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2 E O GÊNERO QUADRINHOS?

2.2.2 Metáforas Visuais e Figuras Cinéticas

Outros dois recursos que julgamos relevantes ser apresentados e comentados, e que são instâncias de grande importância na leitura/escritura das HQ, são as metáforas visuais e as figuras cinéticas, lugares de semioticidade plural que possuem grande valia no momento de pôr no papel ou compreender as expressões, sentimentos ou movimentações que ocorrem dentro dos quadrinhos.

A metáfora visual seria, conforme propõe Acevedo (1990, p. 146), “uma convenção gráfica que expressa o estado psíquico dos personagens mediante imagens de caráter

metafórico.” Não se diz aqui de algum léxico falado que está posto em sentido metafórico – como sendo um termo colocado com significado diferente daquele que não o usual –, ou seja, a metáfora visual não se trata da superfície linguística em si, do que foi dito por expressões verbais, mas de imagens que aparecem nos quadrinhos das histórias, que ganham valor conotativo, significando outra coisa que não a imagem que se apresenta – exatamente o movimento metafórico –, o que faz demonstrar estados psíquicos, emocionais ou mecanismos de fala ou expressões dos personagens.

O que é por estes dito nas HQ, quando acompanhado de metáforas visuais, ganha um reforço a mais para que a significação possa ser construída de uma maneira mais robusta. É importante apreendermos o que Vergueiro apresenta sobre a questão:

as metáforas visuais atuam no sentido de expressar ideias e sentimentos, reforçando, muitas vezes, o conteúdo verbal. Elas se constituem em signos e convenções gráficas que têm relação direta ou indireta com expressões do senso comum, como, por exemplo, “ver estrelas”, “falar cobras e lagartos”, “dormir com um tronco”, etc. (2004, p. 54)

As metáforas visuais são de uma numerosidade bem estendida. Não há como dizer quantas existem ou fazer uma classificação rígida que as apresente em completo, pois esse recurso compreende as ações metafóricas por imagens que o autor/escritor/escrevente imprime na HQ, o que faz a criatividade daquele que escreve optar por fazer uso daquelas mais usuais, das menos usuais, ou até criá-las, inventá-las, a depender das características específicas dos quadrinhos que está produzindo, dos efeitos de sentido que deseja, e da movimentação que a ação e a história pedem. O que não podemos negar é que com as metáforas visuais, a compreensão da HQ fica bem mais simples de ser feita, tendo em vista que “possibilitam um rápido entendimento da ideias (sic.)” (VERGUEIRO, 2004, p. 54), e isso é fácil apreender, posto que o plano metafórico em imagens atravessa o dizer, antes mesmo de ser dito, e nos carrega para a interpretação bem mais rápido, antes até de lermos o que há de escrito, quando há.

Mesmo não podendo classificá-las por completo, como já mencionado, é interessante mostrarmos aqui algumas situações possíveis, trazidas por Ramos (2009, p. 112-3), em que a metáfora visual aparece, atreladas ao contexto situacional – englobando os sinais gráficos23

dentro dos quadrinhos

23Acevedo (1990) apresenta o termo sinais gráficos e o metáforas visuais, como sendo movimentos de ordens

distintas. As metáforas visuais já as conceituamos a partir do dito autor; acerca dos sinais gráficos, o estudioso entende como simples sinais ou traços que ocorrem para realçar as expressões, para dar-lhes determinada precisão, como, por exemplo, no momento de espanto ou pulo. Entretanto, Ramos (2009), a partir dos trabalhos

As situações possíveis seriam:

 pregos, raios, estrela, bomba, caveira e outros signos que sugerem palavrões ou termos/pensamentos agressivos

 Corações indicam amor ou paixão

 Nota musical indica assobio ou canto

de Vergueiro (2006), Eco (1993) e Santos (2002), entende que, dentro da teoria, não é possível fazer essas distinção entre sinais gráficos e metáforas visuais, pois quando o sinal gráfico ocorre, ele “se associa a um conceito diferente do seu significado original, a exemplo do que fazem tradicionalmente as metáforas” (112). Dessa forma, os quatro últimos autores entendem que sinal gráfico também é metáfora visual, conceito este que aqui também assumimos neste trabalho. Não confundamos sinais gráficos com figuras cinéticas que adiante discutiremos.

 Letra “z”, escrita uma ou várias vezes, conota sono

 Lâmpada sugere que o personagem teve uma ideia

Não só esses exemplos existem, mas inúmeros outros, a depender do contexto de produção e da necessidade de fazer a significação ganhar sentidos diversos. O interessante é que percebamos que as metáforas são recursos de relevância ímpar na produção e leitura das HQ, face a rapidez de interpretação e compreensão de ação/estado/emoção/pensamento que ela pode representar: mais um recurso que permite produzir um tópico discursivo delimitado e inteligível dentro da história que este ou aquele quadrinho comporta.

