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Metafisica Poética: Universais Fantásticos.

2. VICO, A IMAGINAÇÃO DA IMAGINAÇÃO

2.2. Metafisica Poética: Universais Fantásticos.

A “chave-mestra” que Vico menciona nas primeiras linhas do §34, refere-se à teoria dos “universais fantásticos”, também chamados de “caracteres poéticos”232:

“Esses caracteres poéticos comprova-se terem sido certos gêneros fantásticos ( ou seja, imagens, na maioria dos casos de substancias animadas ou de deuses ou de heróis, formadas pela sua fantasia), aos quais reduziam todas as espécies ou todos os particulares pertencentes a cada gênero; precisamente como as fábulas dos tempos humanos que são aquelas da última comedia, são os gêneros inteligíveis, ou seja, refletidos pela filosofia moral, dos quais os poetas cômicos formam gêneros fantásticos (que mais não são as ideias ótimas dos homens em cada um dos seu gêneros), que são os personagens das comedias. Portanto esses referidos caracteres divinos ou heroicos comprova-se terem sido fábulas, ou seja, falas verdadeiras; e descobrem-se alegorias, contendo sentidos não já análogos mas unívocos, não filosóficos mas históricos daqueles tempos dos povos da Grécia.”

Vico usa de forma alternada com o mesmo significado, as expressões “caractere poético”, “gênero fantástico” e “universais fantásticos” para designar os princípios da origem de mentalidade humana. Os universais fantásticos dos primeiros homens eram irreflexivos e espontâneos, e pertencentes às eras dos Deuses e Heróis, onde o pensamento era predominantemente constituído de fantasias, diferente dos gêneros inteligíveis, característicos da era dos Homens, construídos por abstrações racionais e conceitos lógicos de gênero e espécie.

É possível identificar essas eras233 no Frontispício. Os hieróglifos em terra denotam o mundo das nações e a era dos Homens. O globo e os hieróglifos sobre o altar representam o mundo da Natureza e a era dos Heróis e os hieróglifos superiores significam o mundo dos espíritos e de Deus. Na era dos Deuses os humanos se comunicavam por meios de uma linguagem metafórica, mas extremamente concreta e derivada de gestos. As relações que tinham com o mundo assemelhava-se a da criança, com seus mundos e os modos de organização idealizados e derivados de uma consciência religiosa com uma fé ingênua na experiência imediata. A forma de registrar pensamentos com significados desses primeiros

232 Ver p.18.

233 §52 “..que eles reduziam a três idades todo o tempo do mundo que antes deles tinha decorrido: a primeira dos

poetas eram o mito e formas pictóricas de escrita. Era uma linguagem natural e não convencional com a qual projetavam no mundo natural suas concepções de natureza passional e sensorial, dotando todos os aspectos da natureza com animus ou espírito. Esses deuses, frutos de sua própria febril imaginação, eram adorados pelos primeiros homens ao mesmo tempo em que estes eram por eles “governados”.

Na era dos Heróis uma linguagem convencional e simbólica surgiu, contendo muitos elementos da linguagem metafórica anterior. Apresentava um diferente nível de complexidade, uma vez que a capacidade metafórica estava na superfície do nível de cognição. Os homens começaram a identificar-se com as forças espirituais com que eles haviam dotado a natureza. Como consequência podiam justificar posições privilegiadas de certos homens ou classes de homens à custa da submissão dos membros mais fracos de suas comunidades: crianças, mulheres e estrangeiros. O mais poderoso era tido como o mais sábio ou como o zelador da sabedoria de uma raça. Possuíam instituições que refletiam o modo como viviam: separação das pessoas em grupos com diferentes direitos, responsabilidades, cabendo aos menos poderosos os atributos das feras e bestas (de onde eles supostamente ascenderam), e a sustentação de privilégios para os mais fortes, cujos atributos os aproximavam dos deuses (dos quais os heróis supostamente descenderam)

