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4. Aspectos econômicos e políticos da coleta e reciclagem de lixo no Brasil

4.3. Mercado de reciclagem

O mercado nacional da reciclagem é pujante, tendo movimentado, em 2005, R$ 7 bilhões (Naline, 2008). Dados do CEMPRE (2013) apontam que o faturamento global das empresas do ramo da reciclagem girou ao redor de R$ 10 bilhões no ano de 2013. No entanto, Calderoni (2003) chama a atenção que os ganhos globais da reciclagem não podem ser definidos apenas pelo faturamento das indústrias do ramo, mas devem englobar todos os atores envolvidos. Segundo sua proposta, devem ser calculados os ganhos para

indústrias, sucateiros, prefeituras e catadores. Os ganhos das indústrias se devem tanto à venda da matéria-prima produzida com os materiais recicláveis, quanto com relação à economia de energia elétrica, de matéria-prima e de água proporcionados pela utilização de materiais reciclados e não matéria virgem. Os ganhos das prefeituras são, na verdade, custos evitados decorrentes da diminuição do volume de lixo pelo qual teriam que se responsabilizar. Já os ganhos de sucateiros e catadores são obtidos única e exclusivamente na comercialização do material. Na análise de Calderoni, considerando o setor no estado de São Paulo, 65,9% dos ganhos ficam com as indústrias, 9,9% com os sucateiros, 11,1% com as prefeituras e 13,1% com os catadores (Calderoni, 2003). Para Calderoni, “a indústria é o segmento que maiores ganhos aufere com o processo de reciclagem” (Calderoni, 2003, p. 293), subjugando, através de sua posição privilegiada na estrutura verticalizada do mercado da reciclagem, os sucateiros às suas necessidades e às variações de mercado.

Os sucateiros, que podem ser de pequeno ou de grande porte, são atores que ganham menos do que as indústrias, mas ainda possuem um grande poder de barganha em relação aos catadores, pois conseguem repassar-lhes as variações de preço impostas pelas indústrias. A manutenção dos preços dos materiais em níveis baixíssimos é a garantia de lucro desses intermediários, uma vez que mantêm os catadores na situação de subsistência, impedem o acúmulo de capital pelos catadores e dificultam o aparecimento de novos concorrentes. A faixa de sucateiros é menos concentrada do que a das indústrias, no entanto, o número de sucateiros decresce quanto melhor for sua estrutura operacional e quanto mais material consegue comprar e vender. A estrutura requerida pelos sucateiros é basicamente a logística: caminhões, contêineres, galpões e algum maquinário para triar, prensar e beneficiar o material trazido pelos catadores. É interessante notar que é comum um sucateiro vender para outro maior, que vende para outro maior até chegar à indústria.

Já os catadores ficam com o menor quinhão da reciclagem. Eles ocupam a posição de maior vulnerabilidade, vivendo em situação de clandestinidade e sofrendo as maiores consequências das variações negativas

dos preços dos materiais. O que é destinado para pagamento dos materiais é somente condizente com a sobrevivência e depende da capacidade do catador em coletar e separar entre 100 kg e 500 kg de material em cada dia de trabalho. Além disso, o trabalho dos catadores vem sendo cada vez mais disputado entre as populações há muito desempregadas, o que pode gerar excesso de oferta e reduzir o preço dos materiais. Uma das alternativas encontradas para a redução da vulnerabilidade dos catadores é a formação de cooperativas.

O advento das cooperativas de catadores constitui uma inovação institucional importante. Transforma também em sucateiros os carrinheiros e catadores que as integram. Assim, ocorre uma integração vertical “de baixo para cima”, tornando- os menos vulneráveis em negociações e melhorando sua remuneração, a qual eleva ao nível dos sucateiros (Calderoni, 2003, p. 299).

A suposta equiparação entre os ganhos dos sucateiros e dos catadores é muitas vezes ilusória pela dificuldade de as cooperativas conseguirem o equipamento e a estrutura necessária para a separação, a estocagem, o beneficiamento e o transporte do material coletado. Em sua maioria, as cooperativas ainda ficam nas mãos dos sucateiros, proporcionando aos cooperados ganhos financeiros mínimos, às vezes até inferiores aos ganhos obtidos no tempo anterior à constituição da cooperativa.

Observemos a cadeia do PET como exemplo8, cuja fase industrial é

das menos concentradas no setor de reciclagem. A cadeia produtiva do plástico começa na exploração de petróleo. No Brasil, a Petrobrás domina a produção de petróleo, mas há outras gigantes do setor que também produzem em nosso país, como a Chevron e a Shell. O PET e outros tipos de plásticos são obtidos da nafta petroquímica, um derivado do petróleo. A indústria de petroquímica básica é composta por apenas duas grandes empresas, a Braskem e a Quattor Químicos Básicos. Em seguida, os produtos petroquímicos básicos são processados e viram a resina termoplástica. Essa fase é dominada por 20 grandes empresas, que faturavam, em 2003, R$ 2,6 bilhões por ano. Essas indústrias vendem para as indústrias de matérias

plásticas, cujas principais empresas, 136 no total, faturam conjuntamente também pouco mais de R$ 2,3 bilhões. Há também milhares de empresas menores que faturam menos de R$ 10 milhões anualmente. Tais empresas representam 75% do mercado. São essas indústrias que transformam a resina plástica em produtos finais, como embalagens, nylon, sacolas, tecidos, garrafas etc.. Tais indústrias são da cadeia de plástico. Ainda não estamos falando da cadeia de reciclagem, mas da indústria que transforma a matéria- prima petróleo em produtos plásticos. No entanto, parte da matéria-prima utilizada por essa indústria consiste em materiais reciclados.

