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3. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E O TRABALHO MÉDICO

3.3 O mercado de trabalho médico

No Brasil, o mercado de trabalho médico está fortemente atrelado às políticas públicas de saúde, portanto, a posição do Estado é um elemento fundamental para sua compreensão. Atualmente, com a municipalização da atenção à saúde cresceram as ofertas de serviços ambulatoriais, provocando um aumento no número de empregos para profissionais de saúde, sobretudo entre os médicos, voltados para a atenção primária. As especialidades médicas mais requisitadas, nesse sentido, foram a clínica médica, a pediatria, a obstetrícia e, mais recentemente, a geriatria (RODRIGUEZ NETO, 1996).

Na década de 1990, dentro do contexto das mudanças na organização dos serviços de saúde apresentadas acima, a maioria dos médicos ainda atuava em consultório privado (75%), apesar de depender, cada vez mais, do trabalho assalariado na rede pública (69,7%), ou na iniciativa privada (59,3%) ou junto aos convênios com os planos privados da medicina

complementar (79,1%). Assim, o médico foi progressivamente estabelecendo múltiplos vínculos profissionais, sendo que aproximadamente 75% dos médicos possuíam até três atividades profissionais e 24,4% têm mais de três (MACHADO, 1997).

Apesar do incremento da atenção primária, a atividade profissional continua predominantemente hospitalar, tanto no setor público quanto no privado, em todas as regiões do país, sendo exercida em regime de plantão por quase metade dos profissionais médicos (48,9%). Destaca-se por fim o crescente aumento da participação feminina (32,7%) e a urbanização acentuada do trabalho médico, sendo que 65,9% dos médicos atuam nas capitais, particularmente naquelas mais desenvolvidas social e economicamente. As especialidades mais rentáveis nesse período eram a radioterapia, medicina nuclear e neurofisiologia clínica (MACHADO, 1997).

Confirmando esses achados, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP, 2002) realizou um estudo sobre o mercado de trabalho médico na capital paulista. Na oportunidade, observou-se que uma proporção significativa de médicos possuía acúmulo de jornadas de trabalho, que chegavam a três ou mais atividades, tais como trabalho assalariado, prática autônoma em consultórios e trabalho em organizações hospitalares. No setor público, predominava a contratação de médicos de forma assalariada e, no setor privado, por prestação de serviços por meio de cooperativas ou empresas médicas. Esta forma de contratação foi considerada como uma tendência do mercado, principalmente em hospitais privados.

Em relação ao mercado de trabalho médico, visando atualizar a pesquisa feita por Machado (1997), apresentada acima, Carneiro e Gouveia (2004) detectaram que as tendências permanecem praticamente inalteradas, exceto para o fato de que o setor público assumiu o primeiro lugar como empregador (69,7%), ultrapassando os que atuam em consultório privado (67%). Todavia, em relação ao SUS, 52,6% entenderam que houve uma queda condições de trabalho (52,6%), dos rendimentos médicos (52,4%), da qualidade dos serviços (47,4%) e da sua organização (40,7%). Além disso, destacaram-se como especialidades mais rentáveis a urologia e a dermatologia.

Apesar do crescimento do setor público como empregador, segundo Capozzolo (1997, 2003), os médicos ainda tendem a encarar esse vínculo profissional em segundo plano, como uma prática burocratizada, havendo, em alguns momentos, descaso e descompromisso com o processo

de restabelecimento do paciente, com os determinantes do processo saúde/doença e uma desumanização progressiva da prática médica. Os atos médicos se encerram em si mesmos e cada membro do serviço ocupa-se de sua tarefa, e não da do outro. Da mesma forma, os médicos não se envolvem com as demais atividades existentes na unidade. Tal desinteresse ocorre também em relação a seu próprio trabalho, realizado mecânica e rapidamente, sem compromisso com o resultado.

Os resultados dos estudos feitos por Maciel et. al. (2010), sobre os múltiplos vínculos empregatícios de médicos cearenses, mostram uma situação preocupante para o próprio médico e para o sistema de saúde e explicam, em parte, as dificuldades do SUS de desenvolver um modelo de trabalho comprometido com a saúde da comunidade local. Constatou-se que o multiemprego do médico e a consequente carga elevada de horas de trabalho semanais são fatores de precarização do sistema de saúde. Ao manter vários empregos, o médico deixa de se envolver como deveria com a comunidade atendida e com as questões relacionadas ao trabalho na instituição; comporta-se como um visitante, um prestador de serviços itinerante. Ao final do trabalho, conclui-se que a busca pela remuneração idealizada é o principal estímulo para o multiemprego; no entanto, lembra-se, ainda, que muitas vezes as queixas dos médicos referentes aos valores dos salários não condizem com a realidade, por ser, a mesma, uma das profissões mais rentáveis nos países ocidentais, com poder e prestígio social (MACIEL, 2010).

As mudanças no mercado de trabalho, em geral provocadas pela reestruturação produtiva, a partir dos anos 80, como já visto no primeiro capítulo desta tese, também acarretam mudanças nos profissionais de saúde, inclusive os médicos, que mesmo tendo alcançado um status diferenciado entre as demais profissões de saúde, estão se submetendo a processos de crescente assalariamento e relações de mercado autônomas “atípicas”. A flexibilidade e a autorregulação próprias desses profissionais, “produzem várias formas de assalariamento, criadas para adaptar à natureza da profissão que a torna específica pelo fato de, em alguns casos, manter autonomia no exercício laboral, mediante uma relação salarial com inúmeras configurações” (SANTOS et al., 2006, p. 4).

Para se ter uma noção do impacto dessa desregulamentação no mercado de trabalho médico, de acordo com Silva e Costa (2002), em 2000, somente 22% dos municípios brasileiros

contratavam médicos na atenção básica através da modalidade estatutária. Já na região Sudeste, 35% dos municípios contratavam através da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). No Centro-Oeste, 38% dos municípios contratavam médicos como autônomos, enquanto nas regiões Norte e Nordeste esse índice subiu para 40% e 39% de municípios nessa condição, respectivamente.