A era dos Homens surge com a aparição do intelecto racional como consequência dos incessantes trabalhos metafóricos das eras anteriores e por uma linguagem abstrata e convencional dominando a comunicação.234 Nessa era, a humanidade permanece separada em classes superiores e inferiores, mas um novo tipo de política e de leis escritas irá proporcionar às classes mais baixas a garantia de direitos. Os conflitos entre classes, indivíduos e o bem público eram mediados pelos juízes em nome do abstrato conceito de justiça. Essa é a era da razão na história da cultura e sociedade, uma era de reflexão e meditação e não mais de poder e batalhas: uma era que por sua própria natureza racional, contém as sementes de sua própria destruição. Segundo Vico, as eras de reflexão e meditação tendem inerentemente para o relativismo da moral e o ceticismo da crença. A piedade, base para qualquer comunidade é minada; todo cidadão passa a conhecer as origens de suas instituições e leis de maneira exclusivamente humana (não tendo acesso ao processo de criação das mesmas, que contempla outros aspectos, além da razão) e espera-se que essas instituições sejam honradas tal qual se honra a própria consciência pessoal. Assim, a sociedade ou cultura passa para uma fase de

declínio e dissolução, o que Vico chama de “barbárie renovada” ou segundo barbarismo, mais bárbaro que o primeiro, porque não possui restrições impostas pelo medo ou ignorância como ocorrera no primeiro barbarismo, motivo pelo qual os homens impunham, sobre si mesmos, condições restritivas para seus desejos.235 Assim, a cultura afunda numa decadência por conta própria, podendo ser vítima de inimigos externos, dando condições ao corsi e ricorsi236 na história.

Para essas duas primeiras eras, dos deuses e heróis, a predominância são dos universais fantásticos como fonte do pensamento. Vico define os princípios dos caracteres poéticos237 (§209), que constituem as essências das fábulas:

a) “a natural inclinação do vulgo para fingi-las, e fingi-las com decoro”: com conveniência, de modo verossímil, mas sem levar á uma reflexão calculada;

b) “os primeiros homens do gênero humano, não sendo capazes de formar gêneros inteligíveis das coisas, tiveram natural necessidade de fingir os caracteres poéticos, que são gêneros ou universais fantásticos” e “... os Egípcios referiam ao gênero do ‘sábio civil’, por eles fantasiado em Mercúrio Trimegisto...porque não sabiam abstrair o gênero inteligível de ‘sábio civil’: como não podiam abstrair em conceitos racionais usaram naturalmente a fantasia, que era o recurso cognoscível disponível, organizados numa logica poética, para compreensão de seu mundo.” c) “é o princípio das verdadeiras alegorias poéticas, que às fábulas davam

significados unívocos, não análogos, a partir de diversos particulares compreendidos sob os seus gêneros poéticos”: a mente primitiva não procede por meio de similaridade, no qual o predicado se aproxima conceitualmente do sujeito. Ela procede por princípio de identidade e nele o universo do sujeito e do predicado coincide.

No §403, Vico continua sua explicação sobre as alegorias do caractere poético:

“nos vem definido como ‘diversiloquium’238, enquanto, com identidade não de proporção

mas, para o dizer em termos escolásticos, de predicabilidade, esses significam as diversas espécies ou os diversos indivíduos compreendidos sob esses gêneros: tanto que devem possuir um significado unívoco, compreendendo uma razão comum às suas espécies ou indivíduos (como de Aquiles, uma ideia de valor comum a todos os fortes; como de Ulisses

235

Hayden White, no artigo “The Tropics of History” em TAGLIACOZZO/VERENE, Giambattista Vico’s Science of Humanity pp. 67-68.

236

A historia e seu curso (corsi), mas pode desenvolver também o recurso (ricorsi), ou a possibilidade de retornos: a barbárie dos tempos primitivos pode voltar, sucedendo uma era racional e civil. O medievo para Vico seria um exemplo de retorno à primitiva Grécia e Roma : economia feudal, vassalagem, direito “heroico” fundado na honra e coragem. O excesso de refinamento material na idade racional e civil, gerou um abandono da prática da justiça e dos costumes virtuosos e simples. BOSI, Idealogia e Contra Idealogia, pp. 52-53.

237 Personificações típicas e portanto míticas. NICOLINI, §209.

238 §209 – “’diversiloquia’ isto é, falares compreendendo num conceito geral diversas espécies de homens, ou

uma ideia de prudência comum a todos os sábios); de modo que essas referidas alegorias devem ser as etimologias dos falares poéticos, que nos dariam as suas origens totalmente unívocas, assim como aquelas dos falares vulgares o são muito frequentemente análogas.”

