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A forma ideal de coleta de sons impulsivos é em câmara anecóica, que evita a reflexão do sinal acústico com o solo ou paredes. Entretanto, efetuar disparos de armas de fogo em uma câmara fechada é inviável e perigoso. Por isso, adaptamos a metodologia proposta por Maher (MAHER, 2015), utilizando uma plataforma que eleva a 3 metros a posição do atirador, bem como tripés para elevação dos microfones. Esta plataforma de tiros foi construída em estrutura tubular metálica, desmontável, com piso rígido em madeira de 1m2, que permite o bom posicionamento do atirador, mesmo utilizando armas longas com calibres de grande energia (figura 9).

O conjunto formado pela plataforma, 7 tripés e mesa dos equipamentos podem ser desmontados e transportados facilmente no porta malas de um veículo sedan, com o banco traseiro rebatido. Isso para se adequar às viaturas policiais mais comuns oferecendo a possibilidade de sua utilização em cenas de crime se for necessário. A facilidade no transporte se mostrou útil também para a realização das coletas dos sons, que foram realizadas nos estandes de tiros da Associação de Tiro de Duque de Caxias e no Clube de Caça e Tiro Nacional, em São Gonçalo, municípios do Estado do Rio de Janeiro.

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Figura 9 – Plataforma e os demais equipamentos montados

Fonte: O autor, 2019.

Esta forma de coleta elevada do solo não elimina reflexões acústicas e reverberações, mas como o som viaja 1 metro em aproximadamente 3 milissegundos, posicionando a arma de fogo e os microfones mais distantes das superfícies refletoras, a chegada das primeiras reflexões será adiada em comparação com a chegada direta do som no microfone (figura 10). Aumentando o espaçamento entre a arma de fogo e o solo, o caminho acústico do som refletido ocorrerá entre 10 ou mais milissegundos após a chegada direta do som, e esse atraso é suficiente para que todo o som direto seja primeiro coletado, produzindo assim um resultado quase anecóico.

Figura 10 – Gravação quase anecóica com microfones suspensos em relação ao solo

Fonte: O autor, 2019.

Para a captura do som dos tiros foram utilizados microfones de medição CSR MR2000 que possuem resposta frequencial plana com limitação quanto à intensidade máxima de sinal de entrada em torno de 130 dB SPL (Anexo B), instalados em tripés com ajuste telescópico de altura. Para evitar a saturação do sinal, os microfones foram posicionados para cima. Foi utilizado também um decibelímetro modelo KR853, com certificado de calibração válido (Anexo C), ajustado para resposta rápida (fast) e ponderação em C, com registros de dados, na medição prévia à coleta e durante a coleta. Este modelo também tem limitação acústica de 130dB SPL, por isso o seu posicionamento durante a coleta ficou a 90º graus da arma e a uma distância de 6 metros. Os sons foram capturados em uma placa Tascam modelo US 16X08, com todas as entradas sincronizadas pelo software SONAR LE, ajustadas para 96kHz, 24bits, wav pcm.

Para referenciar as condições atmosféricas do microclima local, um termo higroanemômetro digital, modelo KR825, com certificado de calibração válido (Anexo d), foi utilizado em todas as ocasiões das coletas. As coletas foram realizadas em locais abertos para minimizar possíveis reflexões.

O arranjo espacial dos microfones durante a coleta é de extrema importância, os 7 microfones de medição, ominidirecionais, foram posicionados a 3 metros da

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arma e distribuídos a 3º, 30º, 60º, 90º, 120º, 150º e 180º da linha de tiro (figura 11).

Foram produzidos 10 tiros, espaçados, para cada calibre. Armas que operam em modo automático (rajada) foram contempladas com mais amostras do mesmo calibre com esse mecanismo de disparo.

Figura 11 – Sistema quase anecóico para gravação dos padrões

Fonte: O autor, 2019.

Esta forma de coleta de sons permite analisar os componentes acústicos da forma de onda do sinal, sem a interferência na propagação das reflexões, sendo útil por exemplo, para estudos experimentais de algoritmos de reconhecimento de padrões. A fim de tornar mais aplicável aos exames na esfera criminal, onde a fonte de gravação dos sons frequentemente não é a ideal, foi utilizado simultaneamente aos microfones de medição, um gravador de voz portátil, ajustado para gravar em .wav ADPCM 24kHz. A gravação neste equipamento, apesar de não ser a mais comum na casuística dos exames periciais, permite uma comparação de como se comporta um microfone de menor dimensão na gravação, já que o diâmetro do transdutor do microfone influencia diretamente na captação dos sons impulsivos dos tiros, que podem ser descritos como um sinal de banda larga com conteúdo de alta frequência (RASMUSSEN et al., 2019).