Já as figuras cinéticas são de outra ordem. Diferentemente da metáfora visual que carrega imagens (ou traços) que expressam conceitos diferentes dos que usualmente possuem, as figuras cinéticas24 funcionam para “dar a ideia ou ilusão de mobilidade, de deslocamento

físico, o meio [em que aquele que produz] desenvolveu uma série de artifícios que permitem ao leitor apreender a velocidade relativa de distintos objetos ou corpos” (VERGUEIRO, 2004, p. 54). Embora tenhamos uma imagem estática, posta no papel de uma única forma, impressa sem comportar movimentação na tinta, as figuras cinéticas dão ao leitor exatamente a impressão do movimento, a ilusão de mobilidade, velocidade, saída, corrida, objetos jogados ou disparados, enfim, trata-se de uma estratégia de fazer aquilo que não sai do lugar – os quadrinhos no papel –, carregar, por si mesmo, movimentação.

Há diversos tipos de possibilidade da criação das figuras cinéticas por aquele que escreve quadrinhos, pois

elas variam de acordo com a criatividade dos autores, as mais comuns são as que expressão trajetória linear (linhas ou pontos que assinalam o espaço percorrido), oscilação (traços curtos que rodeiam um pensamento, indicando tremor ou vibração), impacto (estrela irregular em cujo centro se situa o objeto que produz o impacto ou o lugar onde ele ocorre), entre outras. (VERGUEIRO, 2004, p. 54)

Como fala este último, há diversas outras formas de mobilidade/trajetória, isso vai exatamente depender da intenção e possibilidades significativas do escritor.

Aprofundando mais a questão, vejamos agora a definição bifurcada que Acevedo dispõe sobre o assunto. O estudioso primeiro traz um conceito mais global, afirmando que “As figuras cinéticas são uma convenção gráfica que expressa a ilusão do movimento ou a trajetória dos objetos que se movem. São algo assim como ‘pegadas do movimento’” (1990, p. 151). Esse termo – pegadas do movimento – parece ser o que mais nos aproxima do que seria então uma figura cinética – algo que se apresenta nos rastros que o movimento traz ou pode deixar impresso no papel, tendo em vista que o que vemos colocado nas HQ na verdade são imagens, figuras, riscos, dotados de estabilidade e fixidez, se considerado apenas o traço sobre o papel: o que transforma nosso olhar para entender como ocorre a movimentação ou trajetória dos personagens/objetos/figuras é justamente essa possibilidade de “pegadas”, de ilusão trajetorial, que a figura cinética abarca.

24 Se o leitor for efetuar pesquisa nas referências dos autores que aqui usamos para fundamentar a questão das

HQ, certamente também irá encontrar o termo “Linhas Cinéticas”. Todavia, Ramos (2009, 116) deixa bem claro que linhas cinéticas “é uma forma de reproduzir o movimento de um gesto”, e, mais a frente, completa: “tanto a linha cinética quanto a figura cinética desempenhariam um mesmo papel na linguagem dos quadrinhos. Por isso, vemos os dois conceitos como sinônimos.” (119) (grifo meu)

Alguns exemplos genéricos de figuras cinéticas:

(MOVIMENTO DE MÔNICA AO ANDAR)

(MOVIMENTO DE CASCÃO AO PULAR)

Tratando agora sobre a bifurcação acima mencionada, Acevedo afirma haver dos tipos de figuras cinéticas, as abstratas e as naturalistas. “As figuras cinéticas abstratas indicam o espaço que o corpo em movimento percorreu” (1990, p. 151), como no seguinte exemplo:

Por sua vez, “As figuras cinéticas naturalistas descrevem alguns movimentos significativos do percurso do corpo em seu movimento. Assim, convertem-se em ‘átomo de sequência’ no interior da própria vinheta” (p. 152). “Átomo de sequência” é exatamente o que ocorre nas HQ para que possamos entender o seria a figura cinética naturalista, considerando que é essa estratégia de criação que se traduz como se fossem fotografias que indicam sequências de movimentação que surgem quadro a quadro, o que nos permite montar a trajetória e/ou movimento de personagem ou objeto.

Enquanto a abstrata retrata a trajetória da movimentação do corpo ou objeto, ou seja, os traços que produzem a ilusão da trajetória, a naturalista são “átomos”, imagens sequenciadas que induzem o leitor ao entendimento do percurso de um corpo em movimento; não são traços, mas o movimento em si, como se fosse passo a passo, parte por parte.

Vejamos o exemplo:

(MOVIMENTO DECEBOLINHA AO ANDAR, EMPURRANDO O CARRINHO)

Seria interessante dizermos que as naturalistas produzem o movimento “natural” e as abstratas são estratégias de traçados que conduzem a movimentação que não seja “natural”, mas sim “produzida” por algum tipo de ação que ocorre nos quadrinhos: o importante é frisar que “Ambos os tipos de figuras cinéticas têm a mesma origem: a indicação de um processo físico, o movimento ao qual referem-se25 – de certo modo – sinteticamente (as abstratas) ou

analiticamente (as naturalistas)” (ACEVEDO, 1990, p. 152 – grifos do autor).

25 Sem dúvida esse é o cerne da questão. A preocupação não é dividir as figuras em naturalistas ou abstratas,

mas entender que ambas fazem referenciação a processos físicos de movimento dentro da produção dos quadrinhos.