Os caracteres poéticos consistem a essência da fábula. Nasceram da necessidade natural de conhecer e explicar o mundo ao derredor e da incapacidade de abstrair as formas e as propriedades dos assuntos.239 As fábulas não contêm analogias ou verdades ocultas, mas a verdade civil que descreve a história de um povo. São verdades ideais “conforme o mérito daqueles sobre os quais finge o vulgo; e, no entanto, são por vezes e de fato falsas, na medida em que não seja dado àqueles o mérito naquilo que eles são dignos”.240 O caminho inverso

também é válido: “o verdadeiro poético é um verdadeiro metafisico”, ou ideal, e “o verdadeiro físico241, que com ele não se conforma, deve considerar-se desde logo falso.”

Verene242 aponta que são poucos os trabalhos focados nos universais fantásticos. Segundo ele, são raros os autores que, como Vico, apresentam de forma direta afirmações do núcleo de seu pensamento com instruções claras sobre como interpretá-los.243 Todavia é de se

notar que apenas poucos comentadores de Vico desenvolveram trabalhos exclusivos sobre os universais. Segundo Verene, dois fatores contribuem para tal cenário. O primeiro deles é a pouca referência do tema na Ciência Nova. Ainda que seja a “chave mestra” que permeia a obra, não existe um capítulo ou seção dedicada aos universais e são poucas as passagens em que Vico explica a natureza deles. Os parágrafos mais importantes que tratam da teoria dos universais fantásticos são: 34, 04-210, 403, 809, 933-34, um número pequeno, levando-se em conta os 1112 parágrafos da obra.244 O segundo motivo é que a teoria dos universais fantásticos apresenta aspectos problemáticos para uma interpretação do pensamento de Vico, sob uma ótica tradicional ou contemporânea de sistemas racionais ou de teoria da história. Muitos dos comentaristas de Vico mal percebem esse problema ou, talvez, minimizam essas passagens. Coloca-se tal questão porque a teoria dos universais fantásticos é, em última

239 §806.

240 §205.

241 Físico: histórico, objetivamente real. Paradoxo aristotélico no qual o verossímil poético, universal e típico, é

superior ao fato (verdade) histórica, que é contingente. BATTISTINI, p. 513

242 VERENE, Vico’s Science of Imagination, pp. 65-95.

243 Conforme acima na p. anterior os princípios dos caracteres poéticos.

244 Ver VERENE, Vico’s Science of Imagination, p66 para uma completa lista de parágrafos que citam as

diferentes terminologias utilizadas por Vico: caratteri poetici, caratteri fantastici, generi fantastici, universal

instância, uma teoria da imagem e não do conceito no sentido tradicional, o que causa grandes dificuldades para a interpretação filosófica padrão.245

Por conta de certos aspectos em sua obra, pode-se inferir que Vico passou por problemática similar, vivendo em Nápoles na passagem para o século XVIII. Ele anteviu os perigos de uma animosidade própria do racionalismo cartesiano, ainda em sua fase inicial, no que diz respeito à problemática da condição humana. A receptividade de suas ideias no campo fértil do racionalismo foi quase nula. A menção de caráter biográfico na qual ele afirma ter demorado vinte anos de sua vida profissional para fazer a descoberta dessa “chave mestra” aponto para um árduo aspecto da jornada de Vico.

No final do século XVII, Nápoles vivia uma virada cultural, tendo se tornado o centro mais importante da renovação cultural italiana, pós-renascimento. Surge a orientação de um pensamento marcado por um ecletismo que gerara, entre outras, conclusões ateístas. A nova

Ratio studiorum, com seus novos métodos analíticos e a primazia da crítica, colocava em risco a integridade antropológica. Antigas disciplinas que atuavam na formação cultural dos indivíduos foram afetadas e relegadas a posições inferiores na esfera do saber. Adotou-se uma

ratio que “fragmentava faculdades e procedimentos vinculados ainda a um ideal humanista de unidade do saber.” A física cartesiana, “maquinada segundo um plano semelhante àquela de Epicuro”, estava em ascensão. 246

Era uma época de contendas, de “querelle entre antigos e modernos” como define Passos Lima.247 Na filosofia de um lado havia a metafísica aristotélica, a escolástica e a metafisica platônica com a presença do cartesianismo, do outro lado o gassendismo. Os embates ocorriam também no campo da medicina, da jurisprudência e da literatura. A formação viquiana, que “pressupunha a tradição filosófica Grega platônico-socrática e a romana latinidade ciceroniana”, estava em cheque pela unilateralidade do novo modelo de saber, pondo em risco faculdades e disposições primordiais da experiência humana.248

