligados aos combustíveis fósseis e ao agronegócio, quais são as principiais diferencias entre sua tese e essa minha argumentativa defendida por esses pesquisadores? (MOLION, 2012).

das serrarias próximas localizadas na região de Lages, Estado de Santa Catarina (PROTOTYPE CARBON FUND, 2012), o projeto tem a participação da companhia Tractebel Energia que é a maior companhia brasileira privada de produção de energia, mas que na realidade é filial da International Power - GDF SUEZ.

O terceiro projeto da PCF é o Sugar Bagasse Cogeneration, sediado em São Paulo, o qual realiza a geração de energia elétrica em usinas térmicas através do bagaço da cana. No caso da Colômbia, o PCF tem registrado o projeto denominado Jepirachi Wind Farm o qual se localiza na região nordeste do país, chamada Guajira, vinculando o território ancestral da comunidade indígena dos Wayuu. A PCF atua em parceria com Empresas Públicas de Medellín (uma das regiões mais industrializadas da Colômbia) para segundo eles, melhorar as condições de vida precárias que “o meio inóspito tornou a vida cotidiana em suas terras tradicionais miseravelmente difíceis para os povos indígenas”. (PROTOTYPE CARBON FUND, 2012).

Nas iniciativas de mercado de carbono que estão fora do Protocolo de Kyoto, se encontram duas grandes divisões: as iniciativas federais e estatais dos EUA e as das grandes corporações. Entre estas companhias estão: ABB, Dupont, Entergy, IBM, Shell, BP, Ontario Power Generation, Toyota de EE.UU., Marubeni, United Technologies Corp., TransAlta (CEPAL, 2004, p. 18). Mas também participam iniciativas de companhias pequenas e até individuais, as quais contam com a participação das ONGs que acompanham o funcionamento de pequenos projetos de captura de CO2.

Como bem afirma o Instituto de Mercado de Carbono do Brasil, o mercado de carbono é um bom negócio em meio à crise econômica que vivem os países industrializados, pois obteve um crescimento de 11% nas transações de certificados de emissões chegando, no ano 2011, a US$ 176 bilhões. Entre as iniciativas que foram fortalecidas durante esse ano, se encontra, no esquema do Protocolo de Kyoto, a EUETS da comunidade europeia que alcançou uma cifra de US$ 148 bilhões. No setor de iniciativas voluntárias, fora do esquema de Kyoto, as iniciativas das corporações (principalmente europeias) foram as que levaram os melhores resultados, pois dos US$ 576 milhões que foram registrados no ano 2011, o setor corporativo ficou com o 65% das transações, ou seja, US$ 368 milhões (MERCADO DE CARBONO, 2012).

Em síntese, o percurso deste olhar diferenciado sobre o acontecimento da mudança do clima, nos coloca diante de alguns questionamentos à virada ecológica e o arcabouço de

enunciados que constituem seu discurso. Inicialmente, na nossa opinião, o debate atual deve superar as posições antagônicas dos cientistas sobre a existência ou não de um aquecimento global capaz de uma mudança climática planetária; a separação de argumentos entre negacionistas e defensores da tese do IPCC alimenta os jogos de verdade resultando no paradoxo que aquilo que não existe chega a existir, aquilo que é negado termina sendo, pois o fundamento de uma realidade não se localiza exclusivamente no campo do fático, mas na mesma virtualidade que através de complexas operações o torna real; prova disto é o surgimento de toda uma economia em torno da hipótese de mudança climática. Foi suficientemente ilustrado neste capítulo, a certa altura, os jogos de verdade precisam ser mais que modulados e interpelados; dito de outra forma, parece que uma assombrada ingenuidade emerge ao entrar no campo de um certo catastrofismo ambiental onde qualquer alternativa já está delimitada e, parece-nos, controlada. Entretanto, que este derrotismo intelectual que se nega a fantasia, a pensar símbolos locais e as próprias catástrofes, é resultado de outros jogos que evidenciam uma ruptura entre mundos que dizem dialogar, mas nos quais se tece intrincadas relações de subordinação e resistência. Daí que a autonomia produtiva (incluindo a produção simbólica) pela autogestão é ainda um caminho necessário para se adaptar e mitigar os efeitos do discurso climático.