Dada a distância de 3 metros e a capacidade de resposta dos microfones utilizados, limitada a 130dB, os tiros reais ultrapassaram esse limiar, ocorrendo a clipagem do pico do sinal. Essa limitação reproduz o que acontece nos gravadores

de uso doméstico que originam a maioria das gravações questionadas presentes na rotina dos exames periciais. Para evitar a clipagem, os microfones foram posicionados para cima e protegidos com espuma acústica que funciona como atenuador de sinal (fig. 12). De outra maneira, a clipagem do sinal só seria evitável se fosse utilizado um microfone de medição com capacidade de mais de 170dB SPL, e uma placa de captura com taxa de amostragem muito superior, o que encareceria sobremaneira este projeto inviabilizando-o financeiramente, já que todos os equipamentos foram obtidos ás expensas do autor. O sistema de gravação proposto é de baixo custo, para que possa ser replicado por outros interessados e aplicado no trabalho pericial do Instituto de Criminalística Carlos Éboli.

Figura 12 – Arranjo do microfone e gravador digital

Fonte: O autor, 2019.

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A compressão do áudio é outro fator de alteração do sinal que precisa ser melhor estudado (BECK et al., 2011). Por isso visando fornecer material para estes estudos um gravador digital Tascam DR-100 foi posicionado a 10m de distância perpendicular ao posicionamento do atirador e ajustado para capturar no formato mp3, 128kbps.

As ações mecânicas das armas produzem sons característicos, e também foram gravadas em wav, pcm, 44kHz, 16bits, a uma distância de 50cm. Para cada arma 10 eventos seguidos foram gravados; do som da ação dupla do gatilho sobre o cão nos revólveres, e no golpe do ferrolho nas pistolas e outras armas semiautomáticas.

Este trabalho, pelas suas características, envolveu uma complexidade jurídica devido à utilização de armas de calibre de uso restrito, por isso foi necessária parceria com outras entidades como o Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), a Diretoria Geral de Polícia Técnica e a Coordenadoria de Fiscalização de Armas e Explosivos (CFAE) da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ).

A dificuldade logística demonstrou ser o obstáculo mais difícil a ser superado.

Muitas tratativas foram realizadas até que se alcançou um caminho para a liberação das armas e munições e um local para a realização da coleta dos padrões acústicos.

Outro grande obstáculo que surgiu durante a pesquisa bibliográfica foi a falta de informação sobre o assunto desta pesquisa. Banco de dados sonoros disponível para consulta são raros, e ainda mais raro são aqueles com informações precisas sobre o modo de gravação.

A fim de tornar o trabalho mais objetivo, buscou-se identificar os calibres mais usualmente envolvidos em crimes. Consultando-se os dados estatísticos publicados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), no ano de 2018, registrados no endereço eletrônico <http://www.ispvisualizacao.rj.gov.br/Armas.html> sobre apreensões de armas e munições, identificou-se que, entre as munições apreendidas no Rio de Janeiro, os calibres mais comuns são: 7.62mm, 5,56mm, 9mm Luger, .38, .380 ACP, .40S&W. Tais calibres representaram mais de 80% das munições apreendidas pelas polícias do Rio de Janeiro, em 2018 (Tab. 2).

Por isso, esses calibres foram os primeiros a alimentarem o banco de dados.

As armas e munições utilizadas foram emprestadas para o experimento pela CFAE, e pelo Serviço de Perícia de Armas de Fogo (SPAF) do ICCE e são descritas no Anexo E.

Tabela 2 – Apreensões de munições em 2108 segundo ISP

Calibre Total de apreensões em 2018

7,62mm 27.642

5,56mm 26.020

9mm Luger 53.997

.38 15.952

.380 ACP 13.467

.40 S&W 36.600

Demais calibres 38.316

Total 211.994

Fonte: adaptado de ISP. 2018.

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4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Cabe aduzir que o objetivo principal deste trabalho é produzir material de referência, para utilização em exames periciais onde será possível comparar com os áudios oriundos de gravações reais, nos mais diferentes suportes. Não serão apresentados aqui os resultados dos exames periciais em que os áudios gravados foram utilizados, por questões jurídicas relativos ao sigilo das investigações e preservação da identidade dos envolvidos.

Vencidas as etapas iniciais do projeto, que demandou muito tempo com a construção e aquisição de equipamentos, além de toda a logística para a liberação e empréstimo das armas e munições, finalmente procedeu-se a coleta dos sons.

Foram produzidos 10 tiros de cada calibre, com munições de mesmo fabricante e 6 tiros em rajadas com as armas com esse mecanismo de ação (tab 3). Isso resultou vários arquivos de áudio de fontes de gravação diferentes, que podem ser resumidas em: uma gravação sincronizada onde o mesmo áudio é captado simultaneamente por 7 microfones; uma gravação não sincronizada obtida por 7 gravadores digitais; uma gravação no formato mp3 obtida a distância de 10m (tabela 4).

Tabela 3 – Calibre e número de tiros produzidos

Calibre Arma Nº de Tiros Rajada

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