Vico conheceu a obra de Descartes e expressa de forma clara sua opinião sobre ela ao escrever: “não devemos fingir aqui, o que Descartes, com maestria, fingiu com seu método de estudos que simplesmente exaltam sua própria filosofia e matemática e degradam todos os

245 Ibidem n244 e ver também p. 72. 246 LIMA, p.215.

247 Ibidem, p. 218 248 Ibidem, pp. 219-20.

outros estudos que incluem a divina e humana erudição.”249 Vico não aceitava a hierarquia

nem a ordem proposta por Descartes, e em certas passagens na Autobiografia ele a qualifica de falsa: “E por fim ele (Vico) não podia aceitar de forma séria ou mesmo de brincadeira a mecânica física de Epicuro ou Descartes, porque ambas tem como premissa inicial uma falsa proposição.”250

Como observado acima251, Vico recusa a moral estoica e epicuriana por entendê-las como uma moral de solitários, contrária aos interesses do homem na sociedade civil, daí seu interesse em Cicero, Aristóteles e Platão. A nova Ratio stodiorum questiona os antigos saberes e as disciplinas clássico-humanistas responsáveis pela formação da juventude, a sociedade do futuro. A orientação analítica proposta pela Ratio pode extirpar dos jovens as faculdades sensíveis e perceptivas de disciplinas e artes vinculadas a um saber dos sentidos, o que põe em risco o desenvolvimento natural da subjetividade nos jovens.252

Vico teme pela educação dos jovens, ameaçada pelo novo método cartesiano:

“Vico observa as consequências decorrentes de uma formação orientada apenas de modo racional-analítico, pois pode produzir uma ‘juventude árida e seca no desempenho e, sem fazer nunca nada, que ajuizar antes de qualquer coisa’. Outra prática incorreta, porém, é oferecer aos jovens ‘elementos da ciência das grandezas com método algébrico, o qual entorpece tudo o que é mais exuberante nas inclinações juvenis, lhes obscurece a fantasia, debilita a memória, torna preguiçoso o engenho, diminui o entendimento.” 253

A cisão das disciplinas humanas equivale ao corte do próprio desenvolvimento da humanidade e a prevalência do analítico inibe a criatividade e a sociabilidade, únicas na cultura humana:

“ Para Vico, tais faculdades são necessárias à ‘cultura da melhor humanidade’: a fantasia para a Pintura, a Escultura, a Arquitetura, a Música, a Poesia e a Eloquência; a memória para a erudição das línguas e da história; o engenho para as invenções; e o entendimento para a prudência. O predomínio da impostação analítica que dispõem também das disciplinas numa hierarquia de tipo intelectualista e abstrata, afeta faculdades, saberes, artes, pois a exclusão delas compromete a formação de uma cultura voltada para o âmbito das relações no mundo civil e contraria à introspecção do sujeito, isto é, a qualquer solipsismo”254 E 249 AB, p. 113. 250 Ibidem, p. 122. 251 p. 43. 252 LIMA, p. 228.

253 A permanência numa orientação intelectualista dos estudos faz com que os jovens se tornem incapazes no

trato da vida civil (cf. Giambattista Vico, Vita di Giambattista Vico, em outra passagem em Opere, tomo I, pag 17) em LIMA, p. 229.

(...) A impostação analítica da nova Ratio studiorum, ao impor a Álgebra, pois desconsiderava o desenvolvimento natural das faculdades, moles o ‘engenho, porque não vê senão apenas aquilo que está ali diante dos pés; estonteia a memória, porque descoberto o segundo ponto, não cuida mais do primeiro; engana a fantasia, porque não imagina absolutamente nada; destrói o entendimento, porque professa adivinhar.’”255