A reciclagem do PET é composta por três etapas básicas: a recuperação, a revalorização e a transformação. A recuperação é a etapa de coleta e enfardamento dos objetos descartados, momento em que o PET será prensado e enviado para a indústria de beneficiamento. A revalorização é iniciada na compra da sucata em fardos e finaliza na produção da matéria- prima reciclada. A transformação é o processo no qual a matéria-prima oriunda do PET descartado vira novos produtos plásticos.

A etapa de recuperação é dominada pelos catadores e sucateiros. Os catadores não organizados em cooperativas fazem a coleta e a separação do PET e vendem-no ao sucateiro, que compra esse material e enfarda para envio à indústria. As cooperativas de catadores mais organizadas coletam, enfardam e vendem diretamente para a indústria. Outras cooperativas, menos estruturadas, vendem para os sucateiros por não possuírem a prensa necessária para o enfardamento e o caminhão necessário para o transporte dos fardos. Os catadores e cooperativas que não realizam o enfardamento vendem seu material para atravessadores por cerca de 10% do valor que conseguiriam vendendo o material enfardado diretamente para a indústria. O ganho anual médio de um catador é, de acordo com dados do IBGE, cerca de R$ 8.400,00. O faturamento médio anual de um sucateiro depende muito do porte da empresa, mas raramente é inferior a R$ 800 mil.

Na etapa seguinte, de revalorização, o material enfardado será levado a equipamentos que realizarão a lavagem, a seleção, a moagem e a extrusão, momento no qual o plástico será transformado em granulado, estando pronto para ser utilizado pela indústria. Centenas de pequenas indústrias realizam

essa transformação do plástico descartado em granulado. O faturamento médio dessas empresas depende muito da quantidade processada, mas as menores faturam por volta de R$ 9 milhões por ano.

Na última etapa do processo de reciclagem, tem-se a transformação. Após virar matéria-prima novamente, o PET granulado volta à cadeia do plástico, onde será transformado em novos produtos pelas indústrias de matérias plásticas. De acordo com o 9º Censo da Reciclagem de PET no Brasil, realizado pela Associação Brasileira da Indústria do PET (ABIPET) em 2012, 38% do PET reciclado foi destinado para a indústria têxtil, 24% para a indústria de resina insaturada9 e 18% para a indústria de embalagem de

alimentos.

Figura 4. Processos de transformação do plástico.

Conforme pode ser visto na Erro! Fonte de referência não encontrada.,

considerando que o final da cadeia da reciclagem se encontra com a cadeia do plástico, verificamos que as flutuações dos preços do material reciclável estão condicionadas às flutuações do preço do petróleo no mercado nacional e internacional. Segundo Corrêa Lino,

9 As resinas insaturadas estão presentes na estrutura de cabines de caminhões, para-choques

de carros, caixas d’água, piscinas, baú de motocicletas, massa plástica, sinalização viária etc. (fonte: ABIPET). Cade ia da r ec ic lag em Cade ia do p lás tic o Empresas produtoras de Petróleo Cooperativas de catadores Sucateiros Catadores não organizados Indústrias de matérias plásticas Indústria petroquímica básica Indústrias de processamento de plástico

A cadeia do PET reciclado só existe porque sua produção apresenta custos menores do que os do plástico primário e porque o país até recentemente não produzia a resina suficiente para suas necessidades. Portanto é a motivação econômica e não a ambiental que impulsiona essa indústria, por mais que associações, empresas e catadores procurem destacar a contribuição da mesma para a preservação do meio ambiente (Corrêa Lino, 2011, p. 179).

A partir do exposto, podemos visualizar a estrutura do mercado de reciclagem de plástico a partir de uma representação piramidal, hierarquicamente construída, na qual a base da pirâmide, apesar de numericamente superior, se encontra subordinada ao cume, conforme pode ser visto na Erro! Fonte de referência não encontrada.:

Figura 5. Estrutura da cadeia da reciclagem do plástico

Podemos perceber, a partir da análise da estrutura do mercado, que a reciclagem possui uma cadeia altamente verticalizada, com a concentração de capitais na parte superior da pirâmide, o que possibilita e exploração desenfreada dos atores mais vulneráveis nessa cadeia, os catadores, que sofrem mais do que qualquer outro ator as volatilidades do mercado, uma vez que o catador não tem para onde passar a variação dos preços de mercado.

Indústrias produtoras de produtos plásticos (Transformação) Indústrias de processamento de plástico (Revalorização)

Empresas intermediárias / Sucateiros (Recuperação)

...

Ao relacionar os dois mercados nos quais os catadores se encontram presentes, verificamos que a posição ocupada pelo catador, em ambos, é de extrema fragilidade. Ao se deparar com as flutuações de mercado da reciclagem, os catadores veem sua renda diminuir a patamares impraticáveis, uma vez que não contam com a proteção que poderia haver do outro lado, o mercado da limpeza pública, de onde poderiam complementar os ganhos auferidos pela venda de materiais.

Nesse sentido, uma vez que o mercado da reciclagem se estrutura tão somente pelo seu viés econômico, considerando que questões ambientais não são nem nunca foram o motor do desenvolvimento da indústria da reciclagem, cabe ao Estado providenciar incentivos econômicos para que os produtos reciclados sejam preferíveis a produtos que utilizam matérias virgens. Além disso, é fundamental que, a partir da legislação que tem se aprimorado nos últimos anos, o poder público passe a considerar os catadores como atores econômicos importantes na gestão dos resíduos sólidos urbanos. O reconhecimento do trabalho dos catadores passa pela remuneração dos serviços prestados pelos catadores e essa tem sido uma das principais bandeiras de luta do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR desde sua fundação.