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2 E O GÊNERO QUADRINHOS?

2.2.1 Unidade Narrativa e Sequência

A HQ carrega, em seu bojo principal, uma narração, uma história, uma sequência de ações que faz um todo; com início, meio e término, com espaço, personagens, tempo e recursos imagético-visuais; quer dizer, a partir desse portal semiótico, algo é narrado. Quando tratamos de quadrinhos constituintes de várias cenas, a narrativa global vai se construindo aos poucos, quadro por quadro, ação por ação. A história não nasce no primeiro quadrinho, mas se torna sentido no decorrer deles, havendo o fechamento – algumas vezes parcial – quando finda o último20. Essa noção de complementaridade é de suma importância para nós, pois, é aí que se

encontra a noção da “menor unidade narrativa [das HQ, que será] o quadrinho ou vinheta” (VERGUEIRO, 2004, p. 32). É em cada unidade mínima de significação do gênero, em cada quadrinho, em cada vinheta, que as costuras de sentido vão se vestindo, uma a uma, quer seja para quem escreve ou para quem vai ler.

20 É interessante ressaltar que há alguns tipos de quadrinhos, dentro do leque, que são construídas com apenas

um único quadrinho. Isso significa dizer que a unidade mínima de significação dessa história é a própria vinheta em si; ou seja, o quadrinho, por si, já inicia e termina a narrativa nele mesmo. A diferenciação aí das HQ mais longas consta apenas no que tange à quantidade de quadros das ações; contudo, tem o mesmo valor e estatuto de quadrinho, mesmo sendo constituída de uma única vinheta.

Essa questão de unidade mínima de significação nos permite apreender melhor o quão é complicado produzir e dar sentido, enquanto escritor, às HQ. Isso porque é preciso que tudo, ou pelo menos o que for possível, seja “encapsulado dentro de um conjunto de linhas, formando um retângulo, quadrado, esfera ou outro formato. Os desenhistas criam nesse espaço uma ‘síntese coerente e representativa da realidade21’”; é assim que Ramos (2009, p. 89) mostra essa

habilidade não tão simples de coordenar unidades mínimas de significação para se chegar à unidade maior, ou à história final. Não é nada fácil efetuar essa “síntese representativa da realidade” com coerência dentro de quatro linhas, ou de um espaço retangular. A tarefa de construção requer que as vinhetas sejam predispostas de tal modo que, intra e extratexto, haja pertinência; melhor dizendo, que as unidades mínimas possam sincronizar-se em ordem tanto dentro dos próprios quadrinhos, quanto na representatividade sociocultural da convivência humana, o extratexto.

Além do mais, Acevedo deixa bem claro que “A vinheta é a representação através da imagem, de um espaço e de um tempo da ação narrada. Podemos dizer que a vinheta é a unidade mínima de significação da história em quadrinhos.”22 (1990, p. 69). Essa última

citação parece ser a que mais consegue apreender sinteticamente a questão do que seja a vinheta. Muito interessante é observar que essa unidade mínima significativa é formada através de um espaço e de um tempo da ação narrada, ou melhor, é a representação desse espaço e desse tempo, no quadrinho, que dá vida, dá forma, sentido, à vinheta.

Importante aqui fazermos um parêntese – é preciso uma questão ficar bem explícita e detalhada sobre esse aspecto de unidade significativa mínima: não podemos cair no entendimento equivocado de que cada vinheta é, necessariamente, igual a cada quadrinho. Embora Vergueiro (2004, p. 32) mostre, como citado mais acima, essa unidade mínima como sendo o “quadrinho ou vinheta”, é interessante que não pensemos que qualquer quadrinho por si só seja uma vinheta, ou qualquer quadrinho seja uma unidade mínima de significação. Vamos tentar entender melhor, fazendo uma articulação com o que Acevedo mostra logo na citação anterior, juntamente com a seguinte:

Alguns definem a vinheta como “cada quadro da história em quadrinhos”, incorrendo em um erro: observa-se um formato de vinheta – que, na verdade, é muito variável – e descuida-se do que a vinheta significa na história (1990, p. 69 – grifo do autor).

21 O trecho entre aspas simples dentro da citação é uma referência que o autor faz sobre o que mostra Fresnault-

Deruelle (1972)

Ora, o que Acevedo (1990) tenta mostrar é que a vinheta precisa comportar significação como unidade mínima e que comporte espaço, tempo e demonstre uma ação narrada. Ao tratarmos uma HQ de, por exemplo, 15 quadrinhos, para que todos esses 15 quadrinhos possam ser considerados vinhetas, cada um, desvinculado dos demais quadrinhos e observados em separado na história, precisa, como dito, possuir espaço, tempo e demonstrar uma ação narrada. Caso o quadrinho [isolado] não possua essas características, então esse quadrinho não poderá ser tido como vinheta, mas apenas como um quadro que faz parte de uma história maior. Esse quadrinho só vai se transformar em vinheta – porque é preciso que isso ocorra, caso contrário não haverá unidade significativa, não se formará tópico – quando ele se unir a mais um ou dois, da mesma história, e, com essa união, gerar este tríplice caractere que gera unidade mínima.

Sobre essa unidade mínima na narrativa ou de significação, observamos, no que tange ao encadeamento das cenas, que “Quando duas ou mais vinhetas se articulam para significar uma ação, dizemos que ali existe uma sequência” (ACEVEDO, 1990, p. 71 – grifos do autor); ou seja, quando as vinhetas vão se costurando umas às outras, e criam, assim, significado, então a sequência toma forma, concatenando e formulando sentido através da junção das vinhetas que aparecem antes e depois na ação narrada. Desta forma, quando a HQ é constituída por mais de uma cena, podemos dizer que tais quadrinhos são “uma estrutura narrativa formada pela sequência progressiva de vinhetas” (ACEVEDO, 1990, p. 72).

Afirmar que há sequência nos quadrinhos, é poder dizer que a progressividade dos sentidos e das significações foi posta a contento. A produção de compreensão é ativada quando a articulação sequencial é feita de modo que uma ou mais vinhetas possa(m) se complementar e ganhar forma de uma ação, pois é a sequência que dá estatuto de HQ no decorrer das atitudes protagonizadas pelos personagens.