A preocupação de Vico é com o saber e não apenas com a determinação da superioridade de um método em particular. Ele buscava encontrar as vantagens e desvantagens de cada um, procurando corrigir os excessos do método cartesiano. Vico defenderia que o senso comum é primeiro acesso a uma reflexão do saber, por beneficiar-se do verossímil. O verossímil, caro a formação dos jovens, não tem validade no método cartesiano. A crítica o erradicara. O conhecimento sensível, base do conhecimento humano e indissociável da experiência do senso comum, não tem importância no método cartesiano. “Desse modo, o autor [Vico] recompõe no senso comum aquelas faculdades que possibilitam o conhecimento sensitivo e a percepção imediata dos aspectos particulares e múltiplos das coisas, os quais enriquecem a experiência e o horizonte da imaginação e da memória. A função do senso comum é aprender o verossímil, daí a intenção viquiana de renovar o critério e método dos estudos.” 256 No método cartesiano a crítica antecede e invalida a tópica.257 Ela

não se faz necessária porque a verdade será descoberta única e exclusivamente pela crítica o que é um erro, visto que a “descoberta dos argumentos vem, por natureza, antes do juízo sobre a verdade; assim a tópica como matéria de ensino deve preceder a crítica.”258

A unilateralidade do método cartesiano implica a negação à experiência de aspectos humanos e, portanto, aponta para uma humanidade incompleta.

Além da barreira filosófica e cultural havia ainda as ideias da fisiologia mental ou da constituição física das mentes, que condiziam com o modo de pensar vigente no tempo de Vico. A mente dos homens primitivos que Vico acessou com sua nova arte crítica, através da reinterpretação dos mitos259, levou-o a concluir que transformações haviam ocorrido na

255 Ibidem,. p. 229-30. 256 Ibidem,. p. 257.

257 Na tradição retórica é a arte de encontrar argumentos encontrada na primeira parte da Retorica, a inventio.

Ver tambem tópica sensível, n.345.

258 Oraciones Inaugurales & La antiquíssima sabiduría de los italianos pp. 81-2.

259 PLATÃO, no Timeu (23d), já tratava o mito como uma vera narratio: “ Antes de descrever de que modo o

Demiurgo fabricou o mundo, Platão faz um esclarecimento de caráter metodológico ou, como se diria hoje, epistemológico. Uma vez que o mundo sensível, como vimos, é apenas uma imagem (eikon) do mundo das Ideiasm o discurso que o descreve, e, portanto, também o que descreve sua origem será também ele apenas uma umagem do discurso que descreve o mundo das Ideias, ou seja, será um ‘conto’(mythos) semelhante ao verdadeiro, um ‘conto verossímil’ (eikos mythos).” BERTI, p. 27.

mente do homem primitivo até aqueles dias. Essas transformações dificultavam, quando não impossibilitavam, o acesso a uma metafisica fantástica. Fato que ele também comprova ao enfatizar seu grande esforço para vencer e como era difícil conceber o conceito do universal fantástico numa mente civilizada.260 “... Custou-nos a pesquisa obstinada de quase toda a nossa vida literária, uma vez que com essas nossas naturezas civilizadas, tal natureza poética desses primeiros homens é, de facto, impossível de imaginar e muito a custo nos é permitido compreender.”261 Pode-se inferir que essa dificuldade, representada no texto de Vico por uma

natureza civilizada, tem um fundamento fisiológico ou que os caminhos físicos do pensamento pela mente desconheciam o acesso à mente primitiva. E na passagem da Metafisica Poética, referindo-se à origem da poesia: “e deviam começar (a refletir os filósofos e filólogos sobre a sabedoria dos gentios) a partir da metafisica, como aquela que vai recolher a as suas provas, não já de fora, mas de dentro das modificações da própria mente de quem a medita...”.262 Vico utiliza a analogia do pintor263: “...sempre que quisermos do entendimento

extrair coisas espirituais, devemos ser socorridos pela fantasia para as podermos explicar e, tal como pintores, fingi-las imagens humanas.”264

O poeta de Vico é um criador fingidor, como o de Pessoa265, o qual alcança, na ausência da razão, uma ordem fantástica:

“(...) os primeiros homens das nações gentias, como crianças do nascente gênero humano(...) criavam as coisas a partir de suas ideias(...)e pela sua robusta fantasia, corpulentíssima fantasia, faziam com uma espantosa sublimidade, tal e tanta que perturbava excessivamente esses mesmos que fingindo as criavam, pelo que foram chamados ‘poetas’ que em grego significa o mesmo que ‘criadores’.”266

E

“(...) comprova-se que por defeito do nosso raciocínio humano nasceu a poesia tão sublime que, para as filosofias que surgiram depois, para as artes tanto poéticas como críticas, ou melhor, por causa destas mesmas, não apareceu outra maior nem mesmo